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Fim do Serviço Público: PEC Emergencial e Reforma Administrativa

O governo de Jair Bolsonaro segue firme na sua perspectiva política de desmonte do Estado brasileiro. Trata-se da tomada de uma série de medidas privatistas ede ataques ao funcionalismo público e a direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores. Tudo isso para beneficiar algumas poucas pessoas, que se aproveitarão dos lucros das empresas e da prestação de serviços das estatais, além de terem passe livre para explorar a força de trabalho dos ex-servidores.

Nesse âmbito, o governo de Bolsonaro manteve os perniciosos efeitos da Emenda Constitucional 95, que limita o teto de gastos mesmo em áreas essenciais tais como saúde e educação, já anunciou privatizações de empresas como a Eletrobrás, aprofundou a Reforma Trabalhista e aprovou a Reforma da Previdência. A “ordem do dia” para o governo é passar a Reforma Administrativa, que destruirá o funcionalismo e o serviço públicos brasileiros.

Anteriormente,todas as medidas tomadas pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, foram veiculadas como uma verdadeira tábua de salvação para o Brasil. O que se vê como efeito é o contrário. Mais de 14 milhões de desempregados e mais de 30 milhões de brasileiros sobrevivendo de trabalhos informais, nos quais não se têm nenhum direito trabalhista e nenhuma garantia de salário em curto prazo.

As medidas atuais devem ser vistas nesta mesma seara.Elas sãoapresentadas como “salvação”, mas serão, na verdade, causadoras do aprofundamento do abismo social existente no Brasil.Nenhuma palavra é dita pelo atual ministro da economia, por exemplo, sobre o volume absurdo de proventos que é empregado para o pagamento de uma fraudulenta dívida pública, nunca auditada, que gerou uma crisecriada artificialmente pela política monetária criminosa do Banco Central. Paulo Guedes está culpando os servidores públicos por uma crise econômica que, na verdade, é explicada com base emdados interpretados erroneamente, com interesse privatista, por organizações financeiras internacionais como o Banco Mundial e a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE).

 

A PEC 186

A Proposta de Emenda à Constituição 186/2019, aprovada na madrugada do dia 12/03/2021, promulgada como Emenda Constitucional nº 109/2021 no dia 15/03/2021 e que pode ser vista como uma prévia da Reforma Administrativa, tem grande potencial de dano ao serviço público brasileiro. Trataremos aqui, especificamente,sobre os efeitos para a carreira do Magistério Superior.

O chamado “congelamento” dos salários é um mecanismo inscrito no orçamento anual do Governo Federal. De maneira resumida, se todas as despesas obrigatórias primárias (ou seja, tudo que o governo é obrigado a gastar como salários, pensões e aposentadorias)ultrapassarem 95% das despesas primárias totais (tudo que o governo gasta, sendo esse valor composto pelas despesas obrigatórias e as despesas não obrigatórias, como compra de material de escritório, pagamentos de serviços, etc.), o Poder Executivo não poderá conceder vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração aos funcionários públicos.

É necessário informarque as despesas primárias totais, parâmetros para ativação do gatilho, já são reduzidas por estaremcongeladas pela Emenda Constitucional 95/2016. O desenvolvimento na carreira, contudo, não é afetado pela PEC 186, já que o texto não proíbe a concessão de progressões e promoções. Porém, assim como no caso do critério das despesas primárias totais, não há aumento salarial ou correção pela inflação, medida esta também presente na EC95/2016.

Quanto aos funcionários públicosque se aposentaram ou se aposentarão com paridade, tendo acessado a carreira antes de 2004, sofrerão as consequências do congelamento da remuneração do pessoal da ativa e também com congelamento dos proventos. Quanto aos servidores que não possuem paridade, a atualização dos seus proventos é feita pelo índice do INSS e, nesse sentido, não são afetados pelo congelamento da remuneração dos servidores na ativa.

É importante ressaltar que, em virtude da Lei Complementar 173, de 27 de maio de 2020, a concessão de novas vantagens, aumentos, reajustes ou adequação salarial já está vedada até 31 de dezembro deste ano. Portanto, mesmo que o mecanismo previsto na PEC 186 somente seja acionado a partir de 2022, a possibilidade de concessão de reajuste já estaria proibida no ano de 2021.

Por fim, a previsão inicial de desmonte do piso constitucional de gastos com saúde e educação não foi incluída no texto final da PEC, mantendo-se, por ora, as disposições constitucionais sobre o assunto.

