Acontece no APUBH

Primeiro dia da II Semana Negra do APUBH debateu a realidade de estudantes, docentes e pesquisadoras

Nesta terça-feira (03/11), a II Semana Negra do APUBHcontou com a realização de duas mesas redondas. À tarde, foi promovida a mesa redonda “Fundeb com CAQ e direitos dos estudantes negros”, com a presença da professora Catarina de Almeida, da Universidade de Brasília (UnB), e do professor Rodrigo Pereira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).Já no início da noite, ocorreu a mesa redonda “Impacto da Pandemia na carreira de Docentes e Pesquisadoras”, com a presença da professora Rosy Mary dos Santos Isaias, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFMG). A mediação de ambas as mesas foi realizada pela professora Analise da Silva, 1ª vice-presidenta do APUBH e coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (FEPEMG).

Sobre as convidadas e os convidados da Semana Negra, a professora Analise afirmou que “são docentes da educação superior, portanto doutores e pós-doutores, são pessoas de movimentos sociais, são pessoas de movimentos sindicais, são pessoas que estão aqui conosco para falar sobre educação, desde a educação infantil até a superior”. A participação destas pessoas, ainda de acordo com ela, é fundamental para “para falar de como é ser negro nesses espaços, de como é a luta para que mais negros ocupem esses espaços, como é o cotidiano nas instituições, que são encarregadas de nos educar para as relações étnico-racial e de gênero, de forma que seja inclusiva”.

Fundeb com CAQ e direitos dos estudantes negros

Mesa Redonda: Fundeb com CAQ e direitos dos estudantes negros

Assista à mesa redonda “Fundeb com CAQ e direitos dos estudantes negros”: https://youtu.be/BiGPcvpEQps?t=3173

Em sua fala, o professor Rodrigo Pereira abordou as conseqüências do racismo estrutural para a população negra do Brasil. De acordo com ele, a crise sanitária e humanitária atual vem evidenciado essas conseqüências, bem como causado o seu agravamento. Outro fator levantado pelo professor é o contínuo sucateamento de políticas públicas impetrado pelo governo federal, em que se destaca a EC 95 (“Teto de Gastos”). “Os dados sobre a letalidade da Covid-19 e as pesquisas mostram que, entre as pessoas internadas, a maioria das que morrem são negras. E essas pessoas morrem – na nossa realidade brasileira, com o governo que nós temos infelizmente – por falta de uma atuação mais incisiva do Estado, sobretudo no financiamento da saúde pública”, analisou.

A reparação dos danos às negras e negros, portanto, ainda segundo o professor da UFBA, passa por ações promovidas pelo Estado, a quem cabe garantiro acesso a direitos. “É fundamental que a gente consiga desmistificar a ideia de que o Estado é ineficiente. E desmistificar a ideia de que o Estado é ineficiente é lutar para que o Estado garanta o seu papel constitucional de provedor das políticas públicas e sociais”, afirmou.

O professor Rodrigo apontou ainda que, nesta pandemia, vem sendo manifestadauma espécie de “faxina étnica”. Exemplificando essa situação, sob a ótica da educação, ele avalia que a implementação de formas de ensino por meios digitais amplia as desigualdades sociais no país. Essa realidade é mais evidente, ainda segundo o docente, sobretudo entre as populações negras e periféricas, que não possuem meios adequados para essa forma de ensino e, portanto, estão sendo alijadas de do direito constitucional à educação.

Prosseguindo com a discussão, a professora Catarina de Almeida ponderou que, se a Constituição de 1988 tivesse sido, de fato, implementada, muitas pessoas que hoje não possuem acesso à Educação, já poderiam estar com esse direito garantido. Em sua experiência pessoal de alfabetização, a professora comentou que estudou em uma “escola que não poderia ser chamada de escola”, devido à falta de estrutura física e de qualificação adequada do corpo docente. “Uma escola, para ser chamada de escola, precisa ter condições que todas e todos estudantes possam desenvolver todas as suas potencialidades”, definiu.

Ainda segundo ela, essa precariedade, que escancara a desigualdade das condições de ensino, é a realidade de grande parte do país. “Nós temos um conjunto de escolas que, desde a sua infraestrutura, já nega o direito à educação”, observou. Diante dessa situação, a professora expôs a necessidade de manutenção e ampliação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNBEB), cujo investimento deve levar em conta oCusto Aluno-Qualidade (CAQ).

“Quando nós falamos de um financiamento da educação que seja capaz de dialogar, no sentido de acabar com essa desigualdade, é que nós estamos debatendo que nós precisamos de um financiamento de um FUNDEB com CAQ”, pontuou. Ela explicou que “o mecanismo do Custo Aluno-Qualidade vai trazer uma concepção de educação e as condições para que essa educação seja alcançada”. “O direito à educação se efetiva, quando a qualidade acontece. Ou seja, a Constituição diz que a educação tem como função o pleno desenvolvimento da pessoa”, pontuou.

Impacto da pandemia na carreira de docentes e pesquisadoras negras

Mesa Redonda: Impacto da Pandemia na carreira de Docentes e Pesquisadoras?

A professora Rosy Mary dos Santos Isaias discorreu sobre a realidade de grupos marginalizados que exercem a docência e a pesquisa na universidade, como mulheres e as populações negras e indígenas. “Eu costumo me apresentar como mulher negra e cientista no Brasil”, afirmou, lembrando que, na academia, ainda é grande o número de pessoas que optam por não se declararem pertencentes a grupos étnicos minoritários. Assista à mesa redonda “Impacto da Pandemia na carreira de Docentes e Pesquisadoras”: https://youtu.be/ROZwcDgxoOc

A docente apresentou uma série de dados e depoimentos que demonstram o agravamento da realidade das mulheres na universidade, principalmente as negras. “O impacto da Covid-19 na vida das pesquisadoras está sendo grande, na vida das pesquisadoras negras – segundo o trabalho do Parent in Science – está sendo um pouco maior”, declarou, apresentando os dados da pesquisa. Entre os depoimentos, estava este, cuja pessoa dizia: “com a pandemia, sinto profunda frustração e desesperança. Depois de um caminho cheio de preconceitos, por ser ‘incomum’ uma negra e periférica estar na academia, sinto como se tivesse sido em vão. O sentido é de impotência e estagnação”.

A professora do ICB acredita que a pandemia tem causado transtornos ainda maiores para as cientistas mulheres, pois além da universidade, muitas delas elas acumulam outras funções, como a de criar filhos. “Ser mãe e pesquisadora tem gerado um grande impacto, nesse nosso momento de pandemia e isolamento social, em que muitas atividades sobrecarregam a mulher, mais a mulher do que o homem”, disse. Apesar disso, a professora acredita que o trabalho desenvolvido para fortalecer a presença destas pessoas nesse espaço está crescendo. “Os temas de ser cientista, de ser cientista mulher e de ser cientista negra estão chegando às escolas, pelas nossas colegas que estão atuando no ensino básico”, observou.

“Eu queria dizer para as pesquisadoras e pós-graduandas jovens que nós não podemos desistir, temos que seguir em frente porque vai passar”, encorajou a professora Rosy. Para superar este momento, a pesquisadora e professora do ICB apontou a importância da resiliência, conceito oriundo do estudo das plantas, que descreve a “propriedade dos corpos que voltam à sua forma original, depois de terem sofrido deformação ou choque”. “Sermos resilientes, acredito que é o que vai nos fazer passar por esta tempestade. Em breve, estaremos de volta aos nossos contatos pessoais”, finalizou.

 

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