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NADi Entrevista: Saúde Mental docente! APUBH UFMG+ atento!

Em um mês marcado por diversas discussões midiáticas sobre Saúde Mental, prevenção a adoecimentos psíquicos e autocuidado, é preciso alertar que não existe garantia de saúde mental sem compreensão efetiva daquilo que a promove, como as condições concretas de vida. Se não há questionamento e reflexão sobre o que adoece, não há efetividade em promoção de saúde mental.

As associações de trabalhadores e sindicatos compreendem, desde o seu o surgimento na Europa e Estados Unidos em pleno ápice da industrialização vivida no século XIX, que àquela época, a degradação da saúde tinha completa relação com a exacerbada e profunda exploração de mão-de-obra. Diante dos efeitos nefastos na saúde de trabalhadores, essas associações tinham por objetivo a reivindicação de condições dignas de trabalho. Entre tantas outras pautas, hoje, os objetivos se mantêm: condições de trabalho melhores, mais dignas e promotoras de saúde.

Atento ao fato de que o trabalho pode ser fonte importante de adoecimentos, o APUBHUFMG+ criou um Núcleo de Acolhimento e Diálogo específico para compreender a relação entre trabalho e saúde para a categoria docente. O Núcleo tem atuado desde 2020 e já possui experiência em vários temas relacionados à saúde de professoras e professores e sua relação com a atividade docente.

O núcleo conta com a abordagem da Psicologia do Trabalho, que sobretudo, compreende a saúde mental atrelada a uma profunda e íntima relação com as condições concretas de vida, dentre elas, a mais fundamental: o trabalho.

Para explicitar ainda mais a atuação, bem como, as potencialidades do serviço oferecido, pelo Sindicato, convidamos a professora aposentada do Departamento de Psicologia da UFMG, Maria Elizabeth Antunes Lima[1], para nos ajudar nessa compreensão por meio do quadro “NADi Entrevista”:

 

A seguir, a entrevista com a professora Maria Elizabeth Antunes Lima:

– Professora, como a Psicologia do Trabalho pode contribuir para a compreensão dos processos de produção de saúde e doença das categorias profissionais?

A Psicologia do Trabalho é uma vertente da Psicologia que nasceu de um questionamento fundamental a respeito da forma pela qual as atividades laborais afetam, positiva ou negativamente, a saúde mental daqueles que as realizam. Este foco sobre a saúde mental impõe um olhar privilegiado para a organização do trabalho, isto é, para todas as dimensões que afetam mais diretamente o psiquismo do trabalhador: o conteúdo das atividades, as relações interpessoais, tanto horizontais quanto verticais, o modelo de gestão adotado, nas suas dimensões econômicas, políticas e ideológicas. Essa vertente emergiu também de uma prática voltada para a compreensão das situações reais sob as quais as pessoas vivem e trabalham, ou seja, suas condições efetivas de existência, permitindo ao psicólogo constatar uma relação estreita entre os diferentes exercícios profissionais e os processos saúde/doença. Tudo isso conduziu aos estudos que desvelam como as formas de produzir e reproduzir a vida culminam em modos diversos de adoecer, morrer ou mesmo de preservar a saúde. Muitos desses estudos têm revelado que, para além da singularidade inequívoca na expressão desses processos, existem formas coletivas de desgaste que se manifestam, por exemplo, em categorias profissionais específicas. Assim, é possível constatar a prevalência de certos tipos de transtornos mentais entre indivíduos pertencentes à mesma categoria, levando à necessidade de identificar aqueles elementos presentes no seu cotidiano profissional suscetíveis de contribuir para seu surgimento. A partir daí, busca-se estabelecer formas de intervenção, visando transformar tal situação, sempre apoiadas no resgate do protagonismo dos trabalhadores. Ao buscar sua valorização, o capital provoca um tipo de desgaste que consiste em assumir o controle sobre o uso da força de trabalho, reduzindo a capacidade coletiva de protagonizar a própria história. Como este elemento encontra-se no centro da conquista da saúde mental, necessita ser resgatado em qualquer intervenção psicológica cuja finalidade seja tornar os contextos laborais mais saudáveis.

 

– Como você vê a presença da Psicologia do Trabalho em entidades sindicais?

Vejo essa presença de uma forma muito positiva, uma vez que, o psicólogo do trabalho é aquele que, entre os profissionais da saúde do trabalhador, irá trazer um olhar inovador para esse contexto, ao lançar uma luz sobre a saúde mental. Enquanto tradicionalmente ocorre uma preocupação, sem dúvida legítima, com a saúde física por meio da melhoria das condições de trabalho, o psicólogo se volta para a saúde mental, com o foco privilegiado sobre seu modo de organização. Nesse sentido, ele visa transformar, não apenas o conteúdo da atividade, mas também as relações de poder que o determinam. Ocorre que as entidades sindicais têm, entre outros, o papel de compensar os excessos presentes nas relações capitalistas de trabalho de modo a preservar os que se encontram no lado mais frágil dessa equação, inclusive, no que diz respeito à sua saúde. Assim, o estímulo à tomada de iniciativa, ao uso da energia criativa e ao protagonismo nos processos de transformação do trabalho, consiste em uma prática essencial na redução do desgaste coletivo. Penso, que, ao intervir sobre aspectos tão centrais, presentes nessas relações, aqueles que afetam mais diretamente a saúde mental dos trabalhadores, o psicólogo que atua pela via sindical tem mais chances de contribuir positivamente para a redução das barreiras que impedem a conquista de uma atividade profissional mais saudável.

 

O APUBH UFMG segue engajado com a discussão crítica sobre saúde mental e sua relação com as vivências laborais e reafirma seu compromisso com a luta por dignidade no trabalho.

 

[1] Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1977), mestrado em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (1986), doutorado em Sociologia do Trabalho pela Universidade de Paris IX (Paris-Dauphine) (1992) e pós-doutorado em Clínica da Atividade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers – CNAM (Paris-França). É Professora Titular aposentada pela Universidade Federal de Minas Gerais onde atuou na área de Psicologia do Trabalho, com ênfase em Saúde Mental no Trabalho, pesquisando, principalmente, os seguintes temas: ergoterapia, psicopatologia do trabalho e segurança no trabalho.