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A crise humanitária vivida pelos  Yanomami faz parte do legado de morte e fome do governo Bolsonaro

Nos últimos dias, imagens e notícias da crise humanitária e sanitária vivida pelas pessoas indígenas do território Yanomami, no norte do país, têm ocupado a imprensa, causando tristeza e revolta no Brasil e no mundo. Ao menos, 99 crianças desta etnia morreram no ano passado, em decorrência de desnutrição e de doenças evitáveis, como pneumonia e diarreia. Os dados foram levantados pelo governo Lula, que também tornou pública a estimativa de que o número de óbitos de crianças possa chegar a 570, ao considerar os quatro anos de governo Bolsonaro, e o número de indígenas infectados com malária chega, conforme o portal G1, a 11.530 casos.

Longe de ser uma surpresa, contudo, o drama enfrentado na maior reserva indígena do Brasil reflete a política neoliberal do governo bolsonarista. Diante de uma ideologia econômica que coloca os lucros acima da vida, a devastação do meio ambiente e o garimpo ilegal tiveram caminho livre. Nos territórios Yanomami demarcados, isso causou, por exemplo, a contaminação das águas e do solo por mercúrio, entre outros químicos. E além dos problemas de saúde, as pessoas que habitam estes territórios ainda sofriam com outras violências – uso de armas de fogo pelos garimpeiros, violência sexual contra mulheres e crianças, perda do modo de vida e a dificuldade de acesso às necessidades básicas, especialmente alimentos e medicamentos.

Ao se manifestar sobre o assunto, o ex-presidente Bolsonaro negou que sua gestão tivesse conhecimento da situação sanitária da etnia Yanomami e atribuiu os relatos da crise humanitária a uma suposta “farsa da esquerda”. A fala, contudo, está longe da verdade. Ao menos, 21 pedidos formais de ajuda aos Yanomami foram negados pelo governo Bolsonaro, como apurou uma reportagem do The Intercept Brasil, em agosto do ano passado. Os documentos, enviados pela Hutukara Associação Yanomami a diversos órgãos do Estado, denunciavam a invasão de territórios indígenas por garimpeiros, além de alertar que a situação poderia alcançar o nível de genocídio.

Assim como em outras ocasiões, o político da extrema-direita se valeu, novamente, de mentiras para tentar negar os fatos sob responsabilidade de seu governo, uma tática recorrente do bolsonarismo. Inclusive, não demoraram a circular fake news negando a crise humanitária e sanitária vivida pelo povo Yanomami. É o caso da mentira, amplamente divulgada, de que aquela não seria uma reserva indígena brasileira, mas uma comunidade indígena localizada na Venezuela. Ademais, a cooptação dessa ideologia chegou ao ponto de bolsonaristas criticarem as ações humanitárias realizadas pelas Forças Armadas, como levar alimentos básicos e água potável para as comunidades indígenas famélicas e doentes.

A crise sanitária e humanitária vivida pela etnia Yanomami tem, igualmente, profunda relação com a presença do garimpo ilegal em seus territórios. E não é preciso muito esforço para perceber a relação próxima entre o ex-presidente Bolsonaro e o garimpo ilegal. No dia 26 de outubro do ano passado, o então presidente da República visitou uma área em que se praticava   o garimpo clandestino, dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima. A atitude de cordialidade do ex-presidente para com os garimpeiros reflete a postura do governo Bolsonaro, que sempre agiu com conivência em relação aos crimes cometidos contra os povos originários e contra o meio ambiente. As políticas de Estado adotadas no Brasil por aquela gestão, na verdade, serviram, não raramente, de incentivo às práticas ilegais contra o meio ambiente e aos povos da floresta.

