Acontece no APUBH

Em Live, especialistas debatem a necessidade de lockdown em BH e a experiência de Araraquara

O APUBH UFMG+, a ABJD/MG e a ABMMD/MG promoveram a LiveLockdown e seus efeitos”, no dia 20/04. O debate online foi ar no dia seguinte ao anúncio da reabertura do comércio e de outras atividades em BH.

O APUBH UFMG+, a ABJD/MG e a ABMMD/MG promoveram a Live “Lockdown e seus efeitos”, no dia 20/04.

Na noite da última terça-feira (20/04), foi ao ar a LiveLockdown e seus efeitos”,no Canal do APUBH no Youtube. A atividade online foi realizada pelo APUBH UFMG+, em parceria com a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia/Núcleo Minas Gerais (ABJD/MG) e a Associação Brasileira de Médicos e Médicas pela Democracia/Núcleo Minas Gerais (ABMMD/MG). Nesta Live, as entidades propuseram uma discussão sobre os caminhos para superar a pandemia, a partir da análise do andamento do enfrentamento da Covid-19 na capital mineira e dos dados estatísticos sobre o avanço e o combate ao vírus. Na ocasião, também foi apresentado o caso da cidade de Araraquara (SP), que adotou o lockdown no combate à pandemia. O vídeo da Live continua disponível para ser assistido na íntegra.

O debate online teve a presença de Eliana Aparecida Mori Honain, secretária da Saúde da Prefeitura de Araraquara (SP), do médico infectologista Unaí Tupinambás, professor da UFMG e integrante dos Comitês de Enfrentamento à Covid-19 da PBH e da UFMG, e do matemático Luiz Henrique Duczmal, professor titular do Departamento de Estatística da UFMG. A professora Maria Rosaria Barbato, presidente do APUBH UFMG+ e coordenadora executiva nacional e do núcleo local da ABJD, e o médico Geraldo Guedes, professor aposentado UFMG e representante da ABMMD/MG, mediaram a live.

No dia anterior à realização deste debate online, o prefeito Alexandre Kalil anunciou a reabertura do comércio e de outras atividades na cidade, a partir de quinta-feira (22/04). A decisão foi recebida com decepção, como definiu a presidenta do APUBH UFMG+. O próprio Sindicato já havia entregue ao prefeito, no dia 14/04, um abaixo-assinado, com 569 assinaturas de docentes da UFMG, reivindicando um lockdown de 21 dias na cidade, recomendação esta que também foi feita pelo Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMS-BH) e por outras entidades. A decisão da PBH, bem como as justificativas apresentadas, possuem pontos a serem questionados, como abordado adiante.

“É verdade que, em alguns momentos, há melhoras nos indicadores, mas estas tímidas melhoras nas taxas de transmissão e de ocupação nos leitos de enfermarias e UTI não são suficientes para a proposição de reabertura da cidade, como foi feito pelo anúncio do prefeito Kalil”, explicou a professora Maria Rosaria. A coordenadora da ABJDtambém fez críticas à atuação do Governo Federal diante desta catástrofe epidemiológica sem precedentes no país. Ela citou como exemplo a realização de um plano de vacinação lento e insuficiente, afetado pelas péssimas relações internacionais do atual governo, que prejudicam a aquisição de novas doses do medicamento. “O resultado desta gestão que despreza a vida, a Ciência e a seriedade do quadro que estamos enfrentando está aí, nos números que estamos vendo todos os dias”, refletiu a professora.

O médico Geraldo Guedes reforçou que a luta contra esta pandemia, bem como o enfrentamento de outras epidemias e questões sanitárias, necessitam de articulação e trabalho conjunto entre os entre os três entes da União, o Governo Federal, os estados e os municípios, como prevê “o arcabouço legal que sustenta o SUS, desde a sua criação, através de leis, normas e demais instrumentos da gestão”. Tal realidade , como observa o professor, não está acontecendo no cenário atual. Outro ponto levantado por ele é que as ações de Saúde Pública devem ser balizadas pelos diferentes segmentos das Ciências, biológicas, exatas e humanas.

O representante da ABMMD/MG ponderou que, em sua maioria, as ações de enfrentamento “têm sido balizadas muito mais por indicadores econômicos e pressão de grupos econômicos, do que pelos indicadores reais da pandemia”. “Belo Horizonte, que estava vivendo a saturação do seu serviço de Saúde, com medidas que não chegaram a ser um lockdown, viu regressão dessa saturação, mas, de repente, somos surpreendidos com o retorno até das atividades escolares, para crianças de até cinco anos de idade. Quando devemos, realmente, começar a sair? Até que ponto os indicadores e as condições socioeconômicas são determinantes paraque se refreiem as medidas de distância social”, questionou o professor, dando início ao debate da noite.

Prefeitura de BH não atendeu às requisições de lockdowne auxílio emergencial municipal

A adoção de um lockdownrígidoem Belo Horizonte, contudo, ainda não é uma realidade. Em declaração recente, o secretário municipal de saúde de Belo Horizonte, Jackson Machado Pinto, alegou que o município não teria competência para decretar o lockdown. De acordo com análise feita pela Assessoria Jurídica do APUBH, “de fato, a competência para suspender o funcionamento de aeroportos é da União, assim como a competência para suspender o transporte intermunicipal é do Estado de Minas Gerais. Contudo, não há nenhuma restrição constitucional para que o Município, no uso de sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local, estabeleça a restrição de locomoção e circulação de pessoas”.

