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NADi APUBHUFMG+ entrevista Ricardo Augusto de Souza: os impactos da burocracia nas atividades docentes

O Núcleo de Acolhimento e Diálogo (NADi) do APUBHUFMG+ realizou pesquisa recente com docentes sobre atividades burocráticas no seu fazer laboral e os resultados apontam que professores e professoras classificam como atividades burocráticas: preenchimento de inúmeros formulários nas diversas plataformas e sistemas, sendo que há repetição de dados entre eles. Relatam, ainda, gestão de e-mails, gestão de bens patrimoniais, atividades administrativas, atividades de recursos humanos, atividades relativas à progressão de carreira de docentes ou mesmo de seleção e gestão de bolsas e bolsistas, atividades de avaliação de desempenho e incansáveis participações em reuniões e comissões diversas.

Para aprofundarmos o entendimento sobre esse tema, tão importante na carreira do magistério superior, conversamos com o professor Ricardo Augusto de Souza, que integra o NADi APUBHUFMG+. Docente da Faculdade de Letras (FALE) da UFMG, ele também é um pesquisador vinculado aos núcleos Cognição, Processamento e Aquisição da Linguagem (CogPRoA) e Núcleo de Estudos em Plurilinguismo, Políticas Linguísticas e Educação Bilíngue (NEPPLEB).

Confira, a seguir, a entrevista.

Ricardo Augusto de Souza, professor da FALE/UFMG e integrante do NADi APUBHUFMG+ | Foto: Ricardo Augusto de Souza.

NADi APUBHUFMG+: Professor, como você avalia o papel da burocracia nas atividades docentes? E quais os principais impactos dessas atividades no dia a dia de professores e professoras?

Ricardo Augusto de Souza: É interessante como esta é uma pergunta oportuna. Recentemente tive a oportunidade de perceber o mal-estar que atinge uma proporção bastante expressiva dos meus colegas, na unidade na qual atuo, em relação à duplicação da necessidade de fornecimento de informações que poderiam, ao menos em teoria, ser exportadas entre sistemas, no Redoc. Posso afirmar, pelo que ouvi desses colegas, que se trata de uma atividade burocrática cujo papel vem sendo principalmente causar incômodo, aborrecimento e sofrimento…

Eu creio que é compreensível que em uma organização com a complexidade da UFMG algum nível de burocratização se imponha. Há muitos processos cuja validação tem implicações muito sérias tanto para a vida dos interessados principais – estudantes, agências de fomento, grupos e redes de pesquisa etc. – quanto para a sociedade que confia na validade que tende a ser a eles atribuídas por serem processos que mais ou menos explicitamente carregam a chancela de nossa Universidade.

Porém, o volume de ações puramente burocráticas que se multiplicam me parece ter um impacto muito negativo em nossa vida laboral. Uma queixa que já escutei inúmeras vezes de colegas, e das quais eu pessoalmente francamente compartilho, é que às vezes somos colocados em situações que parecem montadas sobre uma desconfiança a priori de nossa boa-fé, principalmente no que diz respeito aos trâmites burocráticos de nossas avaliações. Parece não bastar trabalharmos para estruturarmos e lecionarmos cursos de elevada qualidade, orientarmos equipes na pesquisa ou na extensão. Há o CV Lattes a ser preenchido, que acaba se mostrando insuficiente, pois então há mais um formulário, e depois mais um e por aí vai. Na minha opinião, isso gera um clima desconfortável, como se estivéssemos sob constante acusação de baixo compromisso com nosso trabalho continuamente à espreita, em constante necessidade de nos defendermos e nos provar “inocentes”. O impacto em nossa satisfação e bem-estar no trabalho é em meu entendimento bastante danoso. É o que percebo em mim mesmo e em colegas com quem convivo.

O volume de ações puramente burocráticas que se multiplicam me parece ter um impacto muito negativo em nossa vida laboral. Uma queixa que já escutei inúmeras vezes de colegas, e das quais eu pessoalmente francamente compartilho, é que às vezes somos colocados em situações que parecem montadas sobre uma desconfiança a priori de nossa boa-fé, principalmente no que diz respeito aos trâmites burocráticos de nossas avaliações.
Ricardo Augusto de Souza, professor da FALE/UFMG e integrante do NADi APUBHUFMG+.

