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Consulta jurídica sobre a possibilidade de contagem, para fins de aposentadoria de docentes do EBTT, do tempo de afastamento remunerado para capacitação

CONSULTA

Trata-se de consulta formulada pelo atual presidente do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco – APUBH, professor Helder de Figueiredo e Paula, acerca da possibilidade de considerar, para fins de aposentadoria de professor da educação básica, técnica e tecnológica, o período de afastamento para capacitação (como cursos de aperfeiçoamento, especialização, mestrado, doutorado ou pós-doutorado), nos termos da legislação aplicável aos servidores públicos federais.

O questionamento que deu ensejo a essa consulta surgiu por ocasião do encontro do APUBH e dessa assessoria jurídica com os professores do EBTT, realizado no COLTEC, em que um professor noticiou que o afastamento para cursar doutorado, mesmo com autorização da administração pública, não está sendo computado para fins de aposentadoria especial prevista para os profissionais do magistério, contida no § 5º do art. 40 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB).

 

1. ANÁLISE

1.1. APOSENTADORIA ESPECIAL DO(A) PROFESSOR(A)

O § 5º do art. 40 da CRFB estabelece uma regra de aposentadoria com requisitos de idade e tempo de contribuição reduzidos para os ocupantes do cargo de professor. A redação atual, dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019 (Reforma da Previdência), prevê:

CRFB – Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

(…)

§ 5º Os ocupantes do cargo de professor terão idade mínima reduzida em 5 (cinco) anos em relação às idades decorrentes da aplicação do disposto no inciso III do § 1º, desde que comprovem tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio fixado em lei complementar do respectivo ente federativo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

Assim, a resposta à consulta passa por dois pontos cruciais, que consistem em saber: a) Se o afastamento para qualificação é considerado tempo de efetivo exercício; e b) Se esse tempo de efetivo exercício pode ser enquadrado como exercido em funções de magistério.

O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.772, consolidou o entendimento de que as “funções de magistério” não se limitam à atividade estritamente em sala de aula, abrangendo também as atividades de direção, coordenação e assessoramento pedagógico, desde que exercidas em estabelecimento de ensino por servidores de carreira. Essa interpretação ampla é fundamental, pois reconhece que o trabalho do professor transcende a regência de classe, como se verifica:

Trata-se de embargos de declaração opostos de acórdão que julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.772/DF, acórdão sob minha relatoria. O embargante, em suma, sustenta a existência de erro material na ementa impugnada. De acordo com o embargante o acórdão proferido nos autos e disponibilizado no Diário Oficial Eletrônico de 26/03/2009, contém obscuridade/contradição ao referir na ementa ter havido alegada ofensa aos artigos 40, § 4º e 201, § 1º, da Constituição Federal (…). (…) A obscuridade/contradição se verifica porque os §§ que tratam da matéria são o 5º, do art. 40, e o 8º, do art. 201 da CF (fl. 1 .156). Postula, por fim, que seja aclarada/declarada a obscuridade/contradição, apontada acima (fl. 1.157). É o relatório. Passo a decidir. Correto o embargante. Verifico que a ementa do acórdão embargado incorreu em erro material, uma vez que define que os dispositivos impugnados teriam ofendido o § 4º do art. 40 e o § 1º do art. 201 da Constituição Federal e não o § 5º do art. 40 e o § 8º do art. 201 da Carta Magna, conforme definido pelo conteúdo decisório do julgado em questão. Eis a redação que recebeu a referida ementa: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MANEJADA CONTRA O ART. 1º DA LEI FEDERAL 11.301/2006, QUE ACRESCENTOU O § 2º AO ART. 67 DA LEI 9

.394/1996. CARREIRA DE MAGISTÉRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA OS EXERCENTES DE FUNÇÕES DE DIREÇÃO, COORDENAÇÃO E ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 40, §