A assessoria destaca ainda que a possibilidade de adoção de medidas de isolamento e quarentena está prevista no Art. 3º da Lei nº 13.979, que trata de ações emergenciais de saúde pública no enfrentamento à pandemia da Covid-19. “É importante ressaltar aqui que o que a prefeitura vem fazendo até o momento é apenas desencorajar a circulação, e não proibir – ou seja, ainda é possível se locomover pela cidade, mas tendo em vista o fechamento do comércio, não há interesse em se deslocar pela cidade. O lockdown, medida mais urgente, determina que está proibida a circulação, ou seja, o cidadão que for flagrado circulando poderá sofrer com a imposição de multa”, ponderou o jurídico do sindicato.

Outro ponto presente no abaixo-assinado não contemplado pela PBH foi a necessidade de fornecimento de auxílio financeiro à população, que possibilite que as pessoas em situação de vulnerabilidade social tenham condições de permanecer em casa. Sobre essa questão, a Assessoria Jurídica do APUBH afirma “que a Lei nº 14.029/2020 permite que os municípios realizem a transposição e a reprogramação de saldos financeiros constantes dos fundos de assistência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, provenientes de repasses federais. Isso significa que a Prefeitura de Belo Horizonte está autorizada a realizar ações de assistência social com valores repassados pelo Governo Federal para projetos que não estejam previamente estabelecidos, como a criação de um auxílio emergencial municipal”.

“Assim, a possibilidade de reorganização do orçamento, tendo em vista inclusive a ausência de diversos gastos por parte da prefeitura em função da pandemia, é possibilidade apoiada por lei, e que seria plenamente possível de ser realizada neste momento”, explicou a assessoria.

Lockdowne outras ações de enfrentamento à Covid-19, em Araraquara

A secretária da Saúde da Prefeitura de Araraquara, Eliana Aparecida Mori Honain, apresentou a experiência do município no combate à pandemia de Covid-19. A cidade de médio porte, situada na região central de São Paulo, pautou sua atuação pela Ciência, investindo no fortalecimento da atuação do sistema público de saúde e na implementação de programas sociais. Além disso, a cidade se tornou um exemplo promissor na prevenção à pandemia, ao adotar um lockdown rigoroso. A secretária também destacou a atuação e diálogo com o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), que foi fundamental para as ações fossem levadas adiante.

Eliana Honain sublinhou o papel do sistema público de saúde no enfrentamento ao novo coronavírus. Uma série de medidas foi adotada, sendo as principais: a ampliação das equipes de bloqueio, que realizam o acompanhamento dos contaminados em seus domicílios e a testagem de todos comunicantes, que são pessoas mantiveram contato com pessoas contaminadas, também em suas casas; a instalação de unidades de isolamento, onde são fornecidas hospedagem e alimentação para contaminados que não possuem condição de permanecer em casa; a realização de internação domiciliar, com fornecimento de estrutura e acompanhamento médico diário do paciente, para que se possa prosseguir o tratamento sem precisar, necessariamente, ocupar um leito hospitalar; e a abertura de seis unidades de Saúde em horário estendido para testagem de sintomáticos e comunicantes.

De acordo com ela, desde o princípio da pandemia, a prefeitura e a Secretaria de Saúde buscaram estabelecer um diálogo muito franco com a população, através da divulgação de dados e de informações com credibilidade, e também com os setores econômicos envolvidos. Para que as medidas pudessem ser implementadas, a secretaria de saúde destacou a importância das parcerias firmadas com diversas entidades, especialmente universidades.  A realização de testes de modo ágil e confiável, por exemplo, aconteceu por meio de parcerias com UNESP e UNIARA. Além disso, estudantes do curso de Medicina contribuem ativamente no monitoramento dos casos de infectados. Ela frisou, ainda, que a cidade nunca adotou nenhum tipo de “tratamento precoce”, seja na rede pública ou privada.

Eliana Honain também destacou a importância da criação de uma rede de solidariedade, para que a população tenha condições de atender às medidas de prevenção. Araraquara implementou dois programas sociais: a “Bolsa Cidadania”, um cartão para que os munícipes pudessem fazer a aquisição de gêneros alimentícios, por seis meses; e o Programa “Apoiador da Covid”, através do qual foram contratados, em caráter provisório e emergencial, mais de 500 pessoas em situação de vulnerabilidade social, desempregadas, para ajudar na higienização de postos da prefeitura. Além disso, o município continuou a fornecer a merenda escolar para os estudantes, na forma de cestas. Nesse sentido, a medida também beneficiou pequenos produtores locais, cuja produção foi adquirida pela prefeitura para compor as cestas.

O lockdownfoi decretado por dez dias na cidade, entre 21 de fevereiro e 03 de março deste ano. Nesse período, houve o fechamento rigoroso da cidade, que incluiu a suspensão do transporte público, o fechamento de supermercados e postos de combustíveis e a proibição de vendas por delivery ou drive thru;apenas farmácias e serviços de saúde de emergência continuaram funcionando. E mesmo após o fim do lockdown, a cidade manteve diversas medidas de distanciamento social, realizando a reabertura de modo gradativo. O setor do comércio, por exemplo, só foi reaberto nesta segunda-feira (19/04). Com isso, os dados registraram a queda de 70% nos casos de novos contágios, no período de 21 de fevereiro e 4 de abril.