Sobre o programa Future-se
Todos os membros do Conselho Universitário da UFBA relataram os debates em suas respectivas unidades, fóruns ou categorias, e expressaram de modo extenso e claro as razões de sua rejeição, importando mencionar que, onde houve deliberação prévia de congregações ou outras instâncias, cada decisão foi antes tomada também por unanimidade, o que denota um debate cuidadoso e uma deliberação madura.
Nossa leitura não pretende ser exaustiva. Tampouco se assemelha a uma ata do CONSUNI. Conserva, portanto, os traços de uma leitura pessoal, apesar de aproveitar e mencionar em especial contribuições dessa rica reflexão coletiva, que foram suficientes para estabelecer que o Programa Future-se ameaça a universidade pública, pois: (1) atenta contra sua autonomia; (2) indica descompromisso do Estado com o financiamento público da educação superior; e, enfim, (3) sendo inepto como solução, agride a plenitude, a integridade e a unidade de cada instituição universitária, bem como do inteiro sistema de ensino superior federal. Seguem, pois, de modo breve, algumas das razões que, a nosso ver, explicam e justificam rejeição tão decidida a esse Programa.
Duas observações lógicas
O texto da proposta pode ser submetido a diversos níveis de análise, podendo ser discutido segundo perspectivas das diversas áreas do saber. Antes de apontar problemas mais diretos de conteúdo, que foram, esses sim, objeto mais direto do debate, destacamos alguns aspectos formais e políticos, sob a forma de duas considerações de natureza lógica.
(I) Sobre a menção a artigo da Constituição no texto do Projeto de Lei.
O contingente e o necessário são imiscíveis. E isso mesmo se, em uma análise mais flexível da lógica de modalidades, considerarmos a possível alteração do solo mais fundante da experiência, com os limites do espaço lógico não determinados de modo universal e, logo, sendo concebível que proposições gramaticais possam tornar-se proposições empíricas e vice-versa. Qualquer a compreensão de modalidades, o necessário não faz parte do campo do significativo, do que pode eventualmente ser verdadeiro ou falso. É inquestionável, e o inquestionável não se enuncia, pois não podemos imaginar que possa ser dispensado.
É claro que a analogia entre a lógica e a experiência não se aplica estritamente às distinções de nível entre o texto constitucional (mesmo em preceitos fundamentais) e outros ordenamentos jurídicos. Não obstante a diferença, a analogia é de todo sugestiva neste caso. É pois significativo que, em meio a um projeto de lei, seja enunciado, no inciso I do artigo 2o., que se queira assegurar “obediência à autonomia universitária, consoante o art. 207 da Constituição”, como se a lei pudesse dispor sobre o texto constitucional ou exigir a obediência a um seu artigo. A frase é, assim, ou de todo inócua, ou antes revela a consciência pesada de quem outrora imaginou que pudesse sim legislar de forma não consoante à Constituição Federal. Seria, aliás, uma primeira burla à Constituição anunciar o cumprimento de um seu artigo capital, rebaixando-o, contudo, ao nível do inciso de um artigo de um projeto de lei. Não é infrequente esse tipo de rebaixamento, sendo que o descuido lógico não implica por si falha jurídica, pretextando-se que valha o brocardo quod abundat non nocet. Entretanto, o pleonasmo é o lugar do vazio, e merece nossa atenção, sobretudo em virtude dessa operação de reformulação da proposta que, sem afastar seus traços mais agressivos, visou exatamente a diminuir a rejeição da minuta anterior, afastando dela a imagem de flagrante inconstitucionalidade.
O que a lógica sugere como vício a análise jurídica não há de mostrar como virtude, mesmo se não acarreta falha grave. Mas atenção. Pelo texto constitucional, é conferida às universidades uma autonomia que não pode nem precisa ser ampliada. Seu limite é o horizonte mesmo da Constituição, mas é especial, não se assemelhando àquela atribuída a outros entes da Administração Indireta exatamente por ser constitucionalmente qualificada, da mesma forma que a conferida aos entes políticos na Federação brasileira, encontrando-se, portanto, entrincheirada e submetida a verdadeira blindagem constitucional que rechaça qualquer medida tendente a aboli-la ou mesmo a mitigá-la.[ii]
Em outras palavras, seu estatuto é o de um preceito fundamental, vinculando-se aos princípios de liberdade de expressão e manifestação do pensamento, que seria comum a qualquer ente, não se configurassem as universidades, por distinção em relação aos outros entes, como um lugar especial de produção do pensamento, ou seja, um lugar em que a autonomia se associa à obediência de um princípio específico, pelo qual ensino, pesquisa e extensão são indissociáveis.
