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Áudios revelam que Supremo Tribunal Militar sabia de torturas na ditadura, Mourão ri de possível investigação

Os ministros do Superior Tribunal Militar (STM), durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), tinham conhecimento sobre a prática de tortura, exercida por membros das forças armadas. A prática foi admitida por ministros, como revelam registros em áudio de sessões da corte, abertas e secretas, que datam do período ditatorial. Parte do conteúdo destes registros foi revelado pela jornalista Miriam Leitão, em sua coluna no jornal O Globo, no domingo passado (17/04).

As gravações – mais de 10 mil horas de registros, no total – fazem parte do material que está sendo base de análise e pesquisa para o historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na mesma coluna, Miriam Leitão já havia relatado a sua experiência pessoal de prisão e tortura, durante o regime militar. O relato da jornalista foi alvo de deboches do Deputado Carlos Bolsonaro (Republicanos). A falta de respeito do parlamentar, filho do atual presidente do Brasil, foi o estopim para que historiador Carlos Fico expusesse parte do conteúdo das gravações.

A divulgação das informações teve repercussão nos poderes da República. A Comissão de Direitos Humanos do Senado anunciou que pedirá acesso aos registros. Para o senador Humberto Costa (PT/PE), que preside a comissão, a investigação é necessária para apurar o que, de fato, ocorreu ao longo do regime autoritário. Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara do Deputados, Carlos Veras (PT-PE), repudiou o uso de violência contra presos por razões políticas.

A atitude dos parlamentares difere e muito da adotada pelo general da reserva do Exército Hamilton Mourão, que ocupa o cargo de vice-presidente do governo Bolsonaro. Ele riu ao ser questionado sobre a possibilidade dos áudios embasarem uma investigação sobre os crimes cometidos pela ditadura. “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, questionou Mourão, entre risos. E o general da reserva, ainda, foi além: “História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país”. A declaração foi dada a jornalistas, na entrada do Palácio do Planalto, na segunda-feira (18/04).

Embora deplorável, a fala de Mourão não gerou surpresa. Além de uma reação cínica, o vice-presidente chama atenção pela sua negligente posição, em nome dos praticantes das torturas, corroborando dessa maneira, protetivamente, com o funcionamento violento do Estado brasileiro, ainda na atualidade. A postura do vice-presidente comunga com falas anteriores do presidente Jair Bolsonaro, assim como de vários de seus apoiadores, que se demonstram saudosistas da época da ditadura. O próprio Bolsonaro, à época do golpe de 2016, prestou homenagens a um torturador do regime militar. “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, declarou o então deputado federal, na ocasião da votação do impeachment da ex-presidenta.  Inclusive, recentemente, o Ministério da Defesa do governo Bolsonaro publicou Ordem do Dia alusiva aos 58 anos do golpe de 1964. O general Walter Braga Netto, que esteva à frente da pasta, chegou a dizer que a ditadura “fortaleceu a democracia”, em visível distorção ideológica que enaltece o fascínio à violência do governo Bolsonaro.

Ao contrário do que pensa o vice-presidente Mourão, não acreditamos que o passado deva ser deixado para trás. Afinal, várias perguntas sobre as vítimas da ditadura militar continuam sem respostas. Do mesmo modo, as cicatrizes daquele período continuam visíveis entre nós. Assim como também permanece, inclusive no próprio governo Bolsonaro, a aversão à Democracia que levou ao golpe de 1964. Por tudo isso, os crimes contra a humanidade cometidos por militares, com aval do Estado brasileiro, precisam ser trazidos à luz. E acima de tudo, nunca devemos deixar que a nossa voz seja silenciada: ditadura nunca mais! Democracia sempre!