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Democracia em risco: cresce hostilidade do governo Bolsonaro ao Judiciário

O Brasil assiste, nos últimos dias, a novos capítulos da escalada de ataques do governo Bolsonaro contra as instituições democráticas. Atualmente, o Poder Judiciário tem sido o alvo dos ataques do presidente, assim como da ala militar que compõe a sua gestão.

Não é de hoje que o presidente Jair Bolsonaro coloca em dúvida a lisura do processo eleitoral brasileiro. Bolsonaro aponta a falta de segurança no uso das urnas eletrônicas, além de citar uma possível fraude no pleito. As acusações do presidente, no entanto, foram feitas sem quaisquer provas técnicas que as sustentassem. Ele chegou, até mesmo, a sugerir o retorno à votação em cédulas de papel para a próxima eleição. E recentemente, Bolsonaro voltou a bater nessa tecla. Desta vez, tendo como pretexto o pedido de informações acerca do processo eletrônico de votação, feito pelas Forças Armadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Após vazamento parcial dos dados enviados aos militares, o TSE optou, no dia 16 de fevereiro, pela divulgação do conteúdo na integra, até então tratado como sigiloso. A decisão foi tomada em conjunto pelo então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e os ministros Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes, que viriam a ocupar os cargos de presidente e vice-presidente da Corte, naquele mesmo mês. No entendimento dos magistrados, a divulgação das informações tratava-se de interesse público. Para acessar o arquivo, clique no link a seguir: https://bit.ly/37F9CgH

O tema voltou às manchetes, no último domingo (24/04), quando Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), avaliou que as Forças Armadas “estão sendo orientadas” a atacar o processo eleitoral do Brasil e a “tentar desacreditá-lo”. A declaração foi dada durante a sua participação no seminário online “Brazil Summit Europe 2022”, realizado pela universidade alemã Hertie School. Na ocasião, o ministro qualificou os ataques ao processo eleitoral como sendo “totalmente infundados e fraudulentos”. E questionou: “Desde 1996 não tem um episódio de fraude no Brasil. Eleições totalmente limpas, seguras e auditáveis. E agora se vai pretender usar as Forças Armadas para atacar? Gentilmente convidadas a participar do processo, estão sendo orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo?”.

Embora não tenha citado nomes, sobre quem estaria orientando os militares, a declaração do ministro do STF causou incômodo no governo federal. Em resposta à fala de Barroso, o Ministério da Defesa do governo Bolsonaro publicou nota, ainda no domingo, em que a qualifica como “irresponsável” e uma “ofensa grave” às Forças Armadas. O documento, assinado pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que está à frente da pasta, recebeu duras críticas.

No dia seguinte (25/04), em meio à tensão entre os poderes, o ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ponderou que as eleições deste ano precisam ser realizadas com “paz e segurança”. A declaração foi feita, ainda na segunda-feira (25/04), em reunião da Comissão de Transparência Eleitoral. Apesar da fala apaziguadora, o magistrado advertiu que “atacar a Justiça Eleitoral é atacar a democracia”.

Bolsonaro ameaça desobedecer ao Judiciário

Também no dia 25/04, o próprio Bolsonaro, inclusive, voltou a colocar as urnas eletrônicas em descrédito, em sua participação na cerimônia de abertura da 27ª Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação – Agrishow. Promovido na cidade de Ribeirão Preto/SP, o público do evento é composto por ruralistas, parte fundamental do eleitorado do capitão reformado do Exército.

As falas de Bolsonaro contra o Judiciário, durante a Feira, não se limitaram ao cumprimento do indulto. O presidente teceu críticas ao ministro Edson Fachin, responsável pela relatoria, no STF, de ação sobre a tese do Marco Temporal. A proposta, de autoria do governo federal, pretende ampliar a possibilidade de exploração de terras, incluindo territórios indígenas. Em um aceno favorável aos interesses dos empresários do agronegócio, além de uma nova provocação ao Poder Judiciário, o presidente chegou até mesmo a cogitar desobedecer a decisão do Judiciário, caso este delibere contra a proposta do governo. “Dentro do STF, tem uma ação levada avante querendo um novo marco temporal. Se conseguir vitória nisso, me resta duas coisas. Entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa”, disse o presidente.