A inconstitucionalidade não se verifica, pois, nesse ou naquele item, de modo isolado, mas no espírito mesmo do Programa:
(…) se a autonomia constitucional conferida pelo art. 207 abriga a autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial, resta evidenciado que não pode a lei dispor sobre quais seriam as metas de desempenho da instituição, o que representaria uma indevida intervenção, sendo matéria que não pode ser decidida senão no exercício da gestão universitária pela própria universidade.[iii]
Sem nos aventurarmos no terreno da psicanálise da elaboração de peças jurídicas, seria essa uma hipótese plausível — a de que a menção explícita termina por diminuir o preceito mencionado? Pretendem acaso transformar em legislação contingente o que é condição do que pode ser legislado? O Projeto de Lei denuncia, talvez, com essa fragilidade lógica e jurídica, o que está em jogo, o que no fundo ele comporta. Se um texto precisa relembrar um item que, de resto, não poderia alterar nem suprimir, é por esse ser exatamente o ponto sob constante ameaça, se não formal, de claro constrangimento prático.
Após a primeira minuta ter sofrido muitas e justas críticas por simplesmente: (1) mudar a redação do texto constitucional, passando a referir-se a autonomia financeira, por exemplo, no lugar da autonomia de gestão financeira; e (2) colocar um contrato de gestão com uma Organização Social como porta de entrada para a adesão ao programa, detectamos um verdadeiro movimento de encobrimento, suavizando a expressão “adesão” pelo termo “participação” (embora aderir seja participar e participar, sabemos bem, seja aderir) e também, em outro exercício de eufemismo, substituindo o contrato de gestão por um contrato de desempenho, com o qual não se pode todavia ocultar que, também nessa forma suavizada, a autonomia da universidade é claramente restringida. Curiosamente, é também da ordem de um encobrimento a menção explícita ao artigo 207 da Constituição.
Falhas lógico-formais são sempre indesejáveis, e não deixam de ser instrutivas. Queremos crer que, nesse caso, se devam em parte à pressa na elaboração de documento que, todavia, pretende transformar a inteira estrutura do ensino superior federal. É assim desproporcional à missão a presença de deslizes, como por exemplo este outro, também de natureza lógica, que consiste em elencar, sem base comum, disposições de distinto nível, como naquela enciclopédia chinesa de Jorge Luis Borges, que classificava os animais segundo critérios de ordem diversa, comprometendo com isso o próprio solo comum em que se daria alguma classificação e algum possível sentido. É o que ocorre logo com o artigo 1o. do Programa Future-se, que acrescenta, ao lado de finalidades objetivas, uma inclinação de natureza ideológica. Não são de mesma natureza a finalidade de propiciar fontes adicionais (inciso I) ou a de incentivar o incremento da captação de recursos próprios (inciso II) e a finalidade, inquinada por uma preferência ideológica, de fomentar a promoção da visão empreendedora (inciso V). E esse deslize é estrutural. Associar a dotação “salvadora” de orçamento a uma visão particular de universidade implica constranger a margem de liberdade da instituição, limitar o exercício pleno de sua autonomia, pelo qual, em conformidade com sua história, competência e desafios, a instituição deve decidir acerca do modo como se organiza e a direção de sua vida acadêmica.
(II) Sobre a estrutura de conjunção do artigo 207.
Um pouco mais de análise lógica, mesmo simples e elementar. Eis o texto exato do artigo 207 da Constituição Federal: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
A estrutura lógica do artigo é clara, permitindo-nos estabelecer com precisão suas condições de verdade. Temos uma conjunção principal, a dividir o artigo em duas partes, sendo que a primeira parte se resolve em outras conjunções, enquanto a segunda parte conjuga em um todo indissolúvel um princípio a ser obedecido. De um ponto de vista lógico, a verdade de uma proposição conjunta é função da verdade de suas proposições componentes. Só será verdadeira a conjunção, se todas as componentes conjuntas forem verdadeiras, sem exceção. A falsidade de uma única proposição torna falso o conjunto, de sorte que, em se tratando do enunciado conjunto de regras em um artigo, o artigo só estará sendo respeitado se as regras dele constituintes forem todas respeitadas.
Todos conhecem a tabela de verdade de uma conjunção, que nos mostra exatamente o que nos diz, a saber, que será verdadeira a função se e somente se todos os componentes (argumentos da função) forem verdadeiros. E não há outro caso:
A estrutura geral do artigo 207 é sim a de uma função proposicional, A & B:
A também se caracteriza como uma conjunção de proposições, sem que a análise esteja completa:
(a) As universidades gozam de autonomia didático-científica;
(b) As universidades gozam de autonomia administrativa;
(c) As universidades gozam de autonomia de gestão financeira e patrimonial.
Enquanto B, por seu lado, pode ter uma tradução mais complexa, para dar conta da ideia de indissociabilidade. A tradução lógica exata não é tão simples, nem precisa ser feita. Basta-nos indicar que ela precisaria expressar aproximadamente que cada dimensão da atividade finalística da universidade é afirmada, sem dispensar a afirmação correlata das outras dimensões, ou seja, o ensino não pode se dar sem pesquisa ou sem extensão, e assim por diante. Entretanto, deve expressar algo a mais, a saber, que não estejam essas dimensões da vida universitária apenas lado a lado, em compartimentos estanques, mas sim que o ensino está ligado internamente a pesquisa e extensão, e assim por diante; ou seja, essas dimensões mantêm um laço indissolúvel, estão interligadas, não sendo meros itens de um lista de componentes indiferentes, como se dispostos em separado em prateleiras de um supermercado.
