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Arte e cultura no governo Bolsonaro: desinteresse e falta de investimento

A produção artística e cultural segue abandonada no governo Bolsonaro. A nova edição do projeto de apoio ao setor cultural no país, conhecido como Lei Aldir Blanc, foi vetada, integralmente, pelo presidente Jair Bolsonaro. A decisão consta no Diário Oficial da União desta quinta-feira (05/05). Em março, o texto havia sido aprovado, por unanimidade, pelo Senado e, desde então, aguardava sanção presidencial. Outra lei de mesmo nome foi aprovada, anteriormente, garantindo o investimento de R$ 3 bilhões, em caráter emergencial, no incentivo de iniciativas culturais. O projeto é nomeado em homenagem ao músico Aldir Blanc, falecido em 2020, em decorrência da contaminação por Covid-19.

A nova edição do projeto, a União repassaria o mesmo valor a estados e municípios, anualmente, ao longo de cinco anos. O setor cultural estima que a proposta atingiria 75% dos municípios brasileiros, gerando cerca de 412 mil empregos. Além disso, a verba poderia ser usada, ainda, para a preservação e digitalização de patrimônios culturais, a aquisição de obras de arte e a construção de museus, teatros e bibliotecas, entre outras ações.

Uma atitude semelhante foi tomada, no mês passado, quando o presidente Jair Bolsonaro vetou o Projeto de Lei Complementar (PLC) 73/2021, conhecido como “Lei Paulo Gustavo”. O projeto,  objetiva contribuir para que as trabalhadoras e os trabalhadores do setor cultural no país tenham condições de superar os efeitos da pandemia de Covid-19. Assim como a Lei Aldir Blanc, a Lei Paulo Gustavo também havia sido aprovada no Senado. De acordo com a proposta, um investimento federal de R$ 3,86 bilhões seria repassado a estados e municípios para o incentivo de atividades artísticas e culturais. Já o nome do projeto faz referência ao ator e humorista Paulo Gustavo, falecido em maio do ano passado em decorrência da Covid-19. O artista se tornou um símbolo na luta contra a gestão da necropolítica do governo Bolsonaro na pandemia.

Em ambos os casos, o governo argumentou que os projetos não seriam de interesse para a população. Mais uma vez, os interesses do projeto neoliberal que orienta o governo se sobrepuseram ao investimento público destinado ao desenvolvimento social e cultural do país. Embora grave, a decisão não surpreende, haja visto que este governo preza por cercear as formas de reflexão, expressão e manifestação do povo, como é próprio de regimes autoritários.

Após incêndios e abandono, Cinemateca Brasileira voltará a abrir as portas

Os vetos presidenciais a leis de incentivo à cultura demonstram o descaso deste governo com o setor. Estes, no entanto, estão longe de serem os únicos exemplos. Esse é caso da Cinemateca Brasileira, instituição que, desde a década de 1940, é responsável por preservar, restaurar e divulgar o acervo da produção audiovisual brasileira. E isso não é pouco: a Cinemateca conta com o maior acervo de filmes da América do Sul, além de ser uma das pioneiras da Federação Internacional de Arquivo de Filmes (FIAF).

Apesar de sua importância, a instituição vem passando por maus bocados, nos últimos anos. Localizados na capital paulista, a sede e galpões da Cinemateca – ou seja, os imóveis que abrigam o patrimônio da instituição –  sofreram com diferentes problemas, como incêndios e alagamentos. Com isso, parte do acervo foi comprometida, incluindo obras raras. As trabalhadoras e trabalhadores da instituição, inclusive, denunciaram como o abandono e falta de investimento do governo federal prejudicaram a proteção do patrimônio. Chegou ao ponto de, em julho de 2020, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) entrar com ação na Justiça contra a União por abandono da Cinemateca. A MPF/SP, contudo, viria a suspender a ação, em maio do ano seguinte, com base nas promessas de que o governo federal tomaria atitudes a respeito.

A gestão da Cinemateca era realizada por meio de um contrato firmado entre o governo federal e uma Organização Social (OS) – o que avança no processo de privatização de órgãos públicos. O contrato com a Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), responsável até então, acabou no final de 2019, não sendo renovado pelo governo Bolsonaro. E o próprio governo dificultou o processo para que uma nova organização social assumisse o posto, uma vez que publicou um edital com valores inexpressivos para a restauração, além de realizar exigências que foram consideradas sem fundamento técnico.

A manutenção do acervo só foi possível com o empenho da equipe técnica da ACERP, que se recusou a abandonar o local. Os funcionários continuaram o trabalho de forma improvisada, embora não recebessem salários e nem recursos para isso. Para amenizar a situação, desde janeiro do ano passado, a Sociedade Amigos da Cinemateca assumiu a gestão da instituição, enquanto aguarda que uma nova organização social passe a ser a responsável. A partir daí, parte do corpo de funcionários foi readmitida.

Em novo capítulo dessa novela, recentemente, foi anunciada a reabertura da sede da Cinemateca. Após cerca de um ano e meio fechado, o local – que fica na Vila Clementino, zona sul de São Paulo – voltará a ser aberto ao público, na sexta-feira da próxima semana (13/05). A possibilidade da população se reencontrar com o patrimônio cultural é um alento. Contudo, enquanto o descaso estiver presente na gestão federal, este drama continuará longe do fim.

‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, de Glauber Rocha, será reexibido no Festival de Cannes

Em 1964, o filme ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ estreava mundialmente no Festival de Cannes, na França. A exibição do longa-metragem, dirigido por Glauber Rocha, ocorreu apenas três meses após o golpe que afundou o país em uma ditadura militar, pelas próximas décadas. Marco do Cinema Novo do Brasil, o filme viria a ser um dos maiores clássicos do cinema, e o seu diretor um dos mais consagrados nomes dessa arte..

58 anos após a sua estreia, o longa voltará a ser exibido no festival de cinema francês, um dos maiores eventos do cinema mundial. Desta vez, o filme será exibido em versão restaurada em tecnologia 4K. Antes disso, o filme havia sido digitalizado em 2002. E por pouco o filme não se perdeu. A obra integrava o acervo da Cinemateca, no galpão da Vila Leopoldina, que pegou fogo em julho do ano passado. O arquivo não foi atingido.

A exibição do longa ocorre em momento oportuno. É preciso trazer à tona o debate presente na obra, assim como a discussão sobre a preservação e o incentivo à produção artística e cultural brasileira. O próprio diretor de ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ já foi ignorado por Bolsonaro. Em sua participação no evento de inauguração do aeroporto Glauber Rocha, o presidente nem sequer citou o nome do homenageado. E ainda por cima, Bolsonaro aproveitou o evento, para fazer críticas a ambientalistas, socialistas e comunistas. O aeroporto foi inaugurado, em 2019, na cidade de Vitória da Conquista, no interior baiano – terra natal do diretor.

O Brasil e o mundo reconhecem o valor da arte e da cultura produzidas no nosso país, o governo Bolsonaro não. Em tempos de avanço de um neoliberalismo autoritário, que alimenta o saudosismo da ditadura, enquanto sucateia as condições de vida da população, o legado de Glauber Rocha se faz ainda mais relevante.

A arte e a cultura brasileiras resistem! Fora governo Bolsonaro!