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Ensino remoto em tempos de pandemia: importância de assegurar direitos fundamentais aos docentes 

No último dia 23 de julho de 2020, foi realizada Live organizada pelo APUBH para discutir os problemas e desafios do ensino remoto implementado no Brasil emergencial, principalmente em relação ao trabalho dos docentes, como resposta imediata e temporária à educação no contexto da pandemia do Novo Coronavírus.

A assessoria jurídica do APUBH, representada pela advogada Sarah Campos, destacou a importância de ficar claro que todas as medidas até então adotadas regulam o regime de trabalho remoto docente de forma excepcional, não sendo possível considerar incorporadas várias das práticas utilizadas ao regime jurídico funcional dos docentes de forma permanente. É uma medida temporária, excepcional, e aplicada apenas enquanto perdurar as medidas de isolamento social necessárias para contenção da disseminação da Covid-19.

Justamente em razão de sua excepcionalidade, o novo modelo de trabalho implementado sofre com a ausência de uma regulamentação mais específica, gerando uma série de desafios para o exercício da função pública docente nessa realidade chamada de “novo normal”.

O regime de trabalho remoto foi inaugurado emergencialmente pela Instrução Normativa nº 19 do Governo Federal. Essa normativa, em razão das medidas de isolamento social, possibilitou que a Administração Pública federal, incluindo as universidades, adote regime de trabalho remoto ou home office como uma das medidas para o enfrentamento da pandemia. Contudo, diante do caráter singular desse momento, foram dispostas apenas normas mais genéricas, não contemplando todas as especificidades decorrentes dessa nova relação de trabalho no ambiente virtual.

Nesse sentido, não há regra que especifique, por exemplo, quais as obrigações da Administração Pública de oferecer condições de trabalho remoto que preservem os direitos funcionais e inclusive a saúde dos servidores públicos federais.

A Instrução Normativa nº 19 de 2020, em razão de sua excepcionalidade, editada sem um planejamento prévio, não se atentou a questões relacionadas ao ambiente de trabalho, à ergonomia, aos equipamentos, à estrutura e aos eventuais custos que serão suportados pelos servidores públicos para viabilizar o trabalho em casa.

É bom lembrar que nesse regime laboral, os docentes das universidades federais têm de enfrentar novos desafios como, por exemplo, o acesso à internet rápida em casa, utilização de computador com capacidade para atender as performances de dados necessárias para produção de aulas telepresenciais ou gravadas com qualidade, dentre outros meios de trabalho essenciais para o bom desempenho das funções educacionais.

Ainda que o MEC tenha editado a Portaria nº 544/2020 e a UFMG expedido duas Resoluções (CEPE nº 01/2020 e nº 02/2020) que versam sobre o ensino remoto emergencial, ainda carecem de solução normativa várias situações que envolvem direitos fundamentais dos docentes nesse regime de trabalho, tais como a irredutibilidade remuneratória, o direito de imagem e voz e o direito autoral.

Outra questão importante, essencial para a garantia do exercício das atividades docentes no ambiente virtual, diz respeito à preservação da liberdade de cátedra, assegurada no art. 206 da CRFB/88, uma vez que ainda não estão claros os protocolos de proteção de dados utilizados nas plataformas disponibilizadas para as atividades de ensino nas modalidades síncronas e assíncronas.

Nesse sentido, o Ministério Público do Trabalho expediu Nota Técnica nº 10/2020 contendo uma série de recomendações para as instituições de ensino no Brasil. O intuito é estabelecer uma diretriz básica dos direitos dos professores que passaram a exercer as suas funções por meio de plataformas virtuais e/ou em home office durante o período da pandemia da Covid-19.

Entretanto, considerando as especificidades da função pública, a referida Nota Técnica do MPT não apresenta todas as soluções para as Instituições Federais de Ensino.

Isso porque, como dito, no serviço público federal, diferente do que ocorre na iniciativa privada que tem alguma regulamentação inaugurada pela Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, não existe ainda um marco legal que regulamente os direitos e deveres dos servidores públicos federais no regime de home office.

Assim, o trabalho remoto e o emergencial exercício das atividades de ensino por plataformas virtuais nas universidades públicas ainda demandam regulamentação adequada que proteja não somente os direitos fundamentais dos professores, mas também dos alunos que estão submetidos também à essa realidade.

Desse modo, é urgente a criação de um consenso pelas universidades federais com o intuito de não apenas regular as situações jurídicas acima abordadas, mas também estipular um código de ética no ensino virtual que proteja a dignidade, a privacidade, a imagem e a voz, a produção intelectual e a liberdade de aprender e ensinar, bem como coíba atos de violência (assédio moral, bullying) no ambiente pedagógico digital durante a pandemia.

Sarah Campos, assessoria jurídica do APUBH