Em sendo assim, tanto pela natureza lógica do enunciado da regra, quanto pela natureza da instituição (que supõe um laço orgânico entre atividades finalísticas e atividades meio), não tem sentido uma autonomia didático-científica sem uma autonomia administrativa, etc., assim como a autonomia tem sua justificativa na natureza mesma da instituição, cuja maturidade deliberativa resulta do modo como produz e transmite conhecimento, além de relacioná-lo com o interesse da sociedade. Também essa conjunção bem estabelecida entre autonomia e natureza institucional solicita a garantia de recursos pelo Estado, de sorte que temos a determinação de autonomia de gestão financeira. Uma proposta que amesquinhe qualquer um dos lados dessa grande conjunção, ou que subtraia algum de seus componentes, estará agredindo a Constituição. Em caso de apresentar-se de forma dissimulada, em que se retira exatamente o que se menciona, temos um indicativo ainda mais grave de burla sorrateira à Constituição.
Tal burla decorre, em particular, do empobrecimento dos eixos temáticos do Programa Future-se. Além de estarem reduzidos a três — 1) pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação; 2) empreendedorismo; 3) internacionalização —, há o agravante de se determinarem, em sua formulação, ora pela fonte de financiamento, ora pela descrição de meras ações pragmáticas, sem que os eixos estejam regidos pelo princípio da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. Em especial, é empobrecida a visão do próprio empreendedorismo, que o Programa tanto louva.
Universidades públicas não são empresas. No seu interior, portanto, as ações empreendedoras não se podem reger por princípios estranhos à sua natureza pública ou ao seu projeto institucional. Por isso mesmo, há uma verdadeira disputa semântica sobre a noção de empreendedorismo, disputa que o Programa, talvez por desconhecimento, ignora ou rebaixa:
(…) a compreensão mais consistente de empreendedorismo se dá em ações de transformações sociais, culturais. Empreender significa inovar, criar, buscar melhorias ao modificar a sociedade. O documento reduz o termo a um aspecto financeiro. Capitais são também culturais e imateriais e não apenas econômicos. Universidades não são empresas, empreender é também se abrir para conhecimentos advindos de comunidades subalternizadas, que, a partir de um pensamento hegemônico, foram alijadas do contexto universitário. (…) O conceito de empreendedorismo, o termo mais utilizado no documento, não trata a educação como bem público e gratuito, colocando-a como um caráter de mercadoria comercializável.[iv]
Ora, a Assembleia Constituinte expressou de modo claro e inequívoco, com a Constituição Federal de 1988, o mais elevado interesse da educação superior pública. O legislador teve, então, a felicidade de associar íntima e internamente a afirmação da autonomia universitária a um projeto de instituição, espelhado no convívio e na colaboração entre as múltiplas dimensões e áreas da vida universitária. A conjunção tem, pois, toda importância. As afirmações não estão simplesmente jungidas; elas estão relacionadas, de modo que o artigo, para ser obedecido, supõe a verdade de ambas as proposições conjuntas. Ou seja, a autonomia universitária, com suas múltiplas facetas, supõe a obediência ao princípio, esse também inegociável, de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Quem acaso afirma a obediência à autonomia prevista no artigo, mas desconsidera o projeto pleno de universidade a ele associado, pratica uma espécie de contradição performática; comporta-se como aquele mohel que pendura um grande relógio na entrada de sua loja, mesmo sabendo não ser exatamente esse o seu negócio.
Significa ademais uma burla à Constituição afirmar que tal autonomia universitária possa ser ampliada (como se o pleno pudesse ser mais pleno, como se o máximo pudesse ser ainda mais máximo), pois isso se dará ao preço de uma diminuição na aplicação do princípio. Afinal, no caso da autonomia prevista para as universidades, o legislador não concedeu a uma repartição pública uma prerrogativa extraordinária de autorregulação. Mais que isso, o legislador reconheceu e afirmou que a universidade não é apenas uma repartição pública.
A ameaça à autonomia universitária pode, então, ser direta pela restrição ao direito de autorregulação da universidade, mas também pela diminuição do projeto mesmo da universidade. Nesse sentido, apesar da atenuação de algumas arestas, a nova proposta mantém o essencial e o espírito da proposta anterior. Em particular, quando pretende exibir expertise econômica, trai uma grande ignorância da vida acadêmica universitária, mas também do funcionamento do mercado, que, não obstante, tanto enaltece. Por outro lado, no seu aspecto jurídico, falha ao procurar esconder as garras da flagrante inconstitucionalidade. Nesse caso, ao invés de sofisticação jurídica, mostra confusão diante de um objeto, ao que parece, pouco conhecido pelo grupo de trabalho de procuradores, deveras talentosos, mas, ao que tudo indica, sem suficiente treino acadêmico. Por isso (mesmo não falando pelo MEC ao lhe prestarem esse serviço), terminam por tratar a universidade como mais uma repartição pública, sem respeitar os processos de reflexão que lhe são característicos e que constituem meios efetivos para regular suas ações, para decidir seu futuro e, enfim, para ser critério do que é qualidade nas dimensões a serem preservadas e reforçadas de ensino, pesquisa, extensão e inovação, sem que deva ou possa haver sacrifício de uma dessas dimensões ou de qualquer área do saber. Não sendo sequer certo de que o trabalho diligente dos Procuradores será de todo respeitado e de que será esse o projeto de lei encaminhado ao Congresso, é o que temos agora a apreciar.