 

A PEC 32

As modificações pretendidas pela PEC nº 32/2020 têm ainda mais potencial de dano relevante aos servidores, novos e futuros, bem como de atingir toda a população brasileira. Sob o pretexto de modernizar e baratear o serviço público, partindo da falsa premissa de que os servidores são privilegiados, custosos e ociosos, a Proposta de Emenda à Constituição retira direitos, precariza a atuação do Estado e desestimula que os bons profissionais busquem seu ingresso nas carreiras públicas.

Quanto aos efeitos específicos entre os docentes de ensino superior, é importante compreender a diferença entre os servidores atuais e os futuros. Os servidores atuais são aqueles que ingressaram ou ingressarão no serviço público até o marco legislativo estabelecido pela PEC, e os futuros, o que vierem a adentrar posteriormenteo serviço público.

Sobre os servidores atuais, a PEC nº 32/2020 tecnicamente mantém o vínculo estatutário, com todas as garantias inerentes ao vínculo. Contudo, algumas mudanças vão atingir também os servidores que já estão no serviço público.

Em primeiro lugar, os benefícios do servidor, dispostos na legislação cabível, poderão ser revogados a qualquer tempo, já que o servidor não possui direito adquirido a um benefício revogado.

Ademais, as funções de confiança, ocupadas exclusivamente por servidores detentores de cargos efetivos, e os cargos em comissão, ocupados parte por servidores efetivos e parte por cidadãos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, passam a ser substituídos pelos chamados “cargos de liderança e assessoramento”, que podem ser ocupados por qualquer cidadão brasileiro, podendo levar a interferências no andamento dos departamentos e das unidades na Universidade.

Por fim, os servidores que necessitarem de pedir licenças e afastamentos vão perder direitos decorrentes de ocupação de cargos em comissão e funções de confiança enquanto durar a licença ou o afastamento, independentemente da sua natureza. A título de exemplo, uma servidora em licença-maternidade perderia todos os benefícios decorrentes de cargo em comissão porventura ocupado.

Quanto aos servidores futuros, contudo, a situação é absolutamente desoladora. A PEC nº 32 reenquadra os servidores em cinco categorias: período de experiência, como etapa do concurso público; vínculo por prazo determinado; cargo com vínculo por prazo indeterminado; cargo típico de Estado; e cargo de liderança e assessoramento.

Dessas cinco categorias, o cargo que mais se aproxima do vínculo estatutário vigente hoje é o “cargo típico de Estado”, que não é precisamente definido pela PEC e será definido por meio de Lei. Na disposição de motivos da PEC, encontra-se uma definição vaga de cargo típico de Estado, como cargo que desempenha funções exclusivas do Estado, tais como o policiamento, a magistratura, a procuradoria, a auditoria fiscal, entre outros.

As carreiras da educação passam a ser consideradas cargo com vínculo por prazo indeterminado, por serem atividades que, embora exercidas pelo Estado, não são exclusivas deste e podem ser exercidos pela iniciativa privada. A diferença é que, enquanto o cargo típico de Estado retém a estabilidade característica do vínculo estatutário, o cargo com vínculo por prazo indeterminado não detém essa prerrogativa e passa a estar sujeito à perda do cargo a qualquer tempo.

Como as possibilidades de perda do cargo serão dispostas por lei e estarão ligadas especialmente à avaliação de desempenho, novamente vem à tona a insegurança a que os servidores estarão sujeitos. Ademais, na hipótese dos professores, abre-se margem para uma completa perseguição do direito à liberdade de cátedra e autonomia universitária, por meio de desligamento em função de “avaliação de desempenho” considerada supostamente insatisfatória.

Frisa-se, também, que as atividades exercidas pelos servidores contratados por prazo indeterminado poderão ser substituídas por pessoal da iniciativa privada mediante os ditos instrumentos de cooperação – seria possível, portanto, o estabelecimento de instrumento de cooperação com as ditas Organizações Sociais para gestão dos docentes em Instituições Federais de Ensino, efetivando a terceirização no magistério federal.

Contudo, o ponto mais danoso da PEC nº 32 é a possibilidade de extinção de autarquias por decreto presidencial.Ressalte-seque, na legislação atual, tal hipótese depende de deliberação do Congresso Nacional. Assim, como as IFES estão organizadas em autarquias, apenas uma canetada da presidência poderia, em tese, extinguir uma Universidade Federal.

