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Orçamento Secreto é considerado inconstitucional pelo STF

Por 6 votos contrários e 5 favoráveis, na segunda-feira, 19/12, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade do “orçamento secreto”. Além da relatora do caso, a ministra Rosa Weber, votaram a favor da inconstitucionalidade, os ministros Edson FachinLuiz FuxCarmen LúciaLuís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski.  “No mérito, por maioria, julgou procedentes os pedidos deduzidos nas ADPFs 850, 851, 854 e 1.014, para (a) declarar incompatíveis com a ordem constitucional brasileira as práticas orçamentárias viabilizadoras do chamado “esquema do orçamento secreto”, consistentes no uso indevido das emendas do Relator-Geral do orçamento para efeito de inclusão de novas despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual da União”, diz um trecho da decisão.

As Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 850, 851, 854 e 1014 foram impetradas pelos partidos Cidadania, PSB, PSOL e PV e o julgamento foi iniciado no dia 14 de dezembro, interrompido no dia 15/12 e finalizado no dia 19.   Como bem informa a BBC Brasil, as emendas sempre existiram, mas consistiam na distribuição igualitária entre os parlamentares dos recursos de responsabilidade do Congresso, com total transparência sobre a sua finalidade e destinação. Eram individuais e usadas para “corrigir” discrepâncias no orçamento e atender a demandas da população representada pelo parlamentar requerente.  Entretanto, desde a LOA 2020, as emendas passaram a ser do relator do orçamento que concentra todas as demandas, as envia para os ministérios gastarem e também negocia com os presidentes do Senado, da Câmara, entre outros parlamentares.  E, desta nova forma, não se tem conhecimento da destinação dos recursos, a forma de uso e a prestação de contas. Por isso, passaram a se chamar “orçamento secreto”.

Em seu voto, a ministra Rosa Weber chamou ainda a atenção para o caráter antidemocrático das emendas de relator do orçamento (RP9): “a partilha secreta do orçamento público operada por meio das emendas do relator configura prática institucional inadmissível diante de uma ordem constitucional fundada no primado do ideal republicano, no predomínio dos valores democráticos e no reconhecimento da soberania popular (CF, art. 1º)”. E completou apontando que a prática é “inaceitável” considerando-se os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Além de “inconciliável com o planejamento orçamentário (CF, art. 166) e com a responsabilidade na gestão fiscal (LC nº 101/2000; além de incompatível com o direito fundamental à informação (CF, art. 5º, XXXIII) e com as diretrizes que norteiam os princípios da máxima divulgação, da transparência ativa, da acessibilidade das informações, do fomento à cultura da transparência e do controle social”.

Com a decisão da Corte, foram extintas as emendas RP9, que foram amplamente utilizadas pelo Governo Bolsonaro a fim de garantir apoio político nas manobras realizadas para aprovação de medidas consideradas antipopulares.  Numa prática conhecida como “toma lá, dá cá”.  Por meio das emendas, segundo denúncias na imprensa, o governo freou centenas de pedidos de impeachment, conseguiu a eleição de Artur Lira para o comando da Câmara, formou maioria com o Centrão, entre outros esquemas. Tudo sem informar expressamente como os recursos foram administrados ou por quem foram requisitados levando a uma série de denúncias de corrupção e mau uso de verbas públicas. Nos últimos dois anos (2020 e 2022), o orçamento secreto já empenhou mais de R$ 44 bilhões.

Por isso, o STF ainda determinou que se tornassem públicas as despesas dos anos de 2020 e 2022 a fim de conferir transparência ao processo.  Conforme a decisão, a corte votou em sua maioria por “determinar, a todas as unidades orçamentárias e órgãos da Administração Pública em geral que realizaram o empenho, liquidação e pagamento de despesas classificadas sob o indicador orçamentário RP 9, nos exercícios financeiros de 2020 a 2022, a publicação dos dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com tais verbas públicas, assim como a identificação dos respectivos solicitadores e beneficiários, de modo acessível, claro e fidedigno, no prazo de 90 (noventa) dias”.

O resultado do julgamento foi uma derrota para os articuladores do orçamento secreto e abriu uma corrida no Congresso para encontrar uma destinação aos cerca de R$ 19,4 bilhões já previstos na LOA 2023 para as emendas de relator. Em entrevista para a Carta Capital, na segunda-feira, 19/12, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral do Orçamento de 2023, disse que o valor seria redistribuído prioritariamente entre as emendas de comissão (emendas coletivas das comissões técnicas) da Câmara e do Senado “por terem caráter nacional”.

Já na terça-feira, 20/12, ao votar a PEC da Transição, o Câmara dos Deputados, ciente do resultado final do julgamento no STF, aprovou um destaque definindo a nova destinação dos recursos reservados para o Orçamento Secreto: os valores serão divididos igualmente entre as emendas individuais (cada parlamentar pode indicar a destinação do recurso e a sua aplicação é impositiva/obrigatória) e o orçamento destinado aos ministérios.

Critérios para distribuição de recursos

Durante a interrupção do julgamento, o Congresso aprovou o Projeto de Resolução (PRN) 3/2022 que “altera as disposições da Resolução nº 01/2006-CN, para ampliar a transparência da sistemática de apresentação das emendas de relator-geral, estabelecendo critérios de proporcionalidade e impessoalidade na aprovação e execução dessas emendas”.

Pelo projeto, os recursos seriam distribuídos proporcionalmente entre as solicitações apresentadas pelos parlamentares e encaminhadas ao relator-geral do orçamento pelos líderes de partidos e pelos Presidentes da Câmara e do Senado. Além disso, “o mínimo 50% dessas emendas serão executadas em ações e serviços públicos de saúde ou de assistência social, de forma a priorizar a execução de políticas públicas voltadas para o bem-estar geral de toda população brasileira em áreas com recorrente escassez de recursos públicos e que visem a atender a população mais carente do Brasil”, diz o projeto. A aprovação, entretanto, não interrompeu o julgamento.