Onde estão, em suma, as ameaças?
A análise lógica apenas localiza o texto, enfatiza seu contexto formal, o que explicita ou oculta, como se descrevesse talvez o cenário de um conto de Edgar Allan Poe, “A carta roubada”. Entretanto, seu conteúdo é bem mais grave, sendo claras ameaças à autonomia, ao financiamento e ao projeto de uma universidade pública, gratuita, inclusiva e de qualidade. Para a rejeição da proposta, foram levantados diversos pontos. Eles têm importância desigual, partem de ângulos distintos e não precisam ser apresentados segundo uma hierarquia de razões. Porém, distributiva ou conjuntamente, indicam que o Programa Future-se é inaceitável.
Primeiro, por sua unilateralidade. Uma proposta precisa estar à altura do desafio de sustentar a universidade em sua multiplicidade, de fazê-la desenvolver-se com harmonia, garantindo sua plenitude efetiva e seu princípio organizador estabelecido na Constituição. Uma proposta que leve à hipertrofia de uma dimensão e, logo, de forma sistemática, à diminuição das outras, agride o artigo 207. Assim, o Programa valoriza de forma unilateral e ideologicamente limitada uma dimensão da vida universitária, negando o disposto no artigo 207 por atitudes restritivas à autonomia ou à natureza da universidade, no que comete uma clara e inaceitável contradição performática. Isso se verifica, por exemplo, com o art. 8o., que aponta para o completo desequilíbrio do que, ao contrário, deve ser indissociável, pois todas as receitas adicionais hauridas pelos fundos, na forma de benefícios especiais, “devem ser destinadas às atividades de empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação e internacionalização”.
Essa prescrição agride de modo direto a extensão, mas também a pesquisa básica e todas as áreas que, por não serem aplicadas ou utilitaristas, não contemplem o disposto no inciso VII do artigo 3o., segundo o qual serão valorizadas as pesquisas que “objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores e a transferência e a difusão de tecnologia”. De modo inequívoco, temos uma burla à Constituição com essa explícita utilização restritiva do orçamento, pois tanto macula o princípio da indissociabilidade, quanto subordina a autonomia de gestão financeira. Note-se que a própria inclusão (tarefa agora ainda mais fundamental e necessária em virtude do sucesso das ações afirmativas) fica comprometida pelo vezo ideológico da proposta, pois, nesse caso, recursos do Fundo (soi-disant) Soberano podem ser utilizados em ações voltadas à assistência estudantil, mas segundo uma cláusula restritiva, a saber, “desde que vinculadas ao empreendedorismo ou à pesquisa e inovação” (artigo 32, inciso III).
Vale notar que esse exacerbado elogio ao empreendedorismo, sobre ser unilateral, revela uma visão empobrecedora. O empreendedorismo e a inovação, que têm seu lugar na vida universitária, ganham sentido se associados a arranjos produtivos locais específicos, à melhoria das condições de vida, mas também às dimensões múltiplas da vida universitária, a processos efetivos de ensino e aprendizagem, de pesquisa e, vale enfatizar, de extensão.
Por redução da visão do empreendedorismo, identifica-se um risco de adesão a uma lógica restrita, pautada unicamente na conexão com o setor empresarial privado e que não concebe a extensão epistémica que vem sendo desenvolvida pelas Universidades nos últimos anos, negligenciando assim os distintos modelos e modelagens do empreendedorismo no Brasil plural, nos quais estão incluídos a economia solidária, a agricultura familiar, o empreendedorismo sócio ambiental, o empreendedorismo étnico, a gestão social do desenvolvimento sócio territorial, as tecnologias sociais, enfim, o rico e farto léxico que foi forjado pelas Universidades brasileiras no âmbito das epistemologias do Sul que se quer ser e fazer-se global e internacional. Aquiescer à lógica privatista de universidade privilegia as necessidades de mercado, alçado à condição de principal ator estimulador das políticas de C&T em detrimento da Sociedade Civil e do próprio Estado. Como consequência, são lançados por terra os esforços de décadas em torno das Tecnologias Sociais que muito minoraram nos últimos anos a pobreza no país, diante dos efeitos perversos da globalização excludente com as suas lógicas neoliberais de exclusão dos sujeitos.[v]
Segundo, por restringir o exercício da autonomia universitária. O contrato que poderia ampliar a autonomia de órgão da administração direta e indireta, segundo o §8 do art. 37 da Constituição Federal, não é um contrato de desempenho e, de resto, não se aplica às universidades, pois estas já gozam do máximo possível de autonomia conferido a um ente da união que não seja um poder independente. Em sendo assim, o máximo não pode ser ampliado, ou seja, é falaciosa a pretensão de ampliar uma autonomia já completamente estabelecida pela Constituição. Se qualificada adicionalmente a autonomia, só pode, então, ter por fulcro alguma restrição. Parte da gestão seria transferida, segundo contratos a serem firmados, em função da expectativa de concessão de benefícios especiais. Para garantir tais benefícios, o Programa interfere na autonomia didático-científica, por exemplo, ao prescrever matrizes curriculares, ao impor conteúdos e orientações, ao direcionar o que, ao contrário, deve ser objeto de deliberação autônoma das instituições.
