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Preconceitos étnico-raciais e de gênero agravam a falta de representatividade na universidade, apontam gestoras

Mesa da II Semana Negra do APUBH teve a presença da primeira mulher negra a ser reitora de universidade federal no Brasil, Nilma Lino Gomes, e da vice-diretora do CECH/UFSCar, Ana Cristina Juvenal da Cruz

II Semana Negra do APUBH – Mesa “Raça e gestão universitária: a experiência de mulheres negras”

“Quando a gente pensou essa II Semana Negra, a gente pensou em uma semana de conversa, uma semana de diálogos. Desde terça-feira, é isso que a gente vem fazendo, e a gente faz no processo de ‘passar a palavra’”, comentou Analise da Silva, professora da Faculdade de Educação (FaE/UFMG) e 1ª vice-presidenta do APUBH, nesta quinta-feira (05/11). Ela também ressaltou a relevância da homenagem ao professor Tomaz Aroldo, primeiro e único reitor negro da UFMG, nos 93 anos da instituição. “Cada vez que um de nós vai, é importante ‘fincar a bandeira’, para que aqueles que vêm depois de nós saibam que, por aí já passamos, e, portanto eles podem ir mais adiante”, reforçou a professora. “Os que vieram antes de nós fizeram muito, mas ainda há muito a ser feito”, completou.

A professora Analise passou a palavra para a professora Ana Cristina Juvenal da Cruz, vice-diretora do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e para a professora Nilma Lino Gomes, que foi a primeira mulher negra a ser reitora de universidade pública federal no Brasil. As docentes foram as convidadas da primeira mesa do dia, que teve como tema “Raça e gestão universitária: a experiência de mulheres negras”. Assista ao debate na íntegra: https://youtu.be/uGOwYSqMfgw

Ana Cristina Juvenal da Cruz: universidade é um espaço de reflexão crítica e transformação social

Em sua fala, a professora Ana Cristina ressaltou que “embora o modelo de universidade, tal como o conhecemos, seja denominada como uma invenção moderna –na sua forma humboldtiana, desse alinhamento de pesquisa e prática pedagógica –, há indícios de que a primeira universidade, a primeira universidade, a primeira ideia de universidade tenha sido em Timbuktu, no atual Mali, antes do Séc. 12”. “Como lugar de passagem de vários povos e destinada à troca e circulação de saberes, Timbuktu carrega essa ideia, posteriormente desenvolvida no conceito de universidade moderna”, explicou. Essa proposta ainda ressoa nos dias atuais, ainda segundo ela, na medida em que o espaço acadêmico é “basicamente, um espaço de troca e construção de saberes se vincula à universidade, como um lugar de projeção de múltiplas formas de vida. Há, portanto, no espaço da universidade, a junção de valores, de modelos e de problemáticas atinentes às sociedades nas quais estão inseridas”.

A docente reforçou que a universidade traz em si o papel de ser um espaço de reflexão crítica e transformação social. No entanto, essa função é colocada em risco, ainda segundo ela, pelo avanço do pensamento neo-liberal, que tende a reproduzir as suas características no espaço acadêmico, como as práticas de competição, de repetição de privilégios, autoritarismos e exclusão. Como exemplo desta situação, ela citou o projeto “Future-se”, que propõe uma mudança estrutural da universidade, não apenas na forma de captação de recursos, mas também no seu modo de funcionamento. “Essa política de cunho neo-liberal promove e produz, pela educação, a lógica violenta da competição, da monetarização das relações e do individualismo”, analisou. “O projeto desvincula o Estado de oferecer para a sociedade brasileira serviços básicos, por meio das políticas universais e, ao mesmo tempo, constitui essa engenharia de que a sociedade veja a si própria sem acreditar na sua capacidade e na sua força de ação. Eu acho que é nisso que a gente precisa pensar, a partir da gestão, mas dos nossos trabalhos nas instituições”, completou.

Sobre a ocupação de cargos de gestão por mulheres negras, ainda incipiente nas universidades, a professora ponderou que “os espaços de gestão não são apenas espaços burocráticos no funcionamento da universidade, mas eles potencializam que novas falas e proposições adquiram eco, ressoam vozes que possam permitir mudar a estrutura”. A necessidade de diversidade na academia reflete, na opinião dela, a própria dinâmica da sociedade, em sua pluralidade de corpos e vidas. “Uma sociedade antirracista é uma sociedade que é contra os preconceitos contra os diversos tipos de sexualidade, é contra as desigualdades sociais, é contra toda e qualquer forma de injustiça”, afirmou.

Nilma Lino Gomes: é necessário combater o racismo institucional na universidade

A professora Nilma Lino Gomes ponderou que o tema da articulação entre a questão racial e a gestão universitária diz respeito à representatividade. “No contexto do racismo, do patriarcado, do machismo e das desigualdades econômicas, as pessoas negras ocupando o lugar de gestão, mesmo na esfera pública, ainda somos uma raridade. E se nós falamos em mulheres negras, nós somos mais raras ainda”, observou. Ela reforçou que a presença de mulheres negras em cargos de gestão das universidades, ainda que pouca, resulta de lutas sociais. “Lutas pela democracia, por uma universidade democrática, pelos direitos das mulheres, desencadeado pelo movimento feminista, pelo movimento de mulheres negras, pelo movimento feminista negro e pelo movimento antirracista”, afirmou.

“Eu acho constrangedor que em uma mesa sobre mulheres negras e sua gestão universitária, a nossa primeira constatação seja de que somos pouquíssimas. O que revela que nós nos tornamos exceções, que comprovam a regra do racismo, que são a exclusão e a invisibilidade política”, pontuou a professora emérita da UFMG. A professora Nilma observou que, apesar da legislação federal implantada para pessoas negras ocupem as vagas nos corpos discente, docente e de funcionários, “as ações afirmativas e as cotas ainda encontram barreiras de implementação nas universidades públicas, porque elas ainda esbarram no pensamento meritocrático, que tem sido reforçado cada vez mais nesses tempos antidemocráticos, que vivemos desde o golpe de 2016”. “Ou seja, mesmo que os candidatos negros e negras, nas cotas raciais dos concursos públicos, atestem a sua competência nas provas e títulos, concorrendo com seus iguais, que é o que ação afirmativa faz, em trajetórias de desigualdades sociais e econômicas, nós ainda veremos e vemos professoras e professores, gestoras e gestores, estudantes, técnico-administrativos, duvidando da competência desses sujeitos”, definiu.

“Se queremos ser antirracistas, como tenho ouvido muito ultimamente, é necessário que nós enfrentemos um fenômeno perverso que está dentro das nossas instituições: o racismo institucional”, defendeu a professora emérita da UFMG. Ela explica que essa forma de racismo se manifesta em “normas, práticas e comportamentos discriminatórios, adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do racismo e do preconceito racial”. “Em qualquer caso, o racismo institucional coloca as pessoas ou grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso aos benefícios gerados pelo Estado e pelas demais instituições e organizações”, elucidou. “O Brasil aprendeu o racismo científico e a academia, que o ajudou a produzir, aprendeu a colocar em xeque a competência das pessoas negras. E o patriarcado, somado a essa situação, coloca em xeque a competência das mulheres. A soma, racismo e patriarcado, coloca um peso muito maior, sobre nós, mulheres negras”, analisou. “Por isso, ter mulheres negras nos lugares de gestão, na experiência universitária, é ter nesses lugares mulheres insurgentes”, finalizou.

 

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