Acontece no APUBH

Seminário aborda a relação entre condições de trabalho e qualidade de vida de servidores na UFMG

O Sindicato de Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH UFMG+) promoveu ontem (22/8), em parceria com o Sindifes e a Pró-Reitoria de Recursos Humanos da UFMG (PRORH UFMG), o seminário “Condições de trabalho e qualidade de vida: o servidor da UFMG”, conduzido pela professora do PPGPSI Lívia de Oliveira Borges. A apresentação ocorreu no auditório Neidson Rodrigues, na Faculdade de Educação.

O seminário contemplou resultados de uma pesquisa conduzida de 2015 a 2019 que propôs olhar, a partir da Psicologia do Trabalho, para os servidores da UFMG que, segundo Lívia, “se distribuem pela universidade em multiplicidade”. Nesse campo, as análises se voltaram para a percepção das condições de trabalho e a saúde mental dos servidores. De acordo com os achados da pesquisa, classificados como “surpreendentes” pela professora, as condições de trabalho têm um grande peso na saúde mentaldos servidores da UFMG; a busca por um melhoramento na qualidade de vista destes deve, então, passar por mudanças nas condições de trabalho para fins de prevenção, e não se ater apenas ao tratamento.

A professora da Fafich/UFMG e presidenta do APUBH, Maria Stella Brandão Goulart representou o Sindicato no evento. Em sua fala, a professora Stella agradeceu a presença da colega do Departamento de Psicologia e disse que o tema da saúde mental evoca uma discussão intere transdisciplinar e que é necessário se discutir as relações sociais. “É impossível entrar na complexidade do tema se não for contemplada a dimensão coletiva e institucional”. Stella também ressaltou os frutos do cultivo da boa relação entre os três setores e a universidade, que possibilitaram a abordagem do tema na universidade, com seriedade. “A questão da saúde mental diz respeito a todos nós e deve ser olhada com atenção e especificidade. Quanto mais discutimos o assunto, mais percebemos a centralidade desse tema na produção de conhecimento e de cidadania, que são os objetivos das universidades públicas”. O seminário também contou com a participação da Pró-reitora adjunta de Recursos Humanos, Leonor Gonçalves.

Ao final do seminário, a professora Lívia de Oliveira Borges conversou com o APUBH a respeito da sua pesquisa. Confira a entrevista:

A sua pesquisa teve como objetivo “explorar a percepção das condições de trabalho e suas relações com a qualidade de vida no trabalho” dos servidores da UFMG. Qual foi a percepção geral dos professores entrevistados?

Nós investigamos ambas as categorias, professores e técnico-administrativos, e conseguimos apreender as condições de trabalho na percepção deles. O fator que mais explicita a variância são as queixas em relação ao processo burocrático. As condições de trabalho e os diversos fatores, numa maneira geral, ofereceram capacidade preditiva em relação aos perfis de saúde mental. Aplicamos questionários de condições de trabalho e de saúde mental, e a capacidade dos fatores de trabalho em predizer a saúde mental foi acentuada. Esse é um componente muito forte.

Isso não quer dizer que as condições de trabalho sejam o único fator contribuinte, existem outros fatores que contribuem.A saúde psíquica ou mental é um fenômeno muito complexo, envolve as trajetórias das pessoas, as trajetórias das famílias, a organização, não só de maneira pontual, mas toda a carreira profissional que nem sempre é na mesma instituição. O que a gente conseguiu acentuar com a pesquisa é que as condições de trabalho são um fator muito forte e que contribuem muito, o que significa que se a gente quer trabalhar com prevenção em saúde mental temos que pensar nas condições de trabalho como um todo e não apenas em aspectos pontuais.

 

Lívia Borges analisou as percepções das condições de trabalho dos servidores da UFMG

Como a instituição contribui para a perda da qualidade de vida dos professores e das professoras e em que medida ela pode atuar para evitar essa perda?

