Acontece no APUBH

A luta e os desafios das mulheres no parlamento e na educação

As deputadas estaduais Andréia de Jesus e Beatriz Cerqueira e a ex-deputada federal Jô Moraes foram as convidadas do segundo dia do Seminário FALA de MULHER no APUBH. O próximo debate será realizado no dia 07 de abril.

LIVE “Mulheres no parlamento e Educação: Mulheres e sindicalismo / Violência, feminicídio e crimes de Estado”, no dia 30/03.

“Mulheres no parlamento e Educação: Mulheres e sindicalismo / Violência, feminicídio e crimes de Estado” foi o tema em debate, no segundo dia do Seminário FALA de MULHER no APUBH. O debate virtual foi ao ar, na tarde desta terça-feira (30/03), através do canal do APUBH no Youtube. Os vídeos permanecem disponíveis para serem assistidos posteriormente. O próximo debate do Seminário será realizado no dia 07 de abril. Clique aqui para saber mais.

A mediação foi realizada por Analise da Silva, professora da FAE/UFMG e 1ª vice-presidente do APUBH UFMG+. A professora agradeceu às convidadas pela oportunidade de aprendizado e pelo compromisso com “a melhoria das condições de vida, de trabalho, de saberes e de sabores”. Sobre a luta das mulheres, ela afirmou que “a gente vai vencer, até porque as coisas já mudaram bastante e vão mudar muito mais. Só que precisamos de, ativamente, conseguir barrar esse governo que, a nós mulheres, já disse o que pensa a nosso respeito, com toda a jocosidade, machismo, sexismo e discurso de ódio”. “E assim que tivermos vencido a pandemia sanitária, nós também vamos vencer o pandemônio político. Essa coisa desprezível, que está nos matando, matando a nós mulheres, aos jovens negros, as crianças indígenas”, afirmou a 1ª vice-presidente do sindicato.

Jô Moraes, ex-deputada federal: “Nós corremos um risco muito grande de ver desestruturado tudo aquilo que, ao longo desse período, o Estado brasileiro construiu”

O debate foi iniciado pela ex-deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG), feminista, marxista e integrante do Fórum Nacional do PCdoB sobre a Emancipação da Mulher. Ela destacou que a Ciência e o meio acadêmico, que tinham pouca visibilidade e valorização pela sociedade, vem ganhando espaço com o passar do tempo da pandemia. Na opinião da ex-parlamentar, este deve ser um momento de encontro entre os dramas da humanidade, as crises sanitária, política, econômica e institucional, que nós estamos vivendo, e a Ciência, como perspectiva de construção de futuro.

Jô Moraes acredita na necessidade desse debate, sobretudo nesse período, em que o Brasil possui um governo negacionista da Ciência, do desenvolvimento tecnológico e da importância da Educação. Para a ex-deputada, a perseguição ao conhecimento e às políticas sociais são reflexos do pensamento deste governo, que vê como perigoso o acesso a meios que, para a população, representam “instrumentos de libertação”. “Nós corremos um risco muito grande de ver desestruturado tudo aquilo que, ao longo desse período, o Estado brasileiro construiu”, definiu a marxista.

Ela acredita no papel da Educação contra a lógica autoritária do Governo Bolsonaro, que promove o desmonte da participação popular e da democracia no Brasil. Nesse sentido, Jô Moraes priorizou a importância da luta pela liberdade e pela democracia e da defesa da liberdade de cátedra e da autonomia universitária.  “Nós temos que ter a coragem de reafirmar que é pela Educação, pela consciência crítica e pelo espaço de pensamento que se pode avançar, não apenas nesse momento, para deter qualquer ofensiva autoritária, mas também do ponto de vista do desenvolvimento. E é na ação das mulheres que nós podemos criar um ambiente crítico, para afirmar uma alternativa dessa sociedade”, pontuou a convidada.

A ex-parlamentar acredita que a crise atual explicitou a desigualdade de gênero no país, bem como tem agravado as suas conseqüências. Ela observou que a pandemia demonstrou que a responsabilidade dos cuidados domésticos e com as pessoas recai sobre as mulheres. Para o processo de emancipação da população feminina do país, a ex-deputada destacou que é fundamental dar ênfase às políticas públicas para as mulheres, que garantam a autonomia econômica, a inclusão digital para moradoras de periferia, o acesso aos cuidados com a saúde mental e a inclusão política.

Andréia de Jesus, deputada estadual: “Precisamos assumir uma postura abolicionista, se queremos discutir um modelo de nação que seja inclusivo”

A segunda convidada a ter a palavra foi a deputada estadual Andréia de Jesus (PSOL/MG), presidenta da Comissão de Direitos Humanos e vice-presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Em sua fala, ela trouxe provocações para promover o debate sobre os elementos estruturais que resultam na marginalização de grande parcela da sociedade, como as populações feminina, negra e periférica.

