Acontece no APUBH

Análise de conjuntura: Onde a Universidade Pública pode se encontrar?

Leia aqui a análise – preparatória para a Assembleia de professores do sindicato APUBH no dia 15 de dezembro às 16 horas (1ª chamada) e 16h30min (2ª chamada). A pauta da assembleia e link da plataforma serão divulgados oportunamente aos filiados do APUBH.

Não é novidade para nenhum de nós que estamos diante de um governo que tem como estratégias a imposição de um projeto político não debatido com a sociedade e técnica da falsificação, através de espetáculos fabricados, para que os que aí estão se reproduzam no poder.

Senão vejamos. Para se elegerem e se manterem no poder utilizam recorrentemente do mais repugnante expediente político: o aliciamento das classes sociais por meio da profusão caótica de falsificações, cujo eixo ideológico veicula a falsa ideia do expurgo definitivo da corrupção no Brasil, sendo seus protagonistas, eles próprios, agentes privados e públicos de sustentação desta farsa. Contudo, é bom lembrar que o voto que elegeu o atual governo tem sido a saída radical à direita, uma vez que os governos anteriores não conseguiram impedir a piora nas condições materiais de vida dos trabalhadores, com perdas sucessivas de direitos.

Por outro lado, o governo estrutura o avanço do capital com a edificação do projeto neoliberal para o Brasil por meio do convencimento que bafeja da Faria Lima e empresas associadas, com o apoio da grande mídia, do judiciário e do parlamento, com a dominação das vidas por prescrições, instruções normativas, ausências, violações constitucionais e, abusos. E no fim, o espetáculo da produção (des)controlada da “crise do capital” faz desta a técnica central do que é governado com a aparência de caos.

Da mesma forma, o Estado tornou-se o guardião seletivo das vidas – quem vive? Quem morre? Quem é preso? Quem julga? Quem pode matar? Aos seus “Chicago boys” recomendava Milton Friedman (1912-2006) que uma mudança só é possível de se impor se desencadeia uma crise. Nos anos de 1970, Friedman propunha tirar o Estado da educação por meio de “(…) vouchers ou cupons para cada aluno, de tal forma que, com esses recursos, seria possível pagar a mensalidade de uma escola privada”. Outro dia mesmo vimos a reedição desta concepção – a educação, em todos os seus níveis, é referenciada neste governo como mercadoria. O que parece novidade é, na verdade, a repetição histórica do fracasso do neoliberalismo, expresso tanto por nações do primeiro mundo quanto na América Latina, a exemplo do Chile. A tese veiculada é de que, por meio da competição, se alcança sempre os melhores resultados.

No Brasil, os militares que hoje se acercaram do poder, preparados desde sempre para operarem com a lógica da oportunidade e da necessidade tática, são agentes centrais que contribuem na arquitetura da visão de conjunto para as operações que fomentam o caos – a sustentação a longo prazo da pandemia e as milhares de mortes de brasileiros, a ascensão do desemprego e pauperização da classe trabalhadora, o sufocamento das manifestações e possíveis insurreições, a depressão econômica anunciada, os incêndios fomentados e programados na Amazônia e no Pantanal e os processos de acumulação primitiva, a nação vendida em contratos espúrios, os pronunciamentos aparentemente caóticos e sem sentido do mandatário da república, partidos políticos defuntos ressuscitando no centro do planalto central: tudo governável. O projeto neoliberal totalitário em curso traduz a organização exemplar das frentes (privadas, voluntárias e públicas) que produzem o caos e as desgraças que asfixiam, intoxicam, paralisam os trabalhadores para o esvaziamento contínuo da política, das instituições e das políticas públicas. Num contexto de esgotamento econômico, a nova direita forneceu uma forma política ao acirramento da competição entre trabalhadores. Ao assumir sem pudores a lei do mais forte, traça um programa de ação adequado ao nível de selvageria do mundo do trabalho gestado ao longo das últimas décadas.

