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Por dentro do plano do ministério

Andifes ressaltou haver problemas mais urgentes a resolver devido ao corte médio de 30% no orçamento das instituições

O projeto de reforma das universidades lançado pelo MEC foi recebido com desconfiança e críticas pela associação dos reitores das instituições federais de ensino superior (Andifes) e por professores da UFRJ. Em entrevista poucas horas após a apresentação do Future-se, os gestores ressaltaram haver problemas mais urgentes a resolver devido ao corte médio de 30% no orçamento das instituições. Na avaliação de Adilson de Oliveira, do Instituto de Economia, o projeto é “uma revolução total na vida da universidade”. Para o docente, que faz parte do do Conselho de Curadores da UFRJ, o programa vai representar a perda da autonomia universitária em termos financeiros, administrativos e acadêmicos.

Já o professor Vicente Ferreira, do Coppead, questiona o tempo que os recursos chegariam para as universidades, de acordo com o modelo de captação proposto. Até os projetos imobiliários apresentarem rentabilidade, serão ao menos três anos. Para o decano do CFCH, Marcelo Corrêa e Castro, professor da Faculdade de Educação, a autonomia didático-pedagógica corre risco sob o financiamento de fontes privadas. “Teria que haver uma blindagem em relação ao interesse de quem financia”, disse, sob o argumento de que a universidade “não é um “aparelho de produção”. “É um lugar de livre produção”.

“O documento em consulta pública propõe a perda da autonomia universitária porque toda a parte do financiamento fica a critério do MEC”, afirmou o professor Adilson de Oliveira, do Instituto de Economia. Além disso, segundo ele, toda a atuação da universidade se daria a partir de metas definidas por critérios do MEC.

Para Oliveira, o mais grave da proposta é a criação de Sociedades de Propósito Específico por departamento. “Isso vai acabar com as fundações, como a Coppetec”, disse. “É uma revolução total na vida da universidade”, completou o integrante do Conselho de Curadores da UFRJ, que sugeriu à reitoria a organização de um fórum de debates sobre o projeto.

O projeto Future-se, lançado pelo Ministério da Educação na quarta-feira (17), pretende ampliar a captação de recursos privados por parte das universidades e institutos federais. Seus bens podem ser vendidos, concedidos ou alugados. As universidades são obrigadas a firmar contratos de gestão com Organizações Sociais para administrar os recursos privados, departamentos acadêmicos podem ter Sociedades de Propósito Específico e professores têm a possibilidade de lucrar com seus projetos, para além dos salários.

Para ele, o objetivo do Future-se é “inserir a universidade no mercado financeiro e reduzir a autonomia universitária para que o MEC tenha uma capacidade de intervenção maior na vida financeira, acadêmica e administrativa das universidades”.

O presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte, fez críticas ao projeto porque as universidades não foram consultadas e avalia haver muitas dúvidas, como a distribuição dos recursos do fundo privado. “É fundamental, importante e necessária a garantia da autonomia universidade”. A Andifes vai promover reuniões para analisar o Future-se, principalmente as questões que envolvem mudanças na legislação.

O corte médio de 30% no orçamento discricionário das instituições é o que  mais preocupa os gestores universitários. “Fomos chamados a discutir um projeto de financiamento em um momento que as universidades não têm garantias para os próximos meses. É um momento delicado, temos 30% do nosso orçamento de custeio bloqueado. Discutir o futuro é importante, mas temos um presente que ameaça o funcionamento regular “, disse o reitor da UFBA, João Salles. O corte ameaça o pagamento de  água, luz, limpeza e segurança, o que pode inviabilizar o funcionamento da maioria das universidades neste semestre.

O professor Vicente Ferreira, do Coppead, avalia que  “nas intenções gerais” em captar novos recursos, a proposta é positiva. No entanto, ele aponta o prazo em que os projetos previstos na proposta    começariam a apresentar rendimentos às universidades. “Serão no mínimo três anos. Não está claro como as universidades ficarão enquanto não recebem esta renda”, afirma. Ferreira ressalta que ainda será preciso estruturar legalmente a proposta e levá-la ao Congresso, “o que é uma incógnita” pois depende do interesse dos parlamentares.

