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20 anos depois da chacina de Unaí, combate ao trabalho escravo ainda tem muito a avançar

Há 20 anos, o Brasil foi palco de um dos mais graves episódios na trajetória de combate ao trabalho escravo: a chacina de Unaí. No dia 28 de janeiro de 2004, três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e um motorista foram assassinados enquanto apuravam uma denúncia de trabalho escravo em fazendas no município de Unaí, região noroeste de Minas Gerais.  Por conta disso, a Lei 12.064/2009 instituiu o dia 28 de janeiro como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e a Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Duas décadas depois da chacina, os pistoleiros contratados para executar a emboscada e um dos mandantes estão presos. Dois fazendeiros, mandantes do crime, apesar de condenados, ainda estão foragidos.

A chacina de Unaí expôs uma face cruel da realidade de milhares de trabalhadores brasileiros que são submetidos diariamente à uma rotina exaustiva de trabalho, sem direito à carteira assinada, pagamento de salário e, por conseguinte, sem condições dignas de moradia, alimentação e saúde. Para além disso, o episódio demonstrou que a escravidão no Brasil não tinha sido completamente abolida em 1888, apenas havia mudado de configuração.

A Walk Free, iniciativa internacional de direitos humanos centrada na erradicação da escravatura moderna, ao falar da escravidão nas Américas, explica que “a escravatura moderna na região é impulsionada pela desigualdade, aumento da pobreza, discriminação contra migrantes e grupos minoritários, instabilidade política e conflitos. A situação foi exacerbada pelos impactos econômicos e sociais da pandemia de COVID-19 e pelas respostas à mesma, bem como os impactos do deslocamento relacionado com o clima”.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, são características do trabalho análogo à escravidão: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.  A lei ainda destaca que pratica crime aquele que: “I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho”.

Em notícia publicada no dia 10 de janeiro de 2024, o Ministério do Trabalho e Emprego informa que “resgatou, durante todo o ano de 2023, um total de 3.190 trabalhadores do trabalho análogo à escravidão no Brasil, tendo fiscalizado no período 598 estabelecimentos urbanos e rurais, o que possibilitou o pagamento de R$ 12.877.721,82 em verbas salariais e rescisórias aos trabalhadores resgatados pela fiscalização do trabalho”.

Ainda de acordo com o MTE, Minas Gerais é o segundo estado com maior número de resgates em 2023 (651), Goiás é o primeiro do ranking com 739 e São Paulo ocupa a terceira colocação com 392. Minas Gerais é o estado que mais realizou fiscalizações no ano passado com 117 ações, sendo a região sudeste do país a que mais teve ações de fiscalização e resgate no país. A maior parte dos resgatados estavam em fazendas de cultivo e colheita de café.

As denúncias de trabalho análogo à escravidão podem ser feitas de forma sigilosa pelo disque 100 do MTE ou por meio do Sistema IPE, plataforma desenvolvida pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Apesar do aumento dos esforços do governo para coibir e punir o trabalho em situação análoga de trabalho escravo, ainda há muito a ser feito para “libertar” homens, mulheres, crianças e adolescentes que se encontram “reféns” da exploração desumana e gananciosa de empresários urbanos, fazendeiros e latifundiários que buscam enriquecer às custas da exploração alheia. Segundo o relatório Índice Global de Escravidão 2023 da ONG Walk Free, existem hoje, no mundo, cerca de 50 milhões de pessoas vivendo em situação análoga à escravidão. No Brasil há mais de 1 milhão de pessoas nessa situação.