A PEC n° 32/2020 também amplia as possibilidades, hoje existentes em casos de urgência, de contratação de pessoal por tempo determinado. É importante ressaltar aqui a possibilidade de contratação temporária em caso de “paralisação das atividades essenciais” – ou seja, em caso de greves e paralisações, o Estado poderá alegar a interrupção de atividades essenciais e contratar pessoal temporariamente. Evidentemente, com essa possibilidade, a intenção do governo atual é frustrar tentativas de movimento paredista.

Sobre a previdência, é importante mencionar que a PEC nº 32/2020 dispõe sobre a vinculação dos servidores que vierem a ser admitidos para cargo com vínculo por prazo indeterminado (como as carreiras docentes)ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Ou seja, a previdência dos servidores futuros passa a ser regida pelo INSS, com as regras e valores correspondentes.

Por fim, para além de todos os ataques, os servidores futuros não serão destinatários dos seguintes direitos: férias em período superior a 30 (trinta) dias; adicionais de tempo de serviço; parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço; remuneração estável caso haja redução de jornada, aposentadoria compulsória como modalidade de punição; adicional ou indenização por substituição; progressão ou promoção baseada em tempo de serviço; parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei, incorporação de remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento.

Cumpre fazer um adendo sobre às férias, no que se refere à docência. É importante ressaltar que esse aspecto é um profundo ataque às vitórias alcançadas pelos trabalhadores em educação, em especial no ensino superior. Isso porque a Lei Federal nº 12.772/12, que estabelece o Plano de Carreira do Magistério Federal, concede 45 (quarenta e cinco) dias de férias aos referidos servidores.

Por mais que, em tese, esses direitos permaneceriam garantidos para os professores que já estivessem na carreira (isso se a Lei Federal Nº 12.772/12 não for revogada ou alterada após a promulgação da PEC), os servidores que ingressassem após a vigência da Emenda perderiam essa importante conquista da categoria.

Em linhas gerais, portanto, estas são as principais modificações trazidas na carreira do magistério federalpela n° PEC 32/2020 que possuem potencial mais corrosivo. Como se vê, as ingerências tendem a desestimular o ingresso no serviço público e, especialmente, a dificultar ainda mais ou, simplesmente, precarizar a execução das atividades.

 

O Decreto nº 10.620/2021

Outro problema imediato para a categoria docente é o Decreto Federal nº 10.620/2021, que perpetra significativo retrocesso social para aposentados e pensionistas, mas também para aquelas e aqueles que ainda estão na ativa, e,em última instância, à população vinculada ao regime geral de previdência social (RGPS). O referido Decretopromove um aumento significativo do número de pessoas cujos benefícios sociais são geridos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

Isso porque o Decreto Federal nº 10.620/2021 estabelece que a concessão e a manutenção das aposentadorias e pensões dos servidores (atuais e futuros) de autarquias e fundações, apesar de ficar no regime próprio, serão geridas pelo INSS. Portanto, a partir do Decreto, duas entidades diferentes passam a gerir aposentadorias e pensões do RPPS do pessoal vinculado à administração pública federal, algo que é vedado pela Constituição da República Federativa do Brasil e, portanto, claramente inconstitucional.

O Decreto adianta o que virá com a PEC 32/20, uma vez que servidoras e servidores já começam a ser tratados de maneira distinta. O Decreto também abre precedente para que as alterações no âmbito da administração pública federal sejam realizadas nos demais poderes e entes federativos, o que estaria de acordo com o projeto de evidente desmantelamento do serviço público e de retirada sistemática dos direitos e de garantias de servidoras e servidores.

Por todo o exposto, entende-se que o Decreto Federal nº 10.620, de 05 de fevereiro de 2021, viola diversos dispositivos constitucionais e abre perigoso precedente para o advento de novas regras que promovam alterações profundas no serviço público,regras estas prejudiciais a servidores, com efeitos a curto e a longo prazo.

 

Lutar para barrar os ataques

A gestão de Bolsonaro está sofrendo, com razão, duras críticas pela falta de gestão da pandemia. O país é o segundo com mais mortos e o terceiro com mais infectados pelo Coronavírus. A perspectiva para as próximas semanas ainda é de piora nos números já avassaladores que temos.

Além desta verdadeira necropolítica, é necessário também caracterizar o governo atual pelos exorbitantes números de desempregados e de trabalhadores informais,  pelo desinvestimento criminoso em educação e saúde públicas, além das perspectivas destruidoras de todo aparato estatal brasileiro, que é o que garante o mínimo de bem estar social para a população. Para barrar estes ataques, a mobilização e a articulação política em âmbito sindical e social sãoas melhores saídas. Foi na luta política que historicamente conquistamos nossos direitos. É nela que iremos reavê-los.