Já o decano Marcelo Corrêa e Castro vê perda da autonomia didático-pedagógica com o financiamento privado. “Teria que haver uma blindagem em relação ao interesse de quem financia”, disse, pois a universidade não é um “aparelho de produção” e sim “um lugar de livre produção”. O decano ainda critica o fato de o MEC não ter consultado as universidades durante a elaboração do Future-se. “A universidade não pode ser pensada de fora para dentro. construção desse diálogo se dá em um contexto de bastante ruído”.

 

ALGUNS DOS PRINCIPAIS PONTOS DO FUTURE-SE

 

1-Captação de recursos privados

O projeto do governo propõe a captação de R$ 102,6 bilhões em recursos privados para o Fundo Soberano do Conhecimento. Deste total, R$ 50 bilhões correspondem a imóveis da União que seriam cedidos ao MEC. Os bens seriam usados para lançar títulos de investimento imobiliário no mercado financeiro. No entanto, apenas um percentual poderá ser aplicado às universidades, pois o foco é repassar parte da rentabilidade. O governo prevê que R$ 33 bilhões sejam captados em fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (criados para alavancar o desenvolvimento destas regiões) e outros R$ 17,7 bilhões a partir de leis de incentivo fiscal). O MEC ainda estipula R$ 1,2 bilhão vindos com o lucro de produtos culturais nas universidades e R$ 700 milhões da utilização econômica do espaço público. O dinheiro não existe. A captação dependerá do interesse de empresas privadas em investir.

 

2-Fundo DE AUTONOMIA FINANCEIRA

O projeto prevê a constituição de um Fundo com a finalidade de possibilitar o aumento da “autonomia financeira das IFES”. Podem fazer parte deste fundo receitas advindas de:

n Prestação de serviços como estudos, pesquisas, consultorias e projetos

n Comercialização de bens e produtos com a marca das instituições apoiadas
n Doações da rentabilidade das cotas do MEC nos fundos que dispõe

n Quantia recebida em decorrência das leis de incentivo fiscal

n Alienação de bens e direitos

n Aplicações financeiras, alugueis, dividendos, concessões, foros, comodatos e bonificações

n Exploração de direitos de propriedade intelectual

n Mensalidades na pós-graduação lato sensu

n Acordos e instrumentos congêneres com entidades nacionais e internacionais

n Doações, legados e subvenções realizadas por pessoas físicas ou empresas, de direito privado ou público, inclusive de estados e municípios, outros países e organismos internacionais ou multilaterais

3-Universidades e as Organizações Sociais

As Organizações Sociais (OSs) passam a gerir os recursos privados, por meio de contratos de gestão firmados com as universidades. A organização social deverá:

n Apoiar a execução das atividades vinculadas aos eixos do programa – Gestão, Governança e

Empreendedorismo; Pesquisa e Inovação e Internacionalização.

n Adotar as diretrizes de governança que serão definidas pelo MEC

n Apoiar a execução de planos de ensino, pesquisa e extensão das universidades

n Realizar o processo de gestão dos recursos relativos a investimentos em empreendedorismo,

pesquisa, desenvolvimento e inovação;

n Auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis das instituições federais participantes

n  Adotar programa de integridade, mapeamento e gestão de riscos corporativos,

controle interno e auditoria externa

A Organização Social deverá obedecer a requisitos de governança e transparência. As OS deverão manter, em ambiente de transparência ativa da Instituição de Ensino, dados referentes a: suas receitas e despesas; remuneração de seus colaboradores, inclusive dos servidores cedidos; contratos de gestão, com as metas, indicadores de desempenho; prestação de contas e relatórios de avaliação; contratos de aquisição de bens e serviços; e demais dados e informações relevantes à governança pública e ao controle

 