Com efeito, o contrato de desempenho transferiria para uma instância externa, sob constrangimento, decisões sobre os três eixos do Programa, interferindo na dinâmica e na autorregulação da universidade. No mínimo, faria inclinar todo plano de desenvolvimento institucional em uma direção exclusiva, em detrimento das metas já construídas por cada uma de nossas universidades. O constrangimento é claro, inclusive porque o próprio acesso aos benefícios especiais, que são o maior chamariz do Programa, dependeria doravante do cumprimento de metas do contrato de desempenho, ao preço até da realização mais simples de nossa vida universitária plena. Também, há clara renúncia à autonomia de gestão financeira, uma vez que os Fundos constituídos, especialmente o patrimonial, passam a ser geridos por instituição privada.
A lógica faz suspeitar, e os fatos não desmentem. O Programa apresenta uma visão apequenada das tarefas da gestão universitária, que são transferidas para entes privados, para instituições que, por sua natureza, não podem ter uma visão compreensiva da realidade universitária, nem podem funcionar segundo uma prática democrática:
Substancialmente, a proposta terceiriza a gestão, traz forte ameaça ao processo de decisão colegiada (conselhos superiores, congregações, departamentos e colegiados) que estrutura a prática da gestão no âmbito da Universidade, ameaçando o caráter democrático da sua governança.[vi]
Ademais, a noção de contrato de desempenho, com o eufemismo que comporta e sua imprecisão, apresenta claros problemas, podendo introduzir distorções no interior do sistema, aprofundar desigualdades regionais e simplesmente privilegiar instituições mais consolidadas ou mais aptas à competição por recursos:
Não há uma antecipação dos critérios adotados para a avaliação do desempenho e para a definição dos indicadores. Corre-se o risco da inserção de lógicas de concorrência entre instituições irmãs, sobretudo porque, ao estabelecer adesões aos contratos de desempenho, o financiamento público pode vir a se deslocar das políticas públicas de desenvolvimento institucional para a lógica de seleção de centros de excelência e, portanto, a exclusão de universidades outrora parceiras, complementares e subsidiárias.[vii]
A própria manutenção da ideia de adesão, agora disfarçada sob o nome de participação, é indesejável para um sistema público, não pautado pela lógica de competição própria do mercado. Esse é obviamente mais um perigoso eufemismo, vez que, no caso do Programa Future-se, havendo cláusulas de “participação”, aderir é participar e participar significa sim aderir. Com isso, divide-se o sistema do ensino superior federal, suas unidades se lançam a uma competição, e o MEC deixa de oferecer soluções isonômicas, como seria, afinal de contas, de sua inteira responsabilidade.
Terceiro, por implicar descompromisso de longo prazo do Estado com o financiamento público da educação superior, elaborando uma estratégia de substituição dos recursos públicos por recursos privados e também, mais claramente na nova versão, pelas receitas próprias da universidade. Nesse caso, agravando a proposta anterior, não libera a simples utilização de receitas próprias sem limitação de teto, mas antes direciona esses recursos para a constituição de um fundo patrimonial, do qual retornariam para as universidades, não a integralidade dos recursos auferidos, mas o seu rendimento. Com isso, enfrenta um problema sério com uma péssima solução, quando hoje temos inclusive solução bem melhor, mais clara e, ademais, unificadora do sistema. Como nos lembra Nelson Cardoso Amaral:
(…) a solução para os recursos próprios serem executados nos orçamentos das Universidades Federias e não nas fundações de apoio ou organizações sociais, está em curso no Congresso Nacional, que é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) No 0024/2019, que retira os recursos próprios do montante de recursos que faz parte daqueles associados aos limites estabelecidos pela Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu o congelamento das despesas primárias até o ano de 2036.[viii]
Há ademais razões consistentes para não nos ampararmos nas propostas de Fundo Patrimonial e de Fundo Soberano do conhecimento, tal como formuladas. Primeiro, é contrária às evidências a afirmação retórica de que o compromisso do Estado será mantido e que tais fundos significariam fontes tão somente adicionais. Vivemos uma realidade de cortes contínuos ao orçamento (sobretudo na rubrica de investimento) ou, também, no caso da rubrica de custeio, de mera reposição nominal dos valores globais, sem que sejam feitos os reajustes devidos à inflação ou que se acompanhe a expansão do sistema. Ou seja, a proposta é apresentada em cenário de clara defasagem orçamentária, perante a qual, não sendo atualizado o compromisso do Estado, a dependência dos fundos só poderia aumentar:
Nesses casos, corre-se o risco de preponderância da noção de financiamento universitário restrita às lógicas de mercado, algo que no médio prazo poderá significar a restrição da garantia do direito ao ensino superior a partir de uma perspectiva inclusiva e diversa e, ao mesmo tempo, o afastamento da universidade dos movimentos e organizações sociais, das minorias, das temáticas mais críticas aos governos e ao próprio mercado. Fere-se, portanto, a liberdade de escolher as demandas que serão atendidas, caminhando no sentido contrário às diretrizes de expansão universitária e de pluralidade no seu acesso.[ix]
Se o cenário é de substituição do financiamento público, qualquer a proporção, o gestor responsável não pode pensar em soluções que criem distorções e, por conseguinte, favoreçam apenas uma parte do sistema a ser financiado. Tampouco deveria propor soluções mal-ajambradas, que, sobre serem questionáveis por seus danosos efeitos colaterais, estão descoladas de estudos prévios e sequer podem, para usar uma expressão ao gosto dos atuais governantes, entregar os resultados que prometem.
