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O possível fim do Regime Jurídico Único (RJU) foi tema de debate em Seminário na Câmara Federal 

Na última terça-feira, 11 de março, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público promoveu um seminário para discutir o possível fim do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, a Emenda Constitucional 19/98, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135 e as implicações jurídicas, administrativas e sociais dessa mudança. Assista a íntegra do seminário:  https://www.youtube.com/live/rCUaC2K1Geo?si=ajpOfiZxPTynAl4w 

Realizado no auditório da Câmara dos Deputados, em Brasília, o seminário reuniu políticos e diversas entidades representativas dos servidores federais. Entre as entidades de servidores e servidoras públicos da educação,  participaram ANDES-SN, PROIFES, FASUBRA e ATENS. O APUBHUFMG+ também esteve presente, sendo representado pelos professores Helder de Paula (presidente), Andréa Macedo (primeira vice-presidente) e William James (vice-diretor financeiro).

A Frente Parlamentar Mista do Serviço Público é coordenada pelos deputados Alice Portugal (PCdoB/BA) e Rogério Correia (PT/MG) e pelos senadores Paulo Paim (PT/RS) e Zenaide Maia (PSD/RN). “E foi com o objetivo de garantir os direitos dos servidores públicos que a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público foi criada. Uma organização que, desde o ano de 2007, trabalha incansavelmente em prol do povo brasileiro, lutando pelos valores da nossa Constituição”, informa o vídeo institucional exibido no Seminário. 

Na abertura do Seminário, a coordenadora da mesa, deputada Alice Portugal, destacou a luta do funcionalismo público federal pela aprovação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2025, que garante o início do pagamento dos reajustes firmados, em 2024, em acordos do governo com diversas categorias do serviço público. Aliás, o dia 11 de março era a data prevista para discussão do PLOA na Comissão Mista de Orçamento da Câmara (CMO) e posterior envio para aprovação do Plenário. Entretanto, em mais um dia de frustação para os servidores e as servidoras, isso não aconteceu. O CMO informou que realizará a votação apenas em 18 de março, ficando a votação na Plenária para o dia 19 de março.  Assim, se cumpridas as novas datas, o reajuste será creditado na folha de abril com pagamento em maio.

Dando sequência aos trabalhos, a mesa coordenadora fez uma breve apresentação do tema do Seminário, destacando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em novembro de 2024, votou pela constitucionalidade da Emenda Constitucional 19/98, refutando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2135. 

Com a decisão do STF, “os entes federados para escolherem de forma aleatória as suas relações trabalhistas com os futuros servidores públicos. A decisão exige que as administrações públicas de todos os níveis adaptem suas práticas aos novos parâmetros de contratação, gerando alterações significativas nas relações de trabalho e dos direitos dos servidores públicos em todo o país. Com isso, o setor público vai gerenciar, entre aspas, mais de um regime, o que aumenta a complexidade da gestão de pessoas”, explicou Alice Portugal.  É praticamente consenso, entre a Frente Parlamentar e o funcionalismo público federal, que o fim do RJU abre as portas para a terceirização, a privatização e a precarização do serviço público. 

O deputado federal do PT/MG, Rogério Correia apresentou uma nota técnica preliminar do Ministério da Gestão e Inovação (MGI) sobre os impactos da aplicação da EC 19/98. “E ela é uma nota muito favorável à gente, do ponto de vista da crítica que se faz ao que foi, infelizmente, decidido pelo Supremo Tribunal Federal”, disse o deputado. Entre outras coisas, essa análise preliminar do MGI aponta que a possibilidade de adoção de múltiplos regimes, pelos munícipios e estados, “irá gerar uma enorme fragmentação, opacidade e até uma abertura de um desmonte do serviço público estável e profissionalizado que conhecemos hoje, em todo o país, e dificultará ainda mais a gestão das pessoas que já apresentam grande variedade de carreiras, remunerações e regras específicas nas diversas esferas”.