4-Empreendedorismo

As universidades que aderirem ao programa deverão atuar para:

n Apoiar a criação, atração, implantação e a consolidação de ambientes promotores de inovação, com foco no estabelecimento de parceria com o setor empresarial, incluindo parques e polos tecnológicos, incubadoras e startups

n Aprimorar modelos de negócios e oferecer inovações à sociedade

n Promover ações de empregabilidade para os alunos das instituições

 

5-Departamentos e SPEs

O programa prevê a criação de Sociedades de Propósito Específico (SPE) por departamento das universidades. A partir destas SPEs, professores podem se associar a projetos, pesquisas ou consultorias. Um percentual do lucro auferido com as atividades serão destinados às universidades.


6-Professor e lucro

O professor em dedicação exclusiva poderá exercer atividade remunerada de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com obtenção de lucro por registro de patente ou propriedade intelectual. Tal remuneração é considerada de natureza privada e não conta para plano de cargos e salários ou previdência.


7-Ênfase na área tecnológica

O projeto abrange a área tecnológica, ligada à inovação e a aplicação direta pela sociedade. Nenhum trecho das nove páginas do texto que está em consulta pública menciona as Ciências Humanas e Sociais.

 

8-Exploração comercial de espaços e imóveis

A universidade que aderir ao programa deve utilizar cessão de uso, concessão, comodato, fundo de investimento imobiliário, parceria público-privada para aumentar receitas. Também deve promover suas marcas e produtos e pode conceder a pessoas físicas ou jurídicas o direito de nomear uma parte de um bem, local ou evento, em troca de compensação financeira (naming rights).

 

Jogo de luzes, supertelão, jargão financeiro e seleção brasileira

Parecia o lançamento de um Iphone. Jogo de luzes na abertura e ministro aparecendo no centro do palco como se fosse um Steve Jobs. Supertelão exibindo um PowerPoint caprichado (alô, Dallagnol!). Técnicas de oratória do mundo empresarial. Mas o “produto” que a dupla Abraham Weintraub e Arnaldo Lima tentou vender ao público e à imprensa, no último dia 17, foi a “indústria do conhecimento” brasileira.

Weintraub trabalhou com os clichês: “O mesmo ideograma  chinês para crise significa oportunidade” e citações de Winston Churchill. Em busca de empatia, Arnaldo Lima foi quem usou e abusou de analogias futebolísticas. Antes de expor o projeto, fez questão de lembrar que na mesma data a Seleção Brasileira alcançou o tetracampeonato mundial há 25 anos. “Não riam, um dia eu joguei futebol e ganhei uma bolsa para estudar nos Estados Unidos”, brincou o secretário da Educação Superior.

Ao tratar do Fundo Soberano do Conhecimento, disse que o dispositivo seria a camisa 10 do Future-se. “Vamos falar para o investidor: ‘por que vai investir no Neymar? Vamos investir na base do Santos! Mas não temos a base do Santos, e sim a da Seleção Brasileira’”, comparou.

O Fundo foi apresentado como o grande chamariz para o capital externo. “Sua empresa está preocupada com a Amazônia? Não doe para uma ONG. Ganhe dinheiro!”, sugeriu.

A solução do secretário seria comprar as cotas do fundo para “explorar esse laboratório a céu aberto”.

Os jargões financeiros também foram bastante utilizados pelo secretário. Um momento diferente da  apresentação, a cinco minutos do fim, foi quando Arnaldo tirou a gravata, ainda em busca de simpatia dos espectadores. O secretário acredita que os estudantes devem confrontar suas barreiras com o empreendedorismo e “botar no bolso”. “Nós temos várias barreiras. No meu caso, hoje, a gravata”, disparou Arnaldo, enquanto se libertava do acessório.

Foi “funding” para lá, “Sociedade de Propósito Específico” para cá, “naming rights” acolá, entre outros.  Dialogando com investidores, Lima esqueceu apenas de dizer como universidades e institutos federais seriam beneficiadas pelas medidas. Não entregou nada.

Fonte: Julia Noia / ADUFRJ