Acontece no APUBH

Nota do APUBH contra a portaria da SCTIE/MS nº 13 de 19/04/2021*

Fomos surpreendidos, nesta última semana, com a publicação de uma Portaria do Ministério da Saúde que:“Torna pública a decisão de incorporar o implante subdérmico de etonogestrel, condicionada à criação de programa específico, na prevenção da gravidez não planejada para mulheres em idade fértil: em situação de rua; com HIV/AIDS em uso de dolutegravir; em uso de talidomida; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose em uso de aminoglicosídeos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”.

No Brasil, acompanhando as normas dos sistemas de saúde por todo o mundo, a prioridade tem sido o cuidado da mulher no campo da saúde reprodutiva, com foco na atenção ao planejamento reprodutivo, o pré-natal e o parto. É importante destacar que os serviços de saúde também ofertam muitas ações relacionadas à promoção da saúde, a prevenção de agravos e doenças (cânceres de colo do útero e de mama, por exemplo), realização de vacinas, acompanhamento odontológico e nutricional, dentre outros.

O planejamento reprodutivo é um direito humano de TODAS as mulheres brasileiras para que elas possam optar quando e se querem ter filhos. E todos os protocolos, inclusive do SUS, insistem em que é muito importante que a mulher tenha, ao menos, uma consulta antes dela iniciar o uso de qualquer método contraceptivo. É nesse momento que a ela devem ser apresentadas todas as informações corretas e embasadas cientificamente sobre quais são os métodos mais eficazes, como eles são utilizados, quais são os seus impactos e consequências sobre a sua saúde. Neste momento, é necessário que seja feita uma avaliação prévia das doenças que ela possa ter, ou até mesmo na sua família, para que se possa, caso necessário, inclusive contraindicar algum do tipo de método. O profissional de saúde é quem poderá dar as opções para que a própria mulher possa enfim escolher. Como já está devidamente normatizado, o SUS deve afinal oferecer uma série de serviços que garantam o acolhimento e, sobretudo, o sigilo sem discriminação, preservativos masculino e feminino, à pílula combinada ao anticoncepcional injetável mensal e trimestral, ao dispositivo intrauterino com cobre (DIU T Cu), ao diafragma, à anticoncepção de emergência e à minipílula (ver: https://www.as.saude.ms.gov.br/atencao-basica/saude-da-mulher/protocolos-saude-da-mulher/). Os implantes subdérmicos precisam estar ENTRE as muitas possibilidades e estratégias disponíveis de forma livre, esclarecida e informada para TODAS as mulheres como técnicas de planejamento reprodutivo e não pode ser ofertado como um único programa e menos ainda com a determinação estrita de ser empregado a certo público-alvo.

A Portaria acima, inicialmente, coloca em xeque – e em risco – todos os procedimentos das políticas de saúde reprodutiva da mulher brasileira, pois atropela passos fundamentais e necessários para a maior garantia dos direitos e do próprio interesse das mulheres. Neste sentido, a Portaria já se constitui em uma deliberação de caráter arbitrário e autoritário porque indica, por antecipação, um tipo específico de método contraceptivo – o implante subdérmico de etonogestrel – sem a possibilidade de oferta e escolha pelas próprias mulheres daquele método que ela deveria ter a liberdade de escolher, tendo por base a sua saúde integral prévia.

Porém, a referida Portaria é ainda mais violadora dos direitos reprodutivos das mulheres porque estabelece a indicação arbitrárias (impositiva) para apenas determinados segmentos da população feminina: “em situação de rua; com HIV/AIDS em uso de dolutegravir; em uso de talidomida; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose em uso de aminoglicosídeos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”.

Estes, como todos sabemos, são segmentos historicamente vulnerabilizados (senão estigmatizados) da população feminina. Assim, o público-alvo da política/programa evidencia, de fato, menos uma preocupação sincera com a disponibilização de técnicas de planejamento familiar (a que todas as mulheres brasileiras têm o legítimo e consagrado direito) para as mulheres brasileiras e mais uma vontade e desejo de controle sexual e reprodutivo de camadas e parcelas específicas da população feminina.