(…) Uma das principais fontes de recursos sugerida estaria no investimento do Venture Capital. Há uma desproporção abissal entre o tamanho do mercado de Venture Capital no Brasil e a expectativa do governo. Segundo a Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCAP), em 2018, o montante total disponível para investimentos nessa modalidade no Brasil foi de R$ 2,4 bilhões. Ou seja, esse tipo de recurso, ainda que inteiramente direcionado ao FSC, teria uma representatividade muito pequena diante do valor total estimado de R$100 bilhões. A experiência internacional de fundos de Venture Capital em universidades, como Berkeley Ventures, UCLA VC Fund e XFund (Harvard), Big Red Ventures (Cornell) e StartX (Stanford), tem foco no apoio (não apenas financeiro) ao ecossistema empreendedor das universidades, e não como fonte para os seus orçamentos. Outra fonte de recursos para composição do FSC seriam as doações e fundos patrimoniais (endowment). Esses fundos já tratados na Lei 13.800/19, não se apresentam como novidade trazida pelo programa Future-se, já sendo adotados por algumas IFES. No entanto, apenas para que se percebam as diferenças nas ordens de grandeza factível e projetada, destaca-se que o Fundo Patrimonial Amigos da Poli (FPAP) da Escola Politécnica de Universidade de São Paulo, fundado em 2012, e associado a uma escola que possui como ex-alunos grandes nomes do setor industrial e financeiro, tem um patrimônio de aproximadamente R$ 23 milhões, o que indica, no mínimo, que o tempo de maturação de fundo patrimonial no Brasil seria bem longo. Em suma, apesar de o anteprojeto não explicitar a desobrigação do Estado, há uma clara sinalização de que as universidades passarão a depender de fundos sobre os quais nada se sabe sobre sua estruturação e apoiados em promessas de performance descoladas da realidade do mercado de capitais brasileiro. A proposta é baseada num otimismo injustificado, não condizente com a responsabilidade necessária para a gestão financeira das IFES.[x]
A proposta não oferece, portanto, solução segura e consistente para o financiamento. Não fosse a flagrante agressão à autonomia e à natureza da universidade, não fosse igualmente inaceitável o descompromisso sinalizado pela proposta com o financiamento público da educação superior, não fossem claros os prejuízos à legislação bem constituída sobre a educação, não fosse enfim sua marca ideológica mercantilista contrária ao espírito de uma universidade pública, gratuita, inclusiva e plena em sua qualidade, a proposta ainda mostra despreparo e improviso, não estando à altura do financiamento do ensino superior.
Quarto, por preferir o interesse privado ao interesse público, sobretudo em questões estratégicas, em relação às quais cabe resguardar o bem comum, sempre associado a políticas de Estado. Muitos são os exemplos dessa grave indistinção ou preferência mesmo pelo mercado, em função das quais o Programa procura esmaecer a presença do Estado e, por conseguinte, o valor de seus servidores. Assim, compromete a qualidade da educação superior ao retirar das universidades públicas a condição de critério do que deve ou não ser reconhecido, a prerrogativa de revalidar ou não diplomas, além de prever (servindo-se de termos dúbios e estranhos) a “facilitação” e a “aceleração” de expedientes, contrariando as medidas rigorosas de avaliação e de garantia da qualidade de diplomas e outros procedimentos.
A indistinção entre o público e o privado continua, portanto, a macular a proposta, sendo em substância um ataque claro ao Estado e à dimensão pública da sociedade. Isso se dá até em sugestões aparentemente inocentes, como na de utilização da Lei Rouanet para o fomento a equipamentos universitários de cultura. Ora, como sabemos, a Lei Rouanet não satisfaz princípios basilares para a elaboração de políticas públicas; em particular, aumenta inclusive desigualdades regionais, constituindo-se em uma forma aleatória e indevida para a distribuição de dinheiro público. E trata-se exatamente disso, dinheiro público, vez que a quase totalidade do recurso arrecadado por esse meio é oriundo de renúncia fiscal. Ao servir-se do mercado como critério para o que deve ser valorizado e estimulado, constrange a autonomia didático-científica, e mesmo favorece o mercado como mecanismo de distribuição de recursos públicos.