Na época da decisão do Supremo, o APUBHUFMG+ publicou nota em que apontava que “o novo modelo não impactará diretamente servidoras e servidores efetivas (os), mas flexibiliza a carreira para novas contratações, colocando em xeque a estabilidade que está relacionada à qualidade do ensino público e da carreira docente, assim como regula diversas ferramentas de vigilância constante que podem oscilar de acordo com o governo vigente”. Daí, a necessidade da mobilização dos servidores e dos parlamentares em torno de ações para mitigar os efeitos da EC19/98. 

José Celso Cardoso Júnior, secretário de Gestão de Pessoas no Ministério da Gestão e da Inovação, Serviço Público e MGI, manifestou a preocupação do governo com a decisão do Supremo. “A decisão do Supremo é uma decisão preocupante, na medida em que coloca um vetor de grande incerteza, de grande insegurança jurídica, inclusive, em relação ao que é a espinha dorsal do processo histórico”, disse. Chamando ainda a atenção para o fato de que a existência de múltiplos regimes jurídicos pode gerar o desmonte do serviço público. 

 

Contexto histórico e desafios do Regime Jurídico Único

O contexto histórico e os desafios do regime jurídico único foram apresentados por Luiz Fernando Silva, advogado, membro do Coletivo Nacional de Advogados e Entidades do Serviço Público, assessor jurídico de entidades sindicais e ex-secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento. 

Silva explicou que, antes da Constituição de 1988, pouquíssimos eram os exemplos de carreiras estruturadas no serviço público, por causa dos regimes jurídicos diversos, direitos funcionais  e previdenciários diferentes. Havia, simultaneamente, servidores admitidos pelo regime CLT e outros admitidos pelo regime estatutário.  Ele lembrou ainda que a luta pela unificação dos direitos foi necessária para avançar no processo de criação de carreiras e de melhoria na qualidade do serviço público. Luta que refletia o “descontentamento generalizado de parte dos servidores”. Além disso, ele destacou que grande parte das organizações sindicais nasceu sob o regime militar, em uma época em que não se podia fazer greve e quando era proibida a sindicalização. 

Ao apresentar o contexto de instituição do RJU pela lei nº 8112 de 1990, Silva explicou que o regime único corrige distorções existentes à época entre o(a)s servidore(a)s público(a)s devido aos diferentes regimes de contratação. Isto resultava em diferentes direitos funcionais e, até mesmo, diferenças salariais entre, por exemplo, servidore(a)s exercendo a mesma função.  Tais distorções, segundo Silva, afetavam o desempenho do serviço público, do(a) servidor(a) público(a) e “em última análise, dificultava a qualidade desse serviço prestado à população”.

Assim, de acordo com o advogado, o RJU foi uma conquista tanto do movimento organizado dos servidores, mas também da sociedade, pois contribuiu para a organização do Estado brasileiro. Essa organização deu uma “diretriz clara de direitos funcionais isonômicos de tal modo, inclusive, que, a partir daquele momento, nós pudéssemos estabelecer um processo de organização dos servidores em carreira, sempre com o objetivo de valorizar a função pública de um lado, mas, de outro lado, melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados à população”.

Na avaliação de Luiz Fernando, a realidade de 2025 é diferente da vida antes da 1988. “Hoje nós vivemos numa conjuntura, inclusive jurídica, em que a terceirização em larga escala já foi autorizada pelo Supremo, inclusive no serviço público”, disse.

Em sua opinião, hoje, a situação é muito mais grave, pois, é um “momento de consolidação das terceirizações no país, um processo de recrudescimento das terceirizações, um processo de crescimento das contratações temporárias.  E o RJU tem sido, o estabelecimento do RJU e da forma de ingresso por concurso público tem sido um elemento crucial de freio a essas outras modalidades de prestação de serviço”.

Ele completou afirmando que “o fim do RJU, ainda que se diga que mesmo as contratações por CLT gozarão de estabilidade ou parcial ou total, não é exatamente a mesma coisa que nós vamos ter a partir do momento que tivermos quebrado essa espinha dorsal”.

