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10 anos de lei de cotas: avanços e necessidade de permanência

As ações afirmativas são políticas públicas que visam mitigar o problema do acesso ao ensino superior limitado apenas a certos grupos sociais. Tem como objetivo reparar a exclusão socioeconômica, étnico-racial, de gênero, opção sexual e de deficiências físicas ou outras, especialmente nos seguimentos sociais historicamente desfavorecidos, caracterizando-se por sua natureza compensatória (DARIO; NUNES, 2017). A Lei de Cotas é uma das ações afirmativas em curso nas Universidades brasileiras.

Em agosto de 2012 foi sancionada, pela então presidenta Dilma Rousseff, a Lei 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas. A lei determina que 50% das vagas para ingresso nas universidades federais devem ser destinadas à estudantes que fizeram o Ensino Médio em escolas públicas. Dentre as vagas reservadas, metade são para os estudantes que tem renda igual ou inferior a um salário-mínimo e meio por cada membro da família e a outra metade para aqueles cuja renda seja superior a este valor. As cotas raciais são uma subcotas dentro desta reserva de vagas e também destinada aos alunos que cursaram o ensino médio em escola pública, com percentagem variável a depender da localização da instituição de ensino superior. As cotas para pessoas com deficiências obedecem os mesmos critérios para as cotas raciais.

Nestes dez anos, os avanços foram enormes. A pesquisa Censo da Educação Superior, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), evidenciou que houve o aumento de 842% dos alunos indígenas em cursos de ensino superior entre 2010 e 2017. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), elucidou que entre 2010 e 2019, o número de discentes negros e pardos no ensino superior aumentou em 400%.

Não obstante as diferenças específicas que podem ocorrer em determinados cursos, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE é um importante indicador da relevância das políticas públicas direcionadas à educação, a exemplo da Lei de Contas. Parametrizando as diferenças das médias entre os alunos cotistas e não cotistas dentro dos cursos de todas as universidades federais de Minas Gerais, Santos (2017) pesquisou se haveria discrepância de desempenho entre os estudantes cotistas e os estudantes não cotistas na prova do ENADE de 2014. O resultado alcançado pela pesquisadora indicou no recorte temporal, que a média das notas de cada grupo estudado foi estatisticamente igual, o que demonstrava que não havia diferença entre o desempenho médio entre alunos cotistas e não cotistas. Além desse resultado, a conclusão da pesquisa apontava que a nota de corte do ENEM para alunos cotistas era menor do que para alunos não cotistas, indicando que esses alunos entravam na universidade, teoricamente, menos preparados. Contudo, na prova ENADE, os discentes cotistas conseguiam demonstrar o mesmo desempenho médio do que os alunos não cotistas, isto é, o desempenho desses dois grupos de alunos tende a ser o mesmo no decorrer dos anos.

Não restam dúvidas, portanto, da efetividade desta lei no combate às injustiças sociais derivadas das desigualdades socioeconômicas, de pertencimento étnico-racial e das pessoas com deficiências no Brasil, para a promoção das condições paritárias de acesso e desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos entre os diversos grupos sociais do país.

No texto da lei, em seu sétimo artigo, existe a recomendação de que o programa passe por uma revisão 10 anos após sua implantação. Ainda não há movimentações no congresso que indicam o início do processo de revisão do texto neste ano, até porque a lei não indica obrigatoriedade desta revisão, que pode ser adiada em meses ou anos. Em março deste ano, contudo, a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) evidenciou que hoje existem 67 projetos de lei no Congresso que propõem alteração na lei de cotas e, dentre estes, 31 tem como proposta restringir os efeitos da legislação. A Lei de Cotas, inquestionavelmente tem promovido avanços no processo de inclusão no ensino superior brasileiro, e, considerando este horizonte, não é momento de nenhum retrocesso na Lei de Cotas. Mesmo com o crescimento exponencial, os alunos negros e pardos representam hoje, apenas 38,15% dos discentes universitários, sendo que 56,2% da população brasileira é negra. Além disso, na pós-graduação, os dados apresentados em 2022 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, são insuficientes e indicam parcialmente a realidade desta ação afirmativa nos programas de pós-graduação.  Apenas 54% dos 305.557 discentes da pós-graduação declararam a sua condição étnico-racial, ou seja, num universo de 164.935 alunos, 31% são autodeclarados negros ou pardos. Por sua vez, dentre as professores e professores universitários, apenas 1% dos docentes são negros ou pardos.

Ainda assim, estes números, em conjunto, apontam o significativo aumento de indígenas, negros e pardos dentre os discentes universitários da graduação e pós-graduação nas Universidades brasileiras nos últimos dez anos e evidenciam alguns fatos relevantes. Em primeiro lugar, o acerto que foi a implementação da política pública de cotas no Brasil. Em segundo lugar, o tamanho do fosso de desigualdade social existente no país: mesmo com o aumento em centenas de vezes do número de negros, pardos e indígenas nas universidades brasileiras, ainda não foi suficiente para equiparar o número de discentes de graduação e pós-graduação com a percentagem de negros e pardos da população brasileira, número que se torna ainda mais assustador no caso dos docentes.

Nós, do APUBHUFMG+, somos comprometidos com uma educação pública, gratuita e de qualidade social, que seja inclusiva e sirva aos propósitos para diminuir o fosso das injustiças sociais e, por conseguinte, das desigualdades sociais no Brasil. Em 10 anos de política pública com a Lei de Cotas, não é possível resolver todos os problemas estruturais de séculos de exclusão social e falta de oportunidades a determinados grupos sociais. É necessário vigiar e cobrar das autoridades públicas o aperfeiçoamento desta ação afirmativa com a produção de dados confiáveis para  a efetiva aplicação da política de cotas. Reforçamos nosso compromisso em favor da manutenção da política de cotas, sem um passo atrás em seu texto.

APUBHUFMG+ – Sindicato dos Professores da Universidade Federal de Minas Gerais e Campus Ouro Branco/UFSJ – Gestão Travessias na Luta – 2020/2022