 

Como você avalia o avanço da burocratização dos sistemas de gestão da Universidade e das atividades docentes?

Avalio como um avanço brutal, o que é uma lástima.

Uma questão que me parece onerar muito nosso dia a dia é, por incrível e contraditório que pareça, a automatização que acompanha esse avanço da burocratização. Se por um lado a progressiva transposição dos papéis para as interfaces eletrônicas é um movimento necessário do ponto de vista ecológico, insisto em um tema que abordei em minha resposta à pergunta anterior: há muita duplicação de informações que a mim pareceria ser possível uma centralização, uma única base de dados. Com frequência, a mim parece não haver.

Outra questão que gera incômodo, frequentemente também frustração e desânimo, é que certas interfaces não são tão intuitivas nem amistosas ao usuário quanto eu, a partir de meu confessado baixo conhecimento sobre engenharia de software, tenderia a crer serem passíveis de usabilidade muito mais amistosa. Tenho em mente, aqui, o sistema SEI. Inúmeras vezes tenho dificuldade e gasto muito mais tempo do que me pareceria plausível gastar apenas para localizar o documento que precisa de uma assinatura. Será que seria algo que impõe requisitos de programação de extremíssima complexidade um tipo de organização na qual, ao entrar no sistema, ao usuário fosse apresentado somente a listagem dos documentos ligados a seu nome? Não é assim com os diários eletrônicos no sistema minha.ufmg? Ou seja, ao entrar, visualizo somente as minhas turmas, não uma cascata de códigos de disciplinas, em página após página, pela qual preciso “caçar” o diário da turma que cabe a mim preencher.

Essas questões fazem com que operações anteriormente muito mais simples é rápidas, como por exemplo a assinatura de uma ata após a participação em uma banca de defesa de dissertação ou tese da pós-graduação, tenham se transformado em algo que demanda até mesmo a consulta a um manual e a compreensão do funcionamento de um sistema. E isso não me parece que seja algo derivado apenas das contingências emergenciais da pandemia do SARS-Cov-2, porque nestes tempos de pandemia eu participei de bancas em outras universidades nas quais a ata a mim chegou também remotamente, mas como anexo de um e-mail, e pelo mesmíssimo canal uma cópia do documento com minha assinatura foi devolvida. Mais rudimentar? Talvez. Mas bem mais simples e rápido do que a imposição da consulta a um manual de instruções de um sistema pouco amistoso, ao final apenas para uma assinatura.

 

Ainda de acordo com a pesquisa realizada pelo sindicato, há um excesso dessas atividades classificadas como burocráticas. É possível pensar em saídas para essa crise? Qual o papel da Universidade, da categoria docente e do Sindicato diante desse contexto?

Eu penso e sinceramente espero que haja sim. Penso, ainda, que o principal papel do Sindicato é a mediação entre as instâncias responsáveis pelas decisões administrativas e a categoria docente. É um papel absolutamente central, importantíssimo. Me parece haver muito pouca visibilidade das bases do corpo docente, assim como pouca escuta de nossas vozes, à despeito de a estrutura de gestão na Universidade envolver instâncias colegiadas formadas por representantes.

Minha opinião é que deveríamos nos permitir experimentar cada vez mais na Universidade mecanismos de democracia direta, ao invés de apenas o modelo representativo, que por várias razões parece-me acabar em afastamento das bases em boa parte do tempo. Ao Sindicato caberia um papel mediador, como órgão de negociação coletiva e de defesa da categoria. Sobretudo, a ampliação da experiência de democracia direta na Universidade me pareceria uma reafirmação dela como lugar de vanguarda, neste caso a vanguarda no estímulo a nossa capacidade de imaginação política, o que julgo tão urgente em nossa época neste país.

O principal papel do Sindicato é a mediação entre as instâncias responsáveis pelas decisões administrativas e a categoria docente. É um papel absolutamente central, importantíssimo.
Ricardo Augusto de Souza, professor da FALE/UFMG e integrante do NADi APUBHUFMG+.