 

Efeitos da decisão do STF 

Luiz Fernando Silva chamou a atenção para o fato de que ainda não houve a publicação do acórdão com a decisão acerca da constitucionalidade da EC 19/98. O que se sabe sobre a decisão é o que se apreendeu da participação na sessão e da ata de julgamento. Assim, somente o acórdão trará detalhadamente os elementos que podem ajudar a propor um embargo declaratório.

Apesar da decisão do STF garantir uma certa “segurança jurídica à situação consolidada de dizer que não seria permitida a transformação, em larga escala, do regime estatutário em regime celetista”, a decisão traz ainda outros riscos e problemas para os atuais servidores. Isto é, a decisão veda “a transmudação de regime dos atuais servidores, seja ele um regime estatutário ou celetista, no nosso caso aqui regime estatutário, proibir então a transformação dos atuais servidores em servidores celetistas. Até porque isso traria um problema de natureza financeira absurdo para a própria União”, explicou. 

Entretanto, a decisão não determina “o cancelamento dos atuais regimes jurídicos únicos, nem mesmo o seu caráter único. Ela diz apenas que a administração pública agora compete decidir”. No âmbito do serviço público federal, a questão poderia ser pacificada com a assinatura de uma carta compromisso, na qual a atual gestão se compromete a manter o regime único para que os servidores tenham tempo e segurança para organizar os próximos passos dessa luta. A questão, segundo ele, é mais preocupante e mais grave nos âmbitos municipais e estaduais, que não têm a unidade e a força de mobilização e pressão dos servidores federais. 

É papel das “entidades sindicais e da Frente Parlamentar aqui em particular, cobrar do governo federal uma posição firme no sentido de manter o regime como o único, na defesa de um regime que permite a sustentação do serviço público, a qualidade do serviço público(…) E a partir disso tente projetar essa política para estados e municípios para que eles também se mantenham até que nós possamos ter uma solução futura, talvez uma PEC”, ressaltou Luiz Fernando.

O especialista ressaltou ainda que a decisão do STF derrubou alguns aspectos da PEC 32/2020 (Reforma Administrativa) ao permitir a existência de regimes diferentes de contratação no serviço público. A possibilidade de contratação via CLT e de terceirização traz sérias consequências para, por exemplo, o instituto da estabilidade que é a garantia para o funcionamento e a qualidade do serviço público. “Se nós vamos ter agora estáveis apenas aqueles que são estatutários, significa dizer que, num breve espaço de tempo, a maioria dos servidores não serão estáveis”, disse o advogado.

Outra consequência é a ampliação das formas de ingresso sem concurso público. Um outro ponto que merece destaque na apresentação de Luiz Fernando diz respeito ao impacto sobre a previdência do servidor público. De acordo com ele, como se sustenta um sistema em dificuldades, se não houver a entrada de mais servidores com estabilidade pelo regime estatutário. A tendência é de quebra do sistema e o pagamento da conta pelos servidores por meio do aumento das alíquotas de contribuição previdenciária. 

“Os servidores atuais, diz o Supremo, seguirão os estatutários e, portanto, submetidos ao regime próprio de Previdência da União. Mas se as novas admissões não serão estatutárias, o regime próprio de previdência da União está falido, gente! Não há nenhuma possibilidade de sustentação financeira de um regime previdenciário que não tem ingresso. Ou seja, se a União caminhar para o fim do RJU e a admissão pela CLT, ela estará dando um ‘tiro no próprio pé’, que, depois, vai ser transformada numa PEC de reforma da Previdência, para dizer que, como é insustentável financeiramente, mais uma vez, vocês têm que ‘pagar o pato’”, alertou.

Diante desse cenário, é fundamental o debate dessa questão entre os servidores públicos federais, visando a construção de uma estratégia sólida de defesa dos direitos funcionais, previdenciários e do regime jurídico único e, por consequência, da qualidade do serviço público.