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“Morrer de trabalhar”, quando uma hipérbole vira vida real

“Os olhos dela se fecharam entre cobranças e metas. A rotina escolar prosseguiu, como tantas vezes faz diante do absurdo. Mas algo aconteceu. E está acontecendo. O risco é real. E cresce a cada chamada realizada no diário de classe”

Esse é um trecho da reportagem que relata e lamenta a morte de uma professora da educação básica de Curitiba após passar por cobranças da equipe pedagógica por não ter cumprido as metas das plataformas digitais. A professora Silvaneide Monteiro Andrade, de 56 anos, sofreu um infarto fulminante, após uma reunião tensa, que se acumula à uma organização do trabalho regada a metas exigentes. Ela faleceu em meio aos colegas, em pleno expediente. Não parece uma obra do acaso ou uma terrível coincidência, mas o estopim para uma saúde degradada pelas condições de trabalho nefastas.

A morte da professora Silvaneide soma-se às mortes que podemos conceber como “invisíveis”, aquelas que ocorrem sem uma investigação e estabelecimento de vínculo ou nexo causal entre o ocorrido e as condições de trabalho. Muitas vezes, camufladas pelas pré-disposições individuais e pelo viés biologicista (que enfatiza os fatores biológicos na compreensão da produção dos processos de saúde e doença), escondem-se as condições concretas de vida e trabalho degradantes que produzem efeitos silenciosos, continuados e profundos na saúde de cada trabalhadora e trabalhador.

De acordo com os pesquisadores Silva e Fischer (2024) as três principais causas de afastamento do trabalho entre os docentes de educação básica, estão: problemas relacionados à voz com 15,8%; distúrbios musculoesqueléticos com 14,7%, e logo em seguida problemas emocionais, que soma 12,9% dos afastamentos. De maneira geral a precariedade das condições de trabalho incluindo falta de apoio, ambientes estressantes e sobrecarga de trabalho contribuem significativamente para os adoecimentos dessa categoria.

O silenciamento, a invisibilidade, a ausência de investigação de nexo, acabam por funcionar como uma das engrenagens que alimentam a grande roda de moer gente do capitalismo, que degrada o ambiente, as condições e coletivo e faz definhar cada trabalhador e trabalhadora, que enfrentam dia após dia a precariedade inerente ao trabalho no capitalismo e, por vezes, pagam com a própria vida!

Morre-se de infartos, doenças cardiovasculares, cânceres, doenças metabólicas, doenças auto-imunes… morre-se de tudo, mas quase nunca de condições degradantes de trabalho, uma vez que não há investigação, reconhecimento ou estabelecimento de nexos. Aos poucos, de forma visceral e silenciosa, aquilo que é nocivo se entranha no corpo, no comportamento e na saúde mental de cada indivíduo, que muitas vezes, solitária(o), lida com sua moléstia atribuindo suas causas às suas próprias fragilidades, à sua própria sorte, ou a falta dela.

Não se pode desprezar os fatores biológicos, mas tampouco podemos menosprezar os psicossociais. É preciso pensar nas condições de trabalho, em como elas moldam as condições de vida, a subjetividade, o acesso e promoção de saúde e doenças de maneira coletiva. Enquanto Silvaneides e tantas outras pessoas morrem no próprio local de trabalho, quantas(os) trabalhadoras(es) partem em casa, diante dos seus entes queridos ou sozinhos, longe de qualquer suspeita de que aquele trabalho era motivo de sua grande inquietude existencial. E mesmo aquelas que ali deixam seu último suspiro, não tem reconhecimento de que o trabalho poderia ser seu grande algoz.

Silvaneide manifestou seu último ímpeto de sofrimento em plena reunião de cobranças por não atendimento às metas das plataformas digitais, algo corriqueiro para docentes também do Ensino Superior, que acabam por ter longas horas de trabalho ocupadas com o excesso de preenchimento de relatórios diversos (e repetidos), com prazos exigentes. Além, claro, da intensificação do ritmo de trabalho, da naturalização da aceleração, da normalização do cansaço, do culto ao produtivismo, tudo isso… silenciosamente… vai produzindo novas formas de existir no trabalho, formas cada vez mais penosas e difíceis que podem culminar em desfechos trágicos.

A luta por condições dignas de trabalho precisa ser uma luta constante, uma pauta contínua! Trabalho digno é condição básica de saúde no trabalho!

 

Veja a reportagem completa em: https://iclnoticias.com.br/professor-cuidado-a-sala-de-aula-esta-matando/