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Nota Jurídica sobre o caso FUNPRESP e as Americanas S/A

O caso das grandes perdas da gigante varejista Americanas levou muitos servidores a ficarem receosos em relação às suas aposentadorias. Isso porque a FUNPRESP, alternativa de complementação da aposentadoria oferecida pelo Governo Federal, utiliza o mecanismo de capitalização das contribuições recebidas, realizando investimentos no mercado financeiro, inclusive na bolsa de valores, de modo a permitir, em tese, uma maior liquidez do patrimônio arrecadado.

Criada pela Lei 12.618/2012, a FUNPRESP-Exe, FUNPRESP-Leg e FUNPRESP-Jud, de início, foram estruturadas na forma de fundação, de natureza pública, com personalidade jurídica de direito privado, tendo o papel de operacionalizar o Regime de Previdência Complementar (RPC) dos servidores federais e que têm suas aposentadorias sujeitas ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Em 4/2/2013, foi autorizada a funcionar pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, e por ela é fiscalizada desde então. Com a edição da Medida Provisória nº 1.119, de 25 de maio de 2022, posteriormente convertida na Lei nº 14.463/2022, entretanto, foi retirada a referência à natureza pública de tais entidades, passando a constar a determinação expressa de que serão fundações com personalidade jurídica de direito privado.

Dada à exclusão da natureza pública foi alterada a anterior previsão de necessidade de sujeição de tais entes às normas de direito público, para dispor que respeitariam as normas de direito público, exclusivamente no que se refere à submissão à legislação federal sobre licitação e contratos administrativos. O objetivo da FUNPRESP é oferecer aos servidores um Regime de Previdência Complementar (RPC) por capitalização. Nele, as contribuições revertidas para o plano constituem uma reserva individual que será fonte para o pagamento de benefícios previdenciários futuros.

No que diz respeito a essa alteração, é importante ressaltar que a Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da Previdência), ao alterar o § 15 do art. 40 da Constituição Federal, que retirou a exigência de que tais entidades tivessem natureza pública, deu margem para tal alteração também na seara infraconstitucional. Trata-se, a nosso ver, de transferência da previdência complementar dos servidores públicos à iniciativa privada, com orientação distanciada da natureza e essência das prestações previdenciárias como modo de proteção social, com as perdas daí decorrentes para os seus participantes e beneficiários, aumentando sobremaneira os riscos para os servidores que optaram pela FUNPRESP.

O Regime de Previdência Complementar (RPC) é previsto pela Emenda Constitucional nº 20/98 como um regime privado, facultativo, e organizado na forma aberta (gerenciado, por exemplo, por bancos e seguradoras) ou fechada (fundos de pensão). Seu objetivo é constituir reservas pecuniárias, e seu sustento vem de investimentos feitos no mercado financeiro. O benefício não é definido – é dependente do sucesso (ou insucesso) dos investimentos com o dinheiro aplicado, sem a certeza de seu recebimento. Por consequência, aumenta-se a insegurança jurídica quanto à sua atuação no sentido de buscar a proteção social dos beneficiários de seus planos – e, portanto, quanto aos resultados dela, que repercutirão diretamente no valor dos benefícios a serem concedidos, especialmente em casos de má gestão ou até mesmo desvio de recursos. Assim, o Estado não poderá cobrir rombo de eventuais prejuízos que existirem nas aplicações.

Embora o Regime de Previdência Complementar – RPC seja obrigatório para os servidores federais que ingressaram na carreira a partir do início de sua vigência (em 04.02.2013), é facultativo para os servidores que ingressaram antes desta data. Os servidores que ingressaram no serviço público federal junto ao Poder Executivo após a instituição do regime em questão e que não fizerem sua adesão à FUNPRESP terão suas aposentadorias e pensões limitadas ao valor máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

O prazo para adesão, com garantia de pagamento de benefício especial, para os servidores federais que ingressaram no serviço público antes de 04.02.2013 foi prorrogado até 30 de novembro de 2022, pela Medida Provisória nº 1.119/2022, buscando com isso aumentar as adesões ao fundo. Quanto à opção, na ocasião da anterior reabertura do prazo pela Medida Provisória nº 1.119/2022, vencido em 30 de novembro de 2022, o APUBH alertou os servidores para a cautela exigida, especialmente considerando a exclusão da natureza jurídica pública dessa fundação pela referida MP e os riscos da opção.

Portanto, as possíveis perdas da FUNPRESP com o caso Americanas S/A acontecem porque a FUNPRESP é um investimento financeiro variável, o que oferece risco ao investidor. Isso significa dizer que parte do dinheiro da contribuição é investido pela própria Fundação, mas outra parte é investido por terceiros, gestores esses escolhidos por meio de processo de licitação, nos termos do art. 28 da Lei 13.303/2016[1], e que decidem como e onde investir. Por força de instrumento contratual firmado entre os gestores e a FUNPRESP, a fundação não pode exercer qualquer tipo de influência nas escolhas de investimentos administrados pelos gestores do fundo, ainda que acompanhe a gestão enquanto fiscalizadora.

De acordo com a própria FUNPRESP, a exposição do fundo ao mercado acionário se dá em virtude de aportes realizados em fundos de investimento que aplicam em ativos seguindo o Índice Bovespa, índice do qual as ações da empresa Americanas S/A faziam parte. Ainda segundo a Fundação, a FUNPRESP teria alocado indiretamente R$ 1,6 milhões em ações e R$ 19,90 milhões em debêntures da Americanas, totalizando 0,02% (ações) e 0,30% (debêntures) do patrimônio da Fundação.

No cenário atual, após o rombo das contas deflagrado pelas Lojas Americanas no dia 11 de janeiro do corrente ano e o seu pedido de recuperação judicial, em trâmite perante a 4ª vara Empresarial da capital do TJ/RJ, os riscos anunciados ficam mais evidentes, ante a exposição das aposentadorias dos servidores e servidoras às oscilações do mercado. No caso das Americanas S.A., a recuperação dos créditos decorrentes das debêntures somente será possível após o procedimento de habilitação a ser realizado pelos gestores que aplicaram os fundos de investimentos nos papéis de emissão da referida sociedade anônima, no processo de recuperação judicial, em trâmite perante a 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

Embora tenha noticiado que o valor, ainda que vultoso, não impactou significativamente o patrimônio da Fundação, a situação da Americanas S/A exemplifica uma das maiores fragilidades da FUNPRESP e, consequentemente para os servidores públicos federais.  Se a própria Fundação não pode exercer qualquer tipo de controle sobre as ações onde o dinheiro será aplicado, os servidores não têm qualquer participação sobre como, onde e em que percentual o dinheiro será investido. Assim, por estar sujeita à oscilação de mercado, a FUNPRESP não possui mecanismos de controle e defesa contra flutuações mercadológicas, não havendo garantia de pagamento das aposentadorias complementares, na hipótese de prejuízo nas aplicações. Nesse sentido, o pagamento não é uma promessa de valor, mas sim uma consequência da rentabilidade do fundo. Assim, tratando-se de um investimento variável, não existe uma certeza do valor, e sim uma promessa ou expectativa de valores a receber, que não geram direito adquiridos e podem ser reduzidos ou até zerados a depender dos investimentos realizados e das flutuações do mercado.

O sindicato APUBH permanecerá atento para quaisquer novas movimentações a respeito da FUNPRESP e suas aplicações e os impactos nas aposentadorias dos servidores públicos, especialmente para os professores do magistério superior e professores da carreira de magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT).

[1] Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30.