Acontece no APUBH, Notícias

Medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais

Em 12 de janeiro de 2024 entrou em vigor a Lei nº 14.811/2024 que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares e, dentre as alterações trazidas, está a criação da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, além da alteração do Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

As medidas de prevenção e de combate aos crimes contra menores serão válidas tanto para estabelecimentos públicos, quanto os estabelecimentos privados, por determinação legal e deverá ser implementado pelo Poder Executivo Municipal, com colaboração dos Estados e da União.

Dentre as mudanças trazidas pela referida Lei está a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, que incluiu o art. 59-A, conforme se segue:

Art. 9º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 59-A e 244-C:

“Art. 59-A. As instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses.

Parágrafo único. Os estabelecimentos educacionais e similares, públicos ou privados, que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes, independentemente de recebimento de recursos públicos, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores.

Por força desse artigo, criou-se a obrigatoriedade de que os estabelecimentos educacionais mantenham fichas cadastrais e antecedentes criminais de seus colaboradores, o que em análise jurídica virá a impactar professores em instituições de ensino básico, fundamental e médio, porquanto atuantes com crianças e adolescentes. Os demais colaboradores dos estabelecimentos também serão impactados pela determinação legal.

Além disso, a lei traz duas novas tipificações de crimes: o “bullying” e o “cyberbullying”:

Art. 6º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 146-A:

“Intimidação sistemática” (bullying)

Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:

Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

“Intimidação sistemática virtual” (cyberbullying)

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:

Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.”

Embora incluída em Lei voltada à proteção de crianças e adolescentes, a referida tipificação não se direciona apenas a eles como vítima, mas a qualquer pessoa que seja vitimada pelas condutas definidas.

A Lei 11.811/2024 ainda transforma os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente em hediondos, à exemplo do sequestro, cárcere privado e exploração de crianças e adolescentes.

A Lei gerará impacto nos professores da educação básica. Quando se debruça na análise da Lei, fica evidenciado  que o objetivo do Estado parece residir  na minoração da prática de bullying e cyberbullying, que tem produzido graves efeitos na sociedade.

No entanto, a Lei no seu Art.59-A é clara em dizer que as instituições “deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores”.  Isto significa que professores e professores que atuam no ensino básico deverão apresentar semestralmente, aquelas certidões.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), existem diferentes formas de violência contra crianças e adolescentes entre 0 e 17. Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são considerados crimes mais graves de violências contra menores, o abandono material, os maus-tratos, a lesão corporal no contexto de violência doméstica, a pornografia infanto-juvenil, a exploração sexual infantil, o estupro e as mortes violentas intencionais. Estes crimes registraram um aumento expressivo nos números em relação aos anos anteriores a 2022. As unidades da federação onde há uma maior incidência de votantes bolsonaristas – Estados de Roraima, Mato Grossi do Sul e Amapá – são os que lideram os crimes de estupro de crianças e adolescentes no Brasil e os pretos, os pardos seguidos dos indígenas são os grupos raciais mais violentados.

Segundo ainda o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), dos casos mais graves de violência no Brasil, o estupro é “um crime contra crianças e meninas, uma vez que mais de 60% das vítimas possuem menos de 14 anos e mais de 80% são do sexo feminino; as mortes violentas atingem principalmente adolescentes do sexo masculino”. Por sua vez, a negligência e o abandono estão relacionados as diferentes formas de vulnerabilidade social (pobreza e abuso de entorpecentes); a pornografia infanto-juvenil e a exploração sexual infantil vinculam-se “a uma lógica mercadológica relacionada à vulnerabilidade social” e os maus-tratos são majoritariamente domésticos.

Não há no Anuário menção de que os ambientes escolares e, principalmente, professores e professoras sejam agentes que contribuem, estatisticamente, para a macabra produção da violência contra menores. Então por que professores e professoras terão, segundo a Lei, que apresentar semestralmente certidão de bons antecedentes? Oobjetivo principal da Lei 14.811, parece ser o  de tipificar as condutas supracitadas e o cadastro determinado no art. 59-A, que envolve a manutenção de registros daqueles que atuam na garantia dos direitos das crianças e adolescentes.

Cabe ainda esclarecer, que a redação do referido artigo atribui e constitui obrigação à própria instituição e não aos trabalhadores pessoalmente.  organizar esse cadastro com a documentação pertinente.

Cumpre destacar, a exigência de antecedentes criminais por meio de previsão legal é considerada, juridicamente, válida, e desta perspectiva não constitui conduta discriminatória, haja vista estar pautada na natureza da atividade. No entanto, não sendo professores e professoras estatisticamente, relevantes na produção da violência contra menores no Brasil, politicamente, a Lei 14.811 produz uma discriminação a estes trabalhadores.

Por fim, vale registrar que a certidão de antecedentes criminais é um documento destinado ao registro de condenações criminais que já transitaram em julgado e que a normatização, da forma que se deu, não especificou se as certidões positivadas, a ausência da certidão ou do cadastro causarão algum tipo de efeito, impacto ou sanção às instituições ou a seus colaboradores.

Pelo momento, é possível afirmar que a obrigatoriedade passou a existir, que a responsabilidade foi dada a instituição e que não há previsão de penas ou consequências pela legislação ante ao seu não cumprimento, entretanto, o inadimplemento pode ser considerado como inobservância à legislação educacional.

O APUBH manifesta seu repudio a determinação da Lei 14.811 que, a nosso ver, pavimenta o projeto de criminalização da categoria de professores e professoras no país.