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Janeiro Branco: uma oportunidade para refletir

Somos socialmente produzidos e saúde mental requer coletividade, senso de pertencimento, identidade e sensação de acolhimento. Saúde mental não pode ser tratada somente por uma lógica individual, é uma questão coletiva. Na sociedade capitalista neoliberal, que individualiza e patologiza, tudo que desvia a norma produtiva é massacrado. A classe trabalhadora vivencia todos os dias esse massacre, que atua  cotidianamente, como determinante social central na produção de sofrimento psíquico:

Se por um lado, o sofrimento faz parte da própria condição e experiência humana, por outro, isso não significa que não haja condições sociais que produzam e intensifiquem o sofrimento, condições estas que, sendo elas mesmas históricas e contingentes, podem ser superadas.[1]

 

No Brasil, muito se evoluiu com a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial, que visou romper a lógica individual do sofrimento psíquico e a abolição dos dispositivos de exclusão, violência e isolamento dos sujeitos em sofrimento. Como resultado da reforma, a criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), uma rede complexa que perpassa vários dispositivos do Sistema Único de Saúde (SUS) como as unidades básicas de saúde, os núcleos de apoio a saúde da família, os consultórios de rua, os centros de convivência e cultura, os centros de atenção psicossocial nas suas diferentes modalidades, além de oferecer apoio a serviços de atenção residencial de caráter transitório. Baseada em um modelo assistencial multiprofissional de portas abertas, a RAPS, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva tem como objetivo: “reparar danos históricos causados, de forma iatrogênica, à vida daqueles que que foram confinados em manicômios[2].

Essa política, fruto de lutas e avanços, vem sendo duramente atacada desde o governo Temer, com a Emenda Constitucional 95 e ampliação de leitos psiquiátricos. No atual governo, o ataque tomou nova roupagem, com proposta de fortalecimento de comunidades terapêuticas, que são equipamentos que se equivalem a “novos manicômios”. Na contramão da orientação da Organização Mundial da Saúde e do que o cenário pandêmico demandava, o atual governo atacou mais de 100 portarias que regem o funcionamento da RAPS, quando deveria ter fortalecido o dispositivo e revogado o teto de gastos com saúde em plena pandemia da Covid-19.

Mas a política de retrocessos do atual governo não é surpresa. Afinal, a que servia os manicômios? Para abrigar e isolar os desajustados, os rebeldes e desobedientes. Essa lógica é bastante conveniente e coerente à necropolítica e o neoliberalismo que avançam indiscriminadamente no Palácio do Alvorada. O Brasil possui números exacerbados de depressivos, ansiosos e esgotados pelo trabalho. Para onde vão essas pessoas? Sob qual lógica serão “tratadas”? Se não servem ou cabem mais na “esteira capitalista”, na lógica neoliberal é melhor que sejam isolados, de maneira a não prejudicar a grande roda do mercado que precisa continuar rodando e rodando.

É preciso lembrar que saúde mental requer condições para que ela aconteça. Políticas públicas fortes e com acesso efetivo são fundamentais e requerem investimento. A luta pela manutenção dos dispositivos da rede pública de saúde e pela lógica antimanicomial é fundamental para que a população possa ter sua saúde mental cuidada de forma ética e digna. Além disso, não há saúde mental sem segurança alimentar, sem empregos, ou em um cenário de violências estruturais, descaso do poder público e negacionismo. O APUBH UFMG+ está aberto às demandas de saúde da categoria docente, especialmente a saúde mental, por meio do Núcleo de Acolhimento e Diálogo (NADi). Participe conosco!

[1] https://jacobin.com.br/2022/01/por-uma-esquerda-antimanicomial/

[2] https://www.abrasco.org.br/site/noticias/posicionamentos-oficiais-abrasco/nota-contra-a-proposta-de-desmonte-da-rede-de-atencao-psicossocial-apresentada-pelo-ministerio-da-saude/54848/