O neoliberalismo, totalitário por princípio, tem em sua origem a imposição do projeto político do extermínio de toda forma de responsabilização da solidariedade social do Estado. Portanto, é uma doutrinação estatal que, segundo Vladimir Safatle (2017), só triunfa porque imprime pelo caos, o medo e, muitas vezes, o terror. O neoliberalismo é a ‘nova moral’ que, para Safatle (2017), trata de disseminar a “(…) doutrina econômica de resultados miseráveis, um discurso moral capaz de fundamentar novas formas de sujeição social”. Dessa maneira, o neoliberalismo produz um capitalismo de expropriação social, onde o Estado vai se retirando de vários setores e atuando em outros mais rentáveis. O resultado inevitável é a precarização do trabalho levada ao limite, para ser ela a indutora da crise para a gestão permanente da crise do capital. De todo, nada mais é do que uma técnica política que visa a expropriação da força criadora do trabalho com o controle biopolítico dos corpos e a vampirização da psique humana na produção incessante de angústias, pânico e medo, imputando aos sujeitos os seus “fracassos”. Estes são os métodos políticos que estabelecem a sujeição do corpus social produzida pelo neoliberalismo para o “triunfo do capitalismo”.

Um exemplo é o trágico saldo de 175.307 mortes pela pandemia do Covid-19 no Brasil e seus efeitos deletérios em relação à perda do emprego. A flexibilização das medidas de isolamento tem mostrado que há um número crescente de desempregados no país. A taxa de desemprego encontra-se segundo a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio, em 14,4% (trimestre encerrado em agosto/2020) a maior taxa da série histórica desde 2012. Um cenário dramático para o trabalhador brasileiro acrescido da não garantia de continuidade do repasse miserável do auxílio emergencial para o ano de 2021.

Como promessa de saída deste labirinto de fauno projeta-se um sistema estatal que se agarra nos valores da flexibilidade, da inovação e da criatividade empreendedora como única saída para a crise com elevação dos níveis de vida. Mas se a crise é induzida (Reformas Trabalhistas, Reforma da Previdência, EC-95, sangria do Fundo Social do Pré-Sal, Reforma Administrativa) por que as Universidades Públicas Federais têm sido agentes colaboradores, através de seus gestores e docentes, na propagação da fórmula Universidade-empresa por meio do empreendedorismo? Por que não introduzimos uma desconfiança crítica na confiança? Por que acreditamos que, por meio da preservação dos contratos privados com corporações que dominam a tecnologia da informática, alcançaremos enquanto Universidade pública um aprendizado e um processo de ensino competitivos no ERE e para além do ERE? Por que temos aceitado o ERE no seu processo de constituição sem um diálogo que não vai além de lives informativas de um processo já pensado e estruturado, em lugar de se consubstanciar em trocas de ideias e debates amplos com a comunidade acadêmica? Por que aceitamos sermos ridicularizados perante a sociedade do espetáculo desde 2018, termos o salário congelado até dezembro de 2021 e nada falamos sobre isso para além dos corredores e WhatsApp? Seremos nós atores conformistas do estado de exceção que nos encontramos sem que o viremos contra o próprio poder?

Ao que tudo indica estamos sendo usados no processo mais espúrio de que se tem registro na história do Brasil: a ascensão da extrema direita no projeto neoliberal. Caso queiramos ter relevância na luta contra a destruição das instituições públicas, das Universidades públicas, dos(as) professores(as) e de pessoas, há de se esconjurar o que está aí, nos ajuntar para o entendimento e enfrentamento do projeto em curso e nos organizar para a luta que é de todas(os) nós. Trata-se de não mais permitir o controle da nossa revolta!

 

1º Ato de nossa Revolta: sobretrabalho e calendário acadêmico no ERE

O Ensino Remoto Emergencial impôs modos de trabalho que impactaram diretamente nossa organização cotidiana. Muitos de nós tivemos que nos adequar a um mundo que não conhecíamos e nem sequer sabíamos que existia! Nossas aulas foram completamente repensadas para dar conta dessa nova dinâmica. Nossa forma de organização de horários de trabalho, contemplando o ensino, a pesquisa, extensão e administração se confundiram com outras tantas demandas que surgiram nesse processo. Elaboração de documentos, preenchimento de formulários, relatórios, requisições… Tudo via SEI. Muitos de nós nem sabíamos da existência desse sistema. Tivemos que aprender.

