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Em audiência pública, ALMG discute Ensino Domiciliar

Em audiência pública realizada no dia 06 de dezembro, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais promoveu um debate sobre “os impactos na comunidade escolar do modelo de educação domiciliar no Brasil”. Convocada pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, a audiência contou com a participação de pessoas parlamentares, educadoras, familiares, estudantes, pesquisadoras com posições favoráveis e contrárias à educação familiar. Desde 2019, tramita na ALMG o projeto de lei nº 713/2019, que trata da educação domiciliar no Estado de Minas Gerais. Durante as três horas de audiência foram abordados a (in)constitucionalidade de uma lei estadual de homeschooling, bem como o papel da socialização, da escola e das famílias na educação das crianças.

Primeiro a falar, Alexandre Magno Fernandes Moreira, advogado e professor de Direito Educacional, ressaltou que o debate não era sobre a constitucionalidade da educação domiciliar, pois ela já foi definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018. “É constitucional, mas precisa de lei para ser considerada como direito e é a lei que vai permitir a atuação estatal sobre a educação domiciliar”, disse.  Ele lembrou ainda que não existe uma lei em MG e que não se deve discutir a existência ou a pertinência da educação domiciliar, pois ela já é praticada por muitas famílias no país. Ou seja, um fato consumado.  Para o advogado, os grandes pontos de discussão são:  se Minas Gerais tem interesse em regulamentar, fiscalizar a educação que já está sendo promovida em milhares de lares no estado; a quem interessa não regulamentar a educação domiciliar e se regulamentação vai contribuir para o direito à educação de crianças e adolescentes no estado.

Teodoro Adriano Costa Zanardi, Professor do Departamento de Educação da PUC Minas e Doutor em Educação ressaltou que é de extrema importância pensar sobre a educação domiciliar, mas que o debate passa necessariamente pela educação escolar.  Zanardi concordou que o Supremo deixou a cargo do Congresso Nacional a elaboração de uma lei que regulamente a educação domiciliar. No entanto, ressaltou que a Constituição em seu artigo 22 da Constituição, inciso 24º já preconiza que é de responsabilidade da união a regulamentação das diretrizes e bases da educação nacional. Isto é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) prevê todo o processo de escolarização dentro do âmbito nacional. “Assim nós já temos de forma muita clara a regulamentação daquilo que é a educação em nosso país e o papel da escola. E nessa lei prevê a obrigatoriedade da escolarização, da matrícula e frequência das crianças de 04 até os jovens de 17 anos. Por isso não há um vácuo jurídico. Não há vácuo a ser preenchido pelo estado”, explicou. De acordo com o professor, o destino desse projeto de lei estadual, sem a regulamentação federal, é o mesmo daquelas propostas, como a da escola sem partido, pois são projetos natimortos, por seriam inconstitucionais, devido à competência da casa legislativa.

Para ele, não se pode falar que a educação domiciliar é um fato consumado, pois se consumaria exclusões, uma vez que muitas crianças estão fora das escolas não por opção da educação domiciliar, mas por causa da pobreza e da miséria e por isso impedidas de exercer o seu direito à educação. O professor destacou também que no modelo escolar não há antagonismo oposição entre família e escola quando se fala na obrigatoriedade na educação das crianças. “É impressionante estarmos discutindo em 2022 uma pauta pré-moderna, pré-revolução industrial que vê na família um ambiente de pura virtude e delega a ela a responsabilidade exclusiva de educar a criança”, concluiu.

Defensora da educação domiciliar Marina Viana, presidente da Associação das Famílias Educadoras de Minas Gerais – ASFEMG, justificou que a família dá continuidade à educação de seus filhos, pois é quem melhor compreende suas necessidades e complexidades. Em sua visão, a escola nem sempre consegue lidar com essas complexidades. Viana ainda disse que as críticas à escola domiciliar foram intensificadas por causa do tipo de educação vivenciada na pandemia. Para ela, a educação domiciliar é intencional e a da pandemia foi compulsória.  Marina também criticou a atuação do poder público e das escolas em relação às violências nas escolas e nas famílias, dizendo que 62% dos casos de abuso são denunciados por mães e não pelas escolas. Disse ainda, que a preocupação com a violência é um dos fatores que levam as famílias à preferência pela educação domiciliar.

Maria Cristina Soares Gouvêa, psicóloga, professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação Infantil – Faculdade de Educação/UFMG iniciou a sua participação falando sobre a importância da escuta das crianças, suas necessidades, desejos e características na fase de aprendizagem. Nesse sentido, falou sobre a comprovada importância da socialização, pois “aprende-se a viver em sociedade vivendo-se em sociedade”. Ela explicou que a sociedade é caracterizada por dois espaços distintos: a socialização primária que se dá no interior da família; e a secundária que é desenvolvida em instâncias públicas mais amplas. A pesquisadora lembrou que a criança é um ser eminentemente social e que os seres humanos são sociais e precisam do outro. “O outro que não é o pai, não é o irmão, não é a mãe. O outro são outras crianças que nos dão referência de mundo, que nos possibilitam compreender o mundo, trocar experiência”, disse. E completou afirmando que retirar da criança a possibilidade de socialização é retirar o seu direito à convivência com seus iguais, com sujeitos da mesma idade que trazem experiências distintas.

Cristina fez também uma defesa da escola como lugar plural no qual, por meio da troca com o outro, a criança tem a sua aprendizagem muito mais ativada.  E disse também que pais e mães não têm qualificação profissional para conferir aos filhos uma aprendizagem de qualidade, porque para isso se tem o Curso de Pedagogia e que o lugar dos pais não é de professores. De forma contundente, a professora refutou as falas que desqualificaram a escola e as pessoas profissionais dessa instituição. Por fim, ela apontou a gravidade de se discutir uma política pública de educação sem escutar as crianças, que são cidadãs e sujeitos de direito.

Também participaram os professores Rodrigo Ednilson de Jesus, cientista social, professor e pesquisador do Programa Ações Afirmativas e presidente da Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão Social da UFMG e Rudá Ricci, cientista político e Presidente do Instituto Cultiva.

Por problemas técnicos a professora Analise da Silva (1ª vice-presidenta do APUBH) não conseguiu ser ouvida em sua participação virtual. Porém, já se disponibilizou para novas audiências sobre a temática nas quais levará o posicionamento do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais que coordena representando a UFMG.

Confira aqui a audiência completa: Confira aqui a audiência completa: https://youtu.be/MPxx3BfuMjo