A gente trabalhou com qualidade de vida numa conceituação ampla e onde tanto condições de trabalho como saúde mental entram nos fatores. A pesquisa envolvia diversos fenômenos, no entanto o que a gente apresentou aqui foi um recorte onde estava a discussão das condições de trabalho e a saúde mental, que é parte da qualidade de vida. E a qualidade de vida também é tão ampla que nunca vamos conseguir abarcar no todo. No que a gente tratou, as condições de trabalho afetaram a saúde psíquica e isso é um prejuízo para a qualidade de vida. As pessoas têm uma série de queixas em relação às condições de trabalho e essas queixas terminam impactando a saúde mental.

O que a gente viu com as discussões é que certos aspectos das condições de trabalho são questões da universidade que já existem há muito tempo, e acompanham as pessoas por um longo processo. Então elas não vêm prejudicando as pessoas apenas no momento pontual. Hoje têm se tornado endêmicos problemas de saúde mental porque os problemas de condições de trabalho têm se agravado, mas os dados que coletamos não são desse ano, eles são de 2017. Por isso, pode ser que as coisas tenham piorado e que esse impacto na saúde mental tenha se ampliado, na medida em que se ampliaram os problemas nas condições de trabalho e as perspectivas de as coisas melhorarem. Há queixas em relação às condições físicas e materiais, há queixa em relação à contradição entre o tamanho das exigências e as condições oferecidas, e também a interferência do trabalho na família pela sobrecarga, então esses são elementos de agravamento da qualidade de vida dos servidores.

Em relação ao adoecimento mental, qual é a principal causa entre os docentes?

Hoje não se compreende que os agravos de saúde mental ocorram por um elemento, é por um conjunto de fatores na vida do indivíduo. Nós avaliamos o impacto das condições de trabalho na saúde mental. Então nós não podemos dizer que ela é o principal motivo, mas que é um componente muito forte. Inclusive mais forte do que a gente esperava. Nós tínhamos alguma expectativa de que as condições de trabalho impactavam, mas foram quase todos os fatores da análise. Por isso foi acima do que nós esperávamos. Nós trabalhamos com um questionário que foi elaborado tendo em vista as próprias especificidades da universidade; se fosse um questionário padrão, talvez não teria conseguido retratar tão bem a realidade.

O APUBH tem promovido Rodas de Conversa sobre Saúde mental e Qualidade de Vida para discutir a saúde da professora e do professor da UFMG, visando traçar estratégias de combate e tratamento dos fatores que provocam o adoecimento, o afastamento e a perda da qualidade de vida. Como a senhora avalia essa iniciativa, considerando os resultados de sua pesquisa?

Eu considero essa estratégia muito boa e essencial, até porque nós estamos enfrentando uma verdadeira endemia de alterações psíquicas dentro da universidade como nunca vimos, e não só com docentes, mas com alunos e funcionários técnico-administrativos. Por isso essa iniciativa do APUBH é elogiável. Porém essa estratégia tem uma limitação, que é estar voltada apenas para a assistência, e o que nós defendemos é um voltar-se para a prevenção. Isso não quer dizer que uma ação elimina a outra. Os indivíduos que já adoeceram precisam de assistência, e eles têm que ser assistidos, mas se nós estamos apurando que as condições de trabalho estão impactando a saúde mental dos servidores, a responsabilidade é da instituição. Tanto é papel da universidade quanto do APUBH se preocuparem com isso. O APUBH enquanto entidade que reivindica e sinaliza mudanças e a universidade porque é a instituição que promoveu isso. Mesmoque não tenha sido diretamente a gestão da universidade, muitos problemas na universidade são fruto das políticas nacionais para a educação e para a pesquisa. Não depende de uma gestão A ou uma gestão B, mas o que chamamos atenção é para a prevenção, um caminho adicional que o APUBH já está promovendo. Todas as funções têm o seu lugar; a limitação é apenas se atentar para a assistência. A prevenção não impede todos os casos e nunca é perfeita, mas se tem o investimento correto, a gente pode diminuir a probabilidade desses casos acontecerem. A assistênciacontinua necessária, mas, com a prevenção, os casos podem diminuir.