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Bolsonaro prestes a perder o foro privilegiado. O que o aguarda?

Jair Bolsonaro, futuro ex-presidente da República, pode estar próximo de ter de acertar as contas com a justiça comum brasileira. Isso porque, com o fim de seu mandato, que se encerra em 31 de dezembro de 2022, o político também perderá o direito ao foro especial por prerrogativa da função. Lembrando que quatro inquéritos pesam sobre Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), por crimes praticados no desempenho como chefe de Estado.

Bolsonaro é acusado, no inquérito 4888, de ter espalhado notícias falsas sobre a vacina contra a Covid-19. O presidente mentiu ao dizer que pacientes imunizados contra o vírus, no Reino Unido, estariam “desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS]”. No entendimento da Polícia Federal (PF), as falas se configuram como crime, uma vez que serviram de incentivo para que fossem descumpridas medidas de segurança sanitária, então obrigatória. O presidente teria infringido, portanto, o art. 286, que descreve o crime de incitação pública à prática de crime. A acusação foi feita pela CPI da Covid, e  o caso está sendo investigado pela PF com a supervisão do STF.

Já no inquérito 4781, Bolsonaro é acusado de ter espalhado notícias falsas sobre o processo eleitoral no Brasil, bem como falsas comunicações de crimes e ameaças contra os ministros do STF. A investigação ajunta  falas que foram proferidas durante live do presidente. Nesse sentido, ele foi incluído no inquérito sobre fake news e milícias digitais, que tramita em sigilo no STF.

Outra acusação que pesa sobre Bolsonaro trata de suspeitas de interferência política sobre a Polícia Federal, incluindo alterações na cúpula da corporação para tentar acobertar parentes e outras pessoas próximas de serem alvo de acusações. A investigação consta no inquérito 4831, a partir de denúncias do ex-juiz Sergio Moro, que chegou a ser ministro do governo Bolsonaro. A Procuradoria Geral da República (PGR) ainda tentou arquivar o caso, porém o pedido ainda não teve resposta do ministro Alexandre de Moraes.

E logo após a live em que teceu acusações infundadas contra as urnas eletrônicas (falas essas que são alvo do inquérito 4781, como abordado acima), o presidente vazou, em suas redes sociais, dados sigilosos que compõem investigação federal sobre uma invasão hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O caso é tema do inquérito 4878, integrando a apuração sobre fake news (também citado acima), com base em uma notícia-crime enviada pelo TSE. Mais uma vez, a PGR tentou agir em favor do presidente, pedindo o arquivamento do processo. O pedido, todavia, foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Aliás, cabe chamar a atenção para os esforços contínuos da PGR para livrar o presidente das acusações, o que demonstra o aparelhamento do órgão pelo atual governo. O procurador-geral da República, Augusto Aras, que foi indicado pelo governo Bolsonaro, protagonizou várias situações desse tipo. Além do que, Aras não estaria cumprindo os prazos estabelecidos para a análise de processos enviados pelo STF, como relatado em uma reportagem recente do jornal Valor Econômico, baseada em dados do portal Corte Aberta. Ainda de acordo com o jornal, a lerdeza em lidar com os processos estaria alimentando um clima tenso entre a Corte e a Procuradoria.

E não para por aí. Além dos inquéritos, devem ser retomadas duas ações penais por incitação ao estupro e injúria contra a deputada federal Maria do Rosário (PT), praticados por Bolsonaro, quando era deputado federal. De acordo com a Constituição, o presidente da República não pode ser julgado por questões que não digam respeito ao cargo, enquanto durar o seu mandato. Por isso, as ações estavam suspensas desde 2019.

Além disso, no mês de setembro, o Tribunal Internacional Permanente dos Povos condenou Bolsonaro por crime contra a humanidade por atos dolosos durante a Covid-19. Trata-se de uma condenação simbólica e moral grave, ampliando a pressão política internacional sobre Bolsonaro, o que poderá levar este debate ao Tribunal Penal Internacional de Haia, este sim, com poder concreto de condenação, conforme anunciado no Portal Uol, em 01 de setembro.

Esse amontoado de acusações e o uso político da máquina pública contrastam com o discurso de “honestidade”, que ajudou o governo Bolsonaro a subir ao poder. Discurso que, inclusive, continua vivo na boca de seus partidários mais ferrenhos. Agora, sem a proteção do foro privilegiado, o Brasil aguarda a apuração dos fatos, bem como que a Justiça seja, exemplarmente, aplicada nos processos de reparação.