Nesse sentido, Andréia de Jesus destacou o papel da Educação – emtodos os níveis, do ensino básico ao superior – no desenvolvimento do pensamento crítico e na estruturação do cotidiano da vida das pessoas. “Precisamos assumir uma postura abolicionista, se queremos discutir um modelo de nação que seja inclusivo. E eu não tenho dúvida que o papel da Educação precisa ser a grande chave desse processo abolicionista”, definiu a parlamentar. Papel este que, segundo ela, também está ligado à luta feminista. “Nós precisamos debater o papel das mulheres na sociedade de forma emancipada, e se a Educação está negligenciando isso, ela contribui com o feminicídio”, completou.

Ela lembrou, contudo, que a falta de acesso ao ensino formal ainda é realidade para grande parte da população, sendo este um dos fatores que contribuem para a perpetuação das desigualdades. Na luta para reverter esse quadro, ela reforçou a importância dos projetos sociais, como a Educação de Jovens e Adultos (EJA), e de ações afirmativas, como as cotas raciais, para garantir o acesso a pessoas que tiveram esse direito negado. Para a deputada, as políticas sociais não se tratam de um favor do governo, mas a retratação da dívida histórica para com a população negra que, desde a escravidão, ajudou a construir a riqueza natural.  “Deixar a gente de fora não é só perverso, é a manutenção de algo que a gente luta para desconstruir”, afirmou a deputada.

A parlamentar refletiu que é preciso que pessoas dessas parcelas marginalizadas ocupem os espaços de decisão, por meio da participação na política. “Nós temos essa tarefa, que não é uma tarefa partidária, porque os partidos também têm muita dificuldade de entender que nós temos um projeto de nação, que nós sabemos como a nação pode dar certo, porque nós produzimos isso. Onde o Estado não chega, nós produzimos alternativas, mas eu não nego o Estado. O Estado tem de devolver cada centavo que foi arrecadado com a escravidão e que arrecada até hoje, permitindo que a mineração e o agronegócio continuem explorando o nosso povo”, definiu Andréia de Jesus.

Beatriz Cerqueira, deputada estadual: “O parlamento é um lugar pensado de homens brancos para homens brancos, de uma classe social que não é a classe trabalhadora”

Prosseguindo com o debate, a palavra foi passada para a deputada estadual Beatriz Cerqueira(PT/MG), professora e presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).A parlamentar relembrou que, durante as suas experiências no movimento sindical, ela se deparou com o machismo e a incapacidade de muitos líderes sindicais de conviver com mulheres na liderança. “Não importa o quanto você trabalhe, você sempre é mais cobrada no seu desempenho político, se comparado ao homem”, definiu a deputada, que foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidenta da CUT Minas. De acordo com ela, preconceitos, mentiras e ofensas, principalmente de cunho sexual e moralista, faziam parte de sua rotina. “Ainda há muito a aprender para que possamos superar esse processo machista e que também chega a ser misógino”, ponderou.

Beatriz Cerqueira também enfrenta o machismo e misoginia no espaço que ocupa hoje, como deputada estadual. Ela avalia que “o parlamento é um lugar pensado de homens brancos para homens brancos, de uma classe social que não é a classe trabalhadora”. Em sua experiência na ALMG, ela observa que as mulheres são tratadas como se não pertencessem àquele espaço. As parlamentares, segundo ela, são tratadas como se fossem incapazes de participar dos debates políticos, da análise de conjuntura e das tomadas de decisão. Além disso, ela também relatou o tratamento diferenciado em espaços públicos, pois a sociedade ainda possui dificuldade em compreender que um homem e uma mulher no papel de parlamentar possuem a mesma prerrogativa.

A própria parlamentar já foi vítima do que ela qualifica como sendo uma “violência sistêmica”, que está presente no cotidiano do ambiente político. Ela citou, como exemplo, os casos de deputados que a mandaram “calar a boca” e que divulgaram difamações sobre ela nas redes sociais.  Para além do parlamento, a deputada acredita que as palavras e ações desses deputados, quando ocorrem no espaço institucional e não são devidamente punidas, funcionam como “gatilhos de violência”, que dão força para que pessoas se sintam no direito de realizar agressões verbais e até ameaças de morte, como as que deputada já sofreu.

Na opinião da deputada, estes são reflexos de características estruturais, próprias do sistema político no Brasil. Ela lembrou que ainda há baixa representatividade feminina no parlamento, apesar da maioria da população brasileira ser de mulheres. “Esse é o lugar de onde nós estamos e de onde procuramos fazer a luta parlamentar. A luta parlamentar é muito importante. Ela não substitui a luta sindical, a luta do movimento social, a luta popular e dos partidos políticos, mas ela tem uma trincheira de luta onde é decidida a vida do povo”, reforçou a deputada estadual Beatriz Cerqueira.