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Polêmica em edital do CNPq expôs a misoginia na carreira científica

Para quem se dedica à pesquisa científica no Brasil, a carreira apresenta desafios constantes. E essa realidade é ainda mais desafiadora para a parcela das mulheres presente nessa área. Afinal, mesmo na produção de conhecimento acadêmico ou científico, podem ser percebidos os reflexos da sociedade colonial-patriarcal, que se revelam na forma do machismo, da misoginia e do sexismo.

Essa situação ficou evidente, recentemente, no caso da professora e pesquisadora Maria Caramez Carlotto, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ela denunciou, em suas redes sociais, a violência de gênero sofrida no processo de avaliação para a concessão de bolsa de produtividade (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

De acordo com ela, o parecer em que foi negado o seu pedido reconheceu a sua carreira, porém ressaltou o fato dela não ter realizado pós-doutorado no exterior. Requisito esse que não estava previsto no edital, e o que é pior: o parecer aponta que “provavelmente suas gestações atrapalharam essas iniciativas”.

Em resposta ao ocorrido, o CNPq publicou nota no último sábado (06/01), em que admite o equívoco na avaliação. De acordo com a agência, usar a gravidez como critério de reprovação denota “juízo de valor preconceituoso”. Algo contrário aos preceitos de representatividade, inclusão, defendidos pelo próprio CNPq. Além do que, ainda segundo a nota, os requisitos do edital não incluíam a realização de pós-doutorado no exterior.

Para lidar com a situação, a nota do CNPq apresenta alterações no processo de avaliação de projetos submetidos a bolsas em editais de pesquisa. De acordo com o documento, passa a ser obrigatória a extensão de dois anos no prazo de avaliação da produtividade para pesquisadoras, que passaram por gestação ou por processo de adoção.

Embora essa posição do CNPq possa ser considerada um ponto de partida relevante à inadequação praticada, é ainda tímida diante do que se deve vislumbrar como avanço para acabar com todas as formas sexistas de poder explicitadas dentro das instituições. A primeira pergunta que deveria ser feita é para às mulheres pesquisadoras com filhos recém-nascidos ou adotados, se dois anos são suficientes para a retomada das atividades na pesquisa, pois há neste horizonte temporal o pressuposto de que após um (1) ano ou um pouco mais, a mulher cuidando de um bebe, tem plena condição de retomar suas atividades de pesquisadora, procedendo no limite de dois anos, sua avaliação de produtividade.

Além disso, a nota explica que o parecer foi realizado no modelo ad hoc. Ou seja, elaborado por um conjunto de especialistas que avaliam as propostas submetidas. Assim, o parecer pode ser aceito ou recusado pela agência. Por isso mesmo, a diretoria-executiva determinou que, em até dois meses, seja criado um grupo de trabalho para elaborar um código de ética, que sirva de base para a atuação dos Comitês Assessores (CAs) e dos pareceristas ad hoc. Aqui também vale considerar a relevância de contemplar neste código de ética, o direito humano das mulheres pesquisadoras serem mães.

A rápida ação do CNPq em relação ao acontecido é digna de reconhecimento. Ainda assim, causa revolta que práticas como essa ainda aconteçam. Na verdade, essa situação evidencia como o machismo, a misoginia e o sexismo persistem nos ambientes acadêmicos, inclusive, prejudicando e desestimulando a presença de mulheres na produção do conhecimento científico. Por isso, esperamos que as ações propostas avancem e sejam, de fato, executadas, assim como sirvam de exemplo de boas práticas em todas instituições dedicadas à produção de conhecimento.

A defesa da produção científica no Brasil é trazida à tona, continuamente, em debates e ações do APUBHUFMG+. E, nesse contexto, buscamos discutir e combater as desigualdades de gênero no trabalho desenvolvido nessa área. Lutar pela Ciência brasileira perpassa, necessariamente, por combater as desigualdades de oportunidade que afetam a nossa população dentro das instituições. Mulheres pesquisadoras e cientistas seguem em luta!