4º, E 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO JULGADA  PARCIALMENTE  PROCEDENTE,  COM  INTERPRETAÇÃO

CONFORME. I – A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar. II

– As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 4º, e 201, § 1º, da Constituição Federal. III – Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos termos supra (fl. 951 – grifo meu). Por outro lado, o próprio voto condutor do julgado estabeleceu que Para evitarmos que outras categorias eventualmente se beneficiem dessa aposentadoria especial, sobretudo porque o art. 40, § 5º, e o art. 201, § 8º, falam especificamente, taxativamente de professores, e não de especialistas, encaminharia meu voto para dar uma interpretação conforme no sentido a que eu me referi (fls. 912-913 – grifo meu). Isso posto, acolho os embargos apenas para sanar o erro material apontado, sem modificação do julgado, e determinar a republicação do acórdão da ADI 3.772/DF, consignando-se que a ementa do julgado passa a ser: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MANEJADA CONTRA O ART. 1º DA LEI FEDERAL 11.301/2006, QUE ACRESCENTOU O

2º AO ART. 67 DA LEI 9.394/1996. CARREIRA DE MAGISTÉRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA OS EXERCENTES DE FUNÇÕES DE DIREÇÃO, COORDENAÇÃO E ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 40, § 5 º, E 201, § 8 º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME. I – A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar. II As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição Federal. III – Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos termos supra. Publique- se. Brasília, 13 de outubro de 2009. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI – Relator – 1 (STF – ADI: 3772 DF, Relator.: Min. CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 09/10/2009, Data de Publicação: DJe-196 DIVULG 16/10/2009 PUBLIC 19/10/2009) Destaques acrescidos ao original.

1.2. AFASTAMENTO PARA QUALIFICAÇÃO COMO TEMPO DE EFETIVO EXERCÍCIO

 

A Lei nº 8.112/1990, em seu art. 102, IV, prevê expressamente o afastamento para qualificação como efetivo exercício.

Lei nº 8.112/1990 – Art. 102. Além das ausências ao serviço previstas no art. 97, são considerados como de efetivo exercício os afastamentos em virtude de: (Vide Decreto nº 5.707, de 2006)

(…)

IV – participação em programa de treinamento regularmente instituído ou em programa de pós-graduação stricto sensu no País, conforme dispuser o regulamento; (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 2009) (Vide Decreto nº 5.707, de 2006)

(…)

VII – missão ou estudo no exterior, quando autorizado o afastamento, conforme dispuser o regulamento; (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) (Vide Decreto nº 5.707, de 2006)

Aproximando a análise às especificidades da carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), regida pela Lei nº 12.772/2012, verifica-se que o art. 30 da referida lei também previu o afastamento para qualificação:

Lei nº 12.772/2012 – Art. 30. O ocupante de cargos do Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal, sem prejuízo dos afastamentos previstos na Lei nº 8.112, de 1990, poderá afastar-se de suas funções, assegurados todos os direitos e vantagens a que fizer jus, para:

I – participar de programa de pós-graduação stricto sensu ou de pós- doutorado, independentemente do tempo ocupado no cargo ou na instituição; (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)

(…)

    • 2º Aos servidores de que trata o caput poderá ser concedido o afastamento para realização de programas de mestrado ou doutorado independentemente do tempo de ocupação do cargo.
    • 3º Ato do dirigente máximo ou Conselho Superior da IFE definirá, observada a legislação vigente, os programas de capacitação e os critérios para participação em programas de pós-graduação, com ou sem afastamento do servidor de suas funções. Destaques acrescidos ao original.

A leitura dos dispositivos legais acima deixa claro que o período de afastamento para cursar doutorado ou pós-doutorado é, para todos os efeitos, tempo de efetivo exercício no serviço público federal, de modo que a lei mais recente e específica ratificou aquilo que foi previsto de maneira geral para os servidores públicos.

 

1.3. AFASTAMENTO PARA QUALIFICAÇÃO VS. “FUNÇÃO DE MAGISTÉRIO”

Verificado o direito ao reconhecimento do afastamento para qualificação como efetivo exercício, é necessário saber se esse afastamento é considerado também como “efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”, condição indispensável para que o docente tenha direito à redução de 5 (cinco) anos em relação às idades e tempos de contribuição, conforme previsto no § 5º do art. 40 da CRFB.