Quando há precedência do interesse comum, políticas públicas privilegiam o patrimônio histórico e cultural, e não o interesse do mercado imobiliário. Assim, é objeto de imensa e especial preocupação o artigo 34 do Programa Future-se, que revela uma perigosa preferência mercantilista, ainda mais por conhecermos todos o cerco antigo do mercado imobiliário sobre áreas nobres ocupadas pelas universidades e por prédios históricos. Ao contrário do zelo demonstrado por nossas comissões de patrimônio e dos pareceres criteriosos de unidades como a Faculdade de Arquitetura, a proposta parece estimular que se abram as portas para um cerco aos bens imóveis das universidades, que se veriam constrangidas, em tempos difíceis, a desvirtuar-lhes o uso ou a desfazer-se de patrimônios cujo significado histórico e cultural tem escala temporal distinta do interesse imediato do mercado.
A proposta, com claro viés ideológico, introduz um espírito de monetarização de valores simbólicos imateriais, infenso aos valores mais elevados da cidadania, inclusive pelo estímulo a doações condicionadas não ao reconhecimento do valor da instituição, mas segundo a contrapartida de entrega de valores simbólicos por conta de contraprestação de recursos, como nos contratos de concessão do direito de nomear. Na mesma linha, o Programa funcionaliza a natureza da comunidade acadêmica, que deixa de ser a fonte de valores inclusive democráticos e a base fundamental para nossa inserção em comunidades científicas e culturais mais amplas, passando a ser reduzida a diversificação funcional e unificada no plano comum dos objetivos e não por sua interação reflexiva. (Cf. Artigo 3o., inciso X.) Em especial, diminui o papel dos servidores públicos:
Descaracteriza as carreiras dos docentes e de servidores técnico-administrativos, com a proposta de transformá-los em empreendedores, agentes em busca de lucros e benefícios pessoais, em detrimento da função social dos servidores públicos. Adicionalmente, as declarações recentes do Ministro da Educação da intenção de contratar docentes e servidores sem concurso público e sem enquadramento no Regime Jurídico Único, através da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprofundam os riscos de desmonte da educação pública, de precarização das condições de trabalho desses profissionais, e de ameaças de perseguição política.[xi]
A dimensão pública é também internamente esvaziada, quando ameaçadas a integridade da instituição e sua cultura democrática, que, ao longo do tempo, se mostraram essenciais ao exercício da mais refinada excelência acadêmica e do mais consistente compromisso social. É o caso da constituição de sociedades de propósito específico (SPE), pessoas jurídicas de direito privado, em cujas mãos o desenvolvimento de projetos deixa de subordinar-se a determinações institucionais coletivas. Com isso, a proposta suscita o próprio esvaziamento da representação coletiva, estando em jogo sobretudo o papel das instâncias de decisão colegiada (Conselhos, congregações, departamentos e colegiados).
Uma breve conclusão
Os pontos acima listados destacam aspectos reiterados em muitas análises, sem esgotar as críticas feitas ao projeto. Servem mais para desenhar, a contrapelo, alguns princípios inegociáveis, ora atacados pelas propostas e pelo discurso governamental. Vale registrar que parte substantiva do que o Programa Future-se apresenta, no que pode ter de interessante, não é novo e já tem previsão legal, dependendo tão somente da implantação, no que for pertinente, do novo marco regulatório de ciência, tecnologia e inovação e da recente legislação sobre fundos patrimoniais, ambos já existentes e que, além de mais bem construídos (mesmo se questionáveis em alguns pontos), não dividem o sistema, constrangem a autonomia universitária ou comprometem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Com isso, a proposta do Future-se está longe de ser inócua, uma vez que, de modo deliberado, introduz restrições, carrega de leitura ideológica componentes já praticados por nossas universidades e compromete valores essenciais à autonomia e à vida universitária, de modo que, em seu contexto, até o que não é novo deixa de ser interessante.
Um conjunto significativo de leis, antes pensadas com vagar, são agora passíveis de revisão abrupta. Como sua aprovação anterior não foi gratuita, há certamente um conjunto de razões e de debates que estão sendo sumariamente descartados. Também, como a proposta recobre um conjunto de ações que já se encontram aprovadas, termina por confundir, como se fora mérito seu, o que todavia dispensa qualquer aprovação, salvo a interna, como o novo marco de ciência, tecnologia e inovação. Da mesma forma, a proposta traz como soluções intentos que são inferiores a outras iniciativas em curso, como a de supressão de teto para receitas próprias para as IFES, sem distinção e sem condicionantes indevidos. Enfim, outros pontos foram apresentados, também relevantes, mas o elenco acima parece-nos suficiente para explicar as razões profundas, não circunstanciais para a rejeição enfática e decidida ao Programa Future-se.