Impôs também que pensássemos em possibilidades, mesmo sem saber como se dariam na prática. O calendário acadêmico é um exemplo de planejamento estruturado, tendo por objetivo a organização institucional, e que durante sua execução fomos percebendo pontos importantes de serem reavaliados. Percebemos que nesta organização não há espaço para o cuidado com aqueles que fazem esse mesmo calendário acontecer! Muitos de nós estão adoecendo com a carga de trabalho, sem a possibilidade de usufruir de descanso, de férias. Trata-se de direito garantido por Lei que não pôde ser cumprido, uma vez que o prazo de intervalo entre um semestre e outro foi de apenas 20 dias utilizados para organizar o novo semestre, sendo que nos é vedado aproveitar as férias em períodos letivos.

O calendário acadêmico precisa contemplar, para além da necessidade organizacional da instituição, a dimensão humana, e isso envolve a discussão ampla com participação de todas e todos!

 

2º Ato de nossa Revolta: resistindo aos ataques à carreira EBTT

A portaria 983/2020 do MEC publicada em 23/11/2020 instituiu que os professores da rede federal de ensino da carreira EBTT (Ensino Básico Técnico e Tecnológico) devem ter aumento de carga horária de ensino mínima de 10 para 14 horas-relógio semanais (regime integral e DE) e de 8 para 10 horas-relógio semanais (regime parcial). Essa medida pressupõe uma desvalorização das atividades de pesquisa, extensão e administração, integrantes inalienáveis dos cargos EBTT. Os professores da carreira EBTT da UFMG são doutores, atuam em pós-graduações, em grupos de pesquisa, na formação de professores/licenciaturas e em projetos de extensão. Como manter essas atividades com tanto tempo em sala de aula?

A sobrecarga de trabalho, os aumentos abusivos de encargos e as pressões exacerbadas por produtividade vem assolando toda a categoria docente – EBTTs e Magistério Superior. Por quanto tempo suportaremos? Qual o glamour do auto sacrifício e sobretrabalho que leva ao adoecimento físico e mental?

Há uma resolução da UFMG que prevê a fixação de 8 a 12 horas-aula. Essa portaria claramente fere a autonomia universitária. Além disso, substitui a hora aula (50 minutos) pela hora-relógio (60 minutos). Onde está a autonomia da UFMG para alocação dos encargos docentes de suas unidades?

Outra medida imposta pela nova portaria é a instituição de relógio de ponto nas unidades de professores EBTTs. Como pode o(a) docente bater ponto sendo dedicação exclusiva? Como realizar atividades de pesquisa e extensão, com todas as suas especificidades, dentro de gabinetes compartilhados e salas de aula? E as atividades que esses professores e professoras desenvolvem em outras unidades da UFMG, o que promove uma troca enriquecedora entre as carreiras e experiências pedagógicas do ensino técnico e superior?

Por fim, há nesta portaria uma normalização do trabalho remoto para os docentes no âmbito da rede federal. No caso do ensino à distância, a portaria inclui como atividade docente a “MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA” como elemento fundamental da nova regulamentação da carreira EBTT. Seremos professores ou mediadores entre alunos e plataformas virtuais?

Ao publicar uma portaria referente à apenas uma parte dos docentes da rede federal, intensifica-se a fragmentação da carreira docente, dividindo os atingidos e atingidas dos que estão, por enquanto, resguardados em outras regulações. Vamos permitir que nos dividam para nos dominar?

As mudanças nos encargos EBTT impactam toda a Universidade. Sobrecarga de trabalho, desrespeito à autonomia universitária e implementação de um “novo normal” como ensino remoto permanente são ameaças que pairam sobre todos os professores e professoras da UFMG.

O que faremos nós, docentes da UFMG?

O que faremos nós, comunidade acadêmica?

E a educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade que tantos e tantas defenderam e defendem???

Convidamos todos e todas para a assembleia do APUBH a se realizar no dia 15/12/2020 às 16 horas para discutirmos e levantarmos possibilidades de resistência a mais este ataque aos direitos docentes.