Dado que o afastamento para qualificação docente (mestrado e doutorado) atende não apenas ao interesse individual do professor, mas sobretudo ao da instituição na qual está lotado — por elevar a qualidade do ensino — é plenamente razoável reconhecer esse período como tempo de efetivo exercício das funções de magistério. Esse entendimento é especialmente pertinente quando a qualificação é exigida como requisito para promoção na carreira EBTT, conforme se verifica no art. 14, inciso III, alínea a, da Lei nº 12.772/2012, que condiciona a progressão para a Classe D (Professor Associado) à obtenção do título de doutor.

Contudo, tratando-se de uma análise voltada à concessão da aposentadoria com a aplicação da redução prevista no § 5º do art. 40 da CRFB, é relevante saber como o Tribunal de Contas da União (TCU) tem julgado as aposentadorias concedidas aos docentes da carreira EBTT.

Nesse ponto, é esclarecedor explicar que o ato de concessão de aposentadoria inicia-se com a publicação da portaria da UFMG concedendo o benefício e será concluído apenas quando o TCU julgar a legalidade daquela concessão, daí a relevância do entendimento vigente no citado órgão de controle externo dos atos administrativos.

Conforme entende o TCU, o redutor de 5 (cinco) anos, previsto no 5º do art. 40 da CRFB, somente deve ser aplicado nos casos em que os professores comprovem efetivo tempo de serviço no desempenho exclusivo de atividades educativas, a exemplo do que se debateu no Acórdão 4802/2016 – Primeira Câmara (https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/jurisprudencia- selecionada/JURISPRUDENCIA-SELECIONADA-13361) e no Acórdão 3705/2025 – Primeira Câmara (https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao- completo/ACORDAO-COMPLETO-2688572).

Embora o STF, por meio da ADI nº 3.772, tenha ampliado o conjunto de atividades consideradas como função de magistério, não elencou os afastamentos para qualificação como tal, assim, considerando que o redutor previsto no § 5º do art. 40 da CRFB visa compensar os docentes em virtude da extenuante atividade exercida, segundo o TCU, como o afastamento para qualificação mantém o profissional longe da sala de aula, esse tempo afastado não deve ser considerado como função de magistério.

 

1.4. JURISPRUDÊNCIA E CONTROVÉRSIAS

Ainda que haja disposição expressa de Leis, entendimentos doutrinários e decisões judiciais que defendem a valorização da formação contínua como parte das atividades docentes, no âmbito da administração pública federal prevalece o entendimento restritivo do TCU, sendo este vinculante para os órgãos do Executivo federal (art. 71 da CRFB).

 

2. CONCLUSÃO

Diante do exposto, e com base especialmente na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), conclui-se que procede a informação trazida pelo professor presente no encontro do COLTEC, no sentido de que o tempo de afastamento remunerado para cursar doutorado e pós-doutorado não vem sendo contado como tempo de efetivo exercício em “funções de magistério” para os fins da aposentadoria com requisitos de idade e tempo de contribuição reduzidos, prevista no art. 40, § 5º, da Constituição Federal.

Como visto, a administração pública, em aplicação do entendimento do TCU, vem entendendo que esse período deva ser considerado como de efetivo exercício para outros fins da carreira (progressão, férias etc.) e para o cômputo do tempo de contribuição total apenas para a aposentadoria geral e pelas regras de transição e transitória, mas não para o benefício específico dos professores do EBTT.

Dito isso, recomenda-se cautela ao(à) docente interessado em afastamentos para capacitação, caso deseje se aposentar pela regra especial, visto que, em princípio, esse período não será contabilizado para esse fim.

Ainda, sugere-se ao APUBH formular consulta à PRORH, sobre a aplicação desse entendimento desfavorável do TCU perante a UFMG e se for o caso, avalie posterior ingresso de ação judicial coletiva, ocasião em que será necessária a avaliação dos entendimentos judiciais sobre o tema, como forma de mitigar os riscos de uma demanda. Os argumentos de defesa são bastante plausíveis, mas competirá ao Judiciário, nessa hipótese, avaliá-los.

Sendo o que se apresenta para o momento, nos colocamos à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais, elaboração da consulta a ser apresentada à PRORH, bem como, posteriormente, da ação judicial coletiva.

 

É o que temos a anotar, s.m.j.

Belo Horizonte, 13 de junho de 2025.

Flávia da Cunha Pinto Mesquita – OAB/MG 75.347

Felipe Giordani Santos Torres Oliveira OAB/MG 116.333