Além disso, vale registrar, também por suas lacunas e ambiguidades, a proposta adensou uma atmosfera de insegurança. A incerteza envolve aspectos estratégicos da proposta sobre o financiamento, a natureza dos regulamentos, os indicadores que serão cobrados, a composição dos comitês gestores, etc. E a pouca clareza, que denuncia a condição improvisada e descuidada da proposta, é constantemente reforçada por um discurso beligerante, de pura e simples agressão a gestores e à vida universitária, de sorte que o debate é travado em ambiente no qual sequer se descartam retaliações, dadas a inconsistência discursiva e a ênfase retórica.
O pensamento contraditório, vale lembrar, é sintoma típico de um ambiente de guerra. E o governo parece ter abandonado de vez os expedientes característicos do debate, em favor da simples propaganda. Com isso, deixa de ter compromisso até com as características do produto que procura “vender”, a qualquer preço. Assim, permite-se mencionar a ampliação de uma autonomia que restringe; insistir que não haverá diminuição do financiamento público, enquanto, em seu discurso, sinaliza como desejáveis metas de redução da participação do Estado no financiamento a menos de 40% dos recursos da educação superior; dizer que é participação o que se controla segundo os moldes da adesão; enunciar que aportará recursos externos para as universidades, ao tempo que lança os olhos do mercado imobiliário para seu patrimônio e se serve das receitas próprias da própria universidade; afirmar que liberará o teto das receitas próprias, mas delas só devolvendo às universidades seu rendimento nos fundos.
A nova proposta, qualquer a justificativa retórica (ou, mais ainda, por sua retórica de guerra), não esconde a natureza do projeto em seus aspectos mais claros. Ou seja, o Programa Future-se, em qualquer das versões, implica (i) diminuição ou constrangimento da autonomia universitária; (ii) descompromisso de longo prazo do Estado com o financiamento público da educação superior; (iii) subordinação dos interesses e princípios acadêmicos aos interesses privados ou do mercado; (iv) amesquinhamento da plenitude da instituição; (v) divisão do sistema do ensino superior; (vi) valorização unilateral de áreas do saber; (vii) descompromisso com a diversidade de pesquisas científicas e práticas culturais efetivamente praticadas; (viii) descompromisso com as metas do Plano Nacional de Educação, que sequer são mencionadas no Programa Future-se, como se o Programa fosse sua própria meta e seus indicadores não devessem se referir, ponto a ponto, à expansão e à qualidade do sistema de educação já pactuadas.
A proposta apresentou-se como ousada. Entretanto, em suas duas versões, é uma cópia de tentativas já praticadas alhures, com resultados danosos para a instituição universitária. Apresenta-se como rica e ela mesma inovadora. Entretanto, é acanhada e incompetente, sem que seus gestos mais ousados (os relativos aos fundos) tenham sido baseados em estudos e projeções, na melhor prática profissional. Apresenta-se como um passo para o futuro, inclusive em seu nome. Entretanto, é uma colagem requentada de soluções testadas e fracassadas. Apresenta-se, enfim, como uma solução para a educação, como a salvação das universidades; entretanto, revela desconhecimento do sistema, ignorância e flagrante desrespeito por valores cultivados e testados pela comunidade universitária ao longo do tempo.
É preciso, portanto, afastar toda insinuação de que essa proposta viria ao socorro de instituições que, ao fim e ao cabo, seriam insustentáveis. Ao contrário, devemos mostrar o valor de nosso trabalho e mostrar que nossas instituições nada têm de fracasso. Fracassada será a sociedade que preferir a ignorância ao conhecimento, e que renunciar à expansão de instituições singulares como as nossas, capazes de formar pessoas, de produzir ciência, cultura e arte, significando elas sim uma aposta de nossa sociedade no futuro, no desenvolvimento de nosso povo e na independência intelectual de nossa nação.
João Carlos Salles é Reitor da UFBA e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
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Documentos produzidos por unidades e conselhos da UFBA mencionados neste texto encontram-se na página da universidade (www.ufba.br).
[ii] Cf. Parecer da Comissão para Análise do Programa Future-se, Faculdade de Direito da UFBA.
[iii] Cf. Parecer da Comissão para Análise do Programa Future-se, Faculdade de Direito da UFBA.
[iv] Documento do Conselho Acadêmico de Pesquisa e Extensão da UFBA (CAPEX).
[v] Documento “Análise do Programa Future-se”, Escola de Administração da UFBA.
[vi] Documento “Análise do Programa Future-se”, Escola de Administração da UFBA.
[vii] Documento “Análise do Programa Future-se”, Escola de Administração da UFBA.
[viii] AMARAL, Nelson, “O Contrato de Desempenho presente na nova versão do Future-se fere a Autonomia Universitária e, portanto, NÃO deve ser assinado”, mimeo, 2019.
[ix] Documento “Análise do Programa Future-se”, Escola de Administração da UFBA.
[x] Documento “Análise do Programa Future-se”, Escola de Administração da UFBA.
[xi] Documento da Congregação do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.