Cabe salientar, ainda, que a visita do ex-presidente a Terra Indígena Raposa Serra do Sol rendeu um gasto de R$ 163 mil no cartão corporativo, como levantou o portal Metrópoles. Desde que o atual mandato presidencial deu início, determinou-se a quebra do sigilo de 100 anos instituído pelo governo Bolsonaro em relação aos gastos faturados no cartão corporativo presidencial.  Desde então, a gastança de verbas públicas tem sido trazida à tona. Ainda de acordo com o portal Metrópoles, R$ 109 mil foram gastos nesse mesmo cartão, em uma única despesa realizada em um restaurante da capital roraimense. E considerando que as refeições naquele estabelecimento têm o preço de R$ 17 a R$ 23, crescem as suspeitas de que as compras efetivas no cartão corporativo serviriam para tentar encobrir os casos de corrupção daquela gestão.

E ao que parece, o mau uso das verbas públicas também pode ter ocorrido em relação ao povo Yanomami. Entre 2019 e 2022, o governo Bolsonaro gastou R$ 5,44 bilhões dos R$ 6,13 bilhões, que compunham o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena. Porém, há indícios de que o dinheiro foi empregado em organizações pouco eficientes, além de ter beneficiado empresas de transporte aéreo. A informação foi divulgada, na última terça-feira (24/01), pelo jornal O Globo, com base nos dados do Portal da Transparência.

Enquanto isso, as populações indígenas se viram entregues à própria sorte. Afinal, sob o governo Bolsonaro, o principal órgão público de proteção dos povos originários, a FUNAI, lidou com o sucateamento e a sua militarização. E como alardeou o então ex-presidente, o seu governo não demarcaria “nem um centímetro a mais para terras indígenas”, e nessa esteira, não protegeu os territórios demarcados e nem mesmos suas populações – o que era dever de seu governo Além disso, não é novidade, foi produzido um processo profundo de desmonte dos serviços prestados pelo Estado, o que incluiu os órgãos responsáveis por fiscalizar crimes ambientais, cujo ministro, Ricardo Salles, foi recentemente eleito senador da república. Ainda dentro desta política de desmonte, houve o boicote ao Sistema Único de Saúde (SUS). Com efeito, especificamente no caso dos povos indígenas, o governo conduziu ações que repercutiram na diminuição das ações de assistência e cuidado da pessoa indígena, especialmente na área de saúde.

Para se ter uma ideia do compromisso do neoliberalismo com os interesses do setor econômico, o responsável pela pasta do Meio Ambiente no governo Bolsonaro, o então ministro Ricardo Salles, queria aproveitar a pandemia para beneficiar  setores econômicos com a alteração de regras legais e a simplificação das normas. “Ir passando a boiada”, como definiu o ministro Ricardo Salles. E a insensibilidade também se manifestava na pasta dos Direitos Humanos. Em 2020, em plena pandemia, a então ministra Damares Alves assinou nota técnica, em que recomenda ao Poder Executivo que não envie água potável, matérias de limpeza e higiene pessoal, leitos de UTI e materiais informativos, entre outros itens essenciais, para indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais. O pedido foi aceito por Bolsonaro, mas não foi aplicado devido à interferência do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

O APUBHUFMG+ se solidariza com a população indígena da etnia Yanomami, assim como com todas as etnias que compõem os povos originários do Brasil. Mais do que isso, somamos forças e nos inspiramos na luta permanente das populações indígenas, que sempre tiveram que combater invasores em suas terras,  que trazem doenças, causam a devastação das riquezas naturais, o apagamento cultural e violência.

Ao longo dos últimos quatro anos, o APUBHUFMG+ denunciou e lutou contra a política de morte e fome do governo Bolsonaro. E agora, após a derrota nas urnas do projeto neoliberal, continuamos atuantes contra o legado desta necropolítica, que é um obstáculo ao processo de reconstrução democrática do país. As pessoas responsáveis por esse crime contra a humanidade precisam ser identificadas e julgadas. O país precisa dar um basta à barbárie e aos retrocessos impostos pelo neoliberalismo. Sem anistia!

Salve a luta e a resistência dos povos originários do Brasil!

 

APUBHUFMG+ – Sindicato dos Professores da Universidade Federal de Minas Gerais e Campus Ouro Branco/UFSJ – Gestão Travessias na Luta – 2022/2024