Além do mais, ainda de forma arbitrária, destaca a execução da política ou programa exclusivamente no âmbito do SUS, destinado, como salientado a segmentos extremamente vulnerabilizados de mulheres, o que pode de forma muito concreta vir a significar um processo de violência e de efetiva coerção reprodutiva, que muito rapidamente pode se transformar em estratégia disciplinar e em tratamento degradante e desumano. Sendo assim, é preciso denunciar que a referida Portaria viola, bem como as suas regras violam, os preceitos fundamentais do:

– direito à saúde integral para todas as mulheres,

– da inviolabilidade da sua própria capacidade de decidir,

– da garantia à intimidade e privacidade de suas escolhas pessoais,

– da dignidade da pessoa humana, e

– da vedação ao tratamento cruel, desumano ou degradante.

Denunciamos, portanto, esta Portaria como mais uma manobra ultraconservadora moral do atual governo brasileiro que se encontra em completo desacordo com compromissos internacionais e nacionais historicamente já assumidos pelo país no âmbito dos direitos à saúde integral para as mulheres.

Denunciamos ainda que esta postura representa grave retrocesso, inclusive, à saúde pública brasileira, por tratar-se de uma política explícita de controle da reprodução e da sexualidade de determinados segmentos específicos da população de mulheres brasileiras, onde, como sabido, estão sobrerepresentadas as mulheres pobres, em sua maioria preta e em alguma situação de vulnerabilidade social.

Para além de mais um absurdo sanitário que, ao invés de proteger a população feminina a discrimina, viola seus direitos e controla suas vidas e sua sexualidade, especialmente daquelas em maior condição de risco, desassistência e invisibilidade (como em geral costuma ser a situação das mulheres em situação de rua, as vivendo com HIV, com tuberculose, as privadas de liberdade e as trabalhadoras do sexo), a referida Portaria coloca em xeque o real o compromisso do Estado brasileiro de prover a suas cidadãs as condições necessárias para o acesso pleno e gratuito a todos os serviços voltados à prevenção e ao tratamento de doenças ou agravos à sua saúde integral.

Trata-se de mais uma evidência de que o país deixou de se distinguir de vários outros países por reconhecer a saúde, especialmente a saúde reprodutiva das mulheres, como um direito constitucional. Denunciamos mais uma ação deste Estado que, ao invés de prover a suas cidadãs as condições necessárias para o acesso pleno e gratuito a todos os serviços voltados à prevenção e planejamento familiares, prefere discriminar, violar os três princípios finalísticos do próprio SUS, que são:

– a Universalidade: reconhecer a saúde como um “direito de todos e dever do Estado”. Figura como princípio constitucional, tal como recapitulado no Artigo 196 da Constituição Federal (Brasil, 1988)

– a Integralidade: garantir ao usuário uma atenção que abrange as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com garantia de acesso a todos os níveis de complexidade do Sistema de Saúde. A integralidade também pressupõe a atenção focada no indivíduo, na família e na comunidade (inserção social) e não num recorte de ações ou enfermidades (Brasil, 2009, p. 192), e;

– a Equidade: disponibilizar recursos e serviços de forma justa, de acordo com as necessidades de cada um. O que determina o tipo de atendimento é a complexidade do problema de cada usuário. Implica na implementação de mecanismos de indução de políticas ou programas para populações em condições de desigualdade em saúde, por meio de diálogo entre governo e sociedade civil, envolvendo integrantes dos diversos órgãos e setores do Ministério da Saúde (MS), pesquisadores e lideranças de movimentos sociais.

O APUBH, denuncia esta Portaria como violadora dos direitos humanos das mulheres e como mais uma estratégia de desmonte do Sistema Único de Saúde, sendo a mesma ilegal e mesmo imoral. Instamos à sociedade brasileira que junte-se a nós nesse repúdio e na recusa a aceitar esta necropolítica, e conclamamos todas e todos a se somarem à nossa luta resistente por políticas sociais que, de fato, apoiem e protejam todas as mulheres brasileiras.

APUBHUFMG+ // Sindicato dos Professores da Universidade Federal de Minas Gerais e Campus Ouro Branco/UFSJ – Gestão Travessias na Luta – 2020/2022