Já na última quarta-feira (27/04), Bolsonaro continuou a série de ofensas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de críticas infundadas à confiabilidade das urnas eletrônicas. Em evento oficial no Palácio do Planalto, o capitão reformado do Exército sugeriu que as Forças Armadas promovam uma contagem paralela da votação do pleito deste ano. Além disso, o “ato cívico pela liberdade de expressão”, como foi chamado pelo governo, teve a participação do deputado Daniel Silveira. O parlamentar recebeu, das mãos do presidente Bolsonaro, uma versão emoldurada do decreto de indulto. Uma evidente zombaria às instituições democráticas.

Bolsonaro: “indulto é constitucional e será cumprido”

Esses novos conflitos aumentaram a crise entre Executivo e Judiciário, uma vez que a situação entre os poderes da República já havia piorado, após o presidente conceder indulto ao deputado federal Daniel Silveira (PTB/RJ). O parlamentar, um aliado político de Bolsonaro, havia sido condenado pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão, por realizar ataques e ameaças contra o sistema democrático e a integrantes da própria Corte. Além disso, o deputado foi multado em cerca de R$ 200 mil. O valor corresponde a 35 dias-crime – cada dia contabilizando cinco salários mínimos, de acordo com a época do ocorrido. Contrariando a decisão judicial, Bolsonaro publicou o decreto no dia seguinte à deliberação do Plenário do Supremo. Na prática, o decreto presidencial livra o parlamentar da pena e da multa aplicadas.

Ainda em sua participação na Agrishow, Bolsonaro atestou a constitucionalidade da medida, apesar da análise de juristas indicando o oposto, assim como as manifestações contrárias de parlamentares e entidades representativas. Nas palavras do presidente: “como há alguma especulação por aí, não vou entrar em detalhes, mas o decreto da graça e do indulto é constitucional e será cumprido”.

Na noite de segunda-feira (25/04), a ministra Rosa Weber, do STF, determinou dez dias para que Bolsonaro preste explicações sobre o perdão concedido ao deputado federal Daniel Silveira. A ministra também definiu que o caso será tratado no Plenário do STF, em julgamento ainda sem data agendada. Já o ministro Alexandre Moraes determinou, na terça-feira (26/04), que a defesa do deputado se manifeste sobre o indulto concedido pelo presidente, em até 48 horas. É valido lembrar que o perdão foi dado ao parlamentar antes mesmo do processo transitar em julgado. Não tendo, portanto, nem sido apresentados recursos pela defesa.

É preciso reagir em defesa da Democracia!

A estratégia de Bolsonaro é danosa à Democracia, todavia não é original. O desgaste de instituições democráticas tem sido impetrado por governantes de extrema-direita em diferentes partes do planeta. As mais altas cortes do Poder Judiciário, em especial, são um alvo preferencial, uma vez que possuem a possibilidade de limitar a atuação do Executivo, quando este desrespeita as funções que deveria cumprir.

Aliado aos ataques ao Judiciário, o governo também centra fogo nos mecanismos usados nas eleições, em uma tentativa de deslegitimar o próprio processo democrático de escolha dos representantes da população. Além disso, devemos lembrar que estamos em um ano de eleições presidenciais, sendo que o apelo antidemocrático é característica da parcela mais radical do eleitorado do atual presidente.

A interdependência entre os poderes da República é um dos pilares de nossa Democracia. O governo Bolsonaro, porém, como bem sabemos, flerta com o autoritarismo e não se furta em utilizar a máquina pública em benefício próprio. Em defesa dos princípios democráticos e da construção de um Estado, verdadeiramente, voltado aos interesses da população, é preciso reagir.

Democracia sempre! Governo Bolsonaro nunca mais!