Nota da Diretoria: Pandemia e corte de salários e direitos
No momento presenciamos a mais grave crise sanitária e humanitária deste século, que está associada à Pandemia do Novo Coronavírus, mas também à fragilidade das economias e ao fracasso das políticas de austeridade instauradas após a grande crise do capital em 2008.
Em reconhecimento a esse fracasso, até mesmo os governos neoliberais dos EUA, do Reino Unido e da França se esforçam para proteger os trabalhadores e as trabalhadoras atingidas pela retirada de direitos sociais e trabalhistas nos últimos anos. O governo norte-americano determinou o enviou de cheques às famílias, considerando 1000 dólares por adulto e 500 dólares por criança. O governo do Reino Unido promoveu a cobertura de 80 % do salário de trabalhadores demitidos ou licenciados. O governo francês, por sua vez, destinou a quantia de 1500 Euros para trabalhadores informais impedidos de trabalhar.
Na contra-mão dessas políticas, no Brasil, estamos diante de medidas com o sentido inverso. Na noite do último domingo, 22/03, no Diário Oficial da União, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma Medida Provisória (MP 927) que autorizava, entre outras coisas, a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses sem que os empregadores tivessem que pagar qualquer tipo de remuneração aos seus empregados. No dia seguinte, 23/03, Bolsonaro revogou essa permissão, mas manteve todas as outras maldades contra os trabalhadores contidas na MP.
Assim, por exemplo, a MP 927 cria uma prazo de 180 dias dentro do qual os auditores fiscais do trabalho ficam impedidos de autuar empregadores que cometerem infrações às leis que regulam as relações de trabalho que já haviam sofrido grandes restrições durante a última reforma trabalhista ocorrida durante o governo Temer. Esse prazo superior inclusive às expectativas sanitárias para o período da quarentena funciona como uma carta branca dada pelo governo aos empresários para operarem “à margem da lei”.
A Reforma Trabalhista já havia criado a possibilidade do “negociado se sobrepor ao legislado” o que, na prática, implicou na redução de direitos e garantias da CLT. Ainda assim, essa Reforma restringiu relações expressamente abusivas como a negociação direta entre patrão e empregado em casos de funções com baixa remuneração. Essa e outras restrições caem com a MP que deixa as trabalhadoras e os trabalhadores sem qualquer direito ou garantia.
Os servidores públicos também são alvo das políticas abusivas em curso no Brasil. Nesta terça-feira, em entrevista à Rádio Bandeirantes, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sugeriu que os três Poderes reduzam o salário de servidores em até 20%. Maia argumentou que a medida poderia dar ao Estado recursos para combater a Pandemia. Trata-se, na verdade, de uma antecipação de uma medida prevista na PEC 186 que prevê a redução de salários com redução de jornada de trabalho dos servidores em até 25%.
O argumento de Maia soa como escárnio, tendo em vista que o Estado brasileiro tem destinado todos os seus recursos para o pagamento de uma dívida pública não auditada. A precarização dos serviços públicos e a consequente perda de direitos da população que depende desses serviços foi adotada como orientação do Estado brasileiro desde a promulgação da Emenda Constitucional 95, no final de 2016.
Desde o impeachment, que ocorreu no mesmo ano, o governo federal e o legislativo têm jogado a culpa dos deficits orçamentários do país indevidamente nas costas dos servidores públicos. No entanto, foi a adoção, desde 2015, de políticas econômicas neoliberais que estagnaram a economia do país e aumentaram a desigualdade, o desemprego e o próprio deficit público. Vale também lembrar que número de servidores públicos no Brasil, quando comparado com a população ocupada, está bem abaixo do número de servidores públicos dos países da OCDE. Esse fato por si só desmonta a falsa acusação de que os servidores são origem ou causa do deficit orçamentário.
Nós, servidores, presenciamos, neste mês de março, um corte salarial decorrente do aumento das alíquotas da previdência social, após uma reforma embasada em uma manipulação de contas, como foi mostrado em estudo de pesquisadores da CECON-Unicamp em setembro de 2019. No contexto da reforma, com o apoio da mídia comercial e hegemônica, os servidores públicos foram chamados de privilegiados pelo Governo Federal. A campanha caluniosa esconde da população que, desde de 2013, a previdência dos servidores foi limitada ao teto do regime geral de previdência, que os servidores não possuem FGTS e que contribuem para a previdência com uma alíquota que incide sobre o salário integral.
Alinhado com os cortes de direitos e os ataques aos servidores públicos, o jornal O Globo, em editorial na última sexta-feira, 20/03/2020, afirma que o dinheiro da saúde no Brasil vai para a folha de pagamento dos servidores e daí pede a aprovação de cortes de salário desses trabalhadores. Em um momento no qual a população depende mais do que nunca do trabalho de várias categorias do serviço público, o mesmo editorial afirma, de forma irresponsável, que o pagamento de salários do funcionalismo desvia recursos do atendimento às vítimas do coronavírus e que somos um dos maiores ítens de despesa no orçamento público.
Como sempre esse e outros órgãos da imprensa comercial brasileira buscam iludir a população para justificar políticas de austeridade que, ao prejudicarem os servidores públicos, precarizam o serviço público e retiram da população o acesso a esse serviço. A mídia comercial sabe mas intencionalmente esconde a informação de que, no orçamento federal, o salário do funcionalismo e os recursos em saúde e educação são independentes entre si conforme estabelecido pela Constituição de 1988.
Em resposta ao editorial do jornal O Globo acima citado, o presidente da FENAFISCO Charles Alcântara relembra que o Brasil possui 206 bilionários e que políticas de taxação de grandes fortunas existentes em outros países do mundo, desde os EUA aos países da Comunidade Econômica Europeia, seria possível dobrar o orçamento federal para a saúde.
De acordo com o portal da transparência, as políticas em curso no Brasil beneficiam os mais ricos e 43 % do orçamento federal vai para os Bancos e seus acionistas na forma de pagamento e refinanciamento da dívida interna. Nossos governantes atuam para garantir privilégios de poucos e transferir o ônus da crise econômica para o conjunto da população. É essa orientação que tem promovido cortes sucessivos nos orçamentos das agências de fomento e Universidades e Instituições públicas de ensino e pesquisa, além dos cortes no Ministério da Saúde, que deixaram o país com laboratórios sucateados, com falta de insumos e vulnerável para enfrentar a Pandemia do Novo Coronavírus.
A CAPES acaba de anunciar novos cortes de bolsas e o MCTIC propõe um corte de R$ 79 milhões para o CNPq. Desde a semana passada, a universidade pública e sua comunidade, tem se mobilizado em ações para enfrentar a Pandemia mediante: o desenvolvimento de testes-diagnóstico para o Coronavírus com os recursos que possuem; a fabricação de máscaras para hospitais; o sequenciamento do genoma das variedades do Coronavírus que circulam em nosso território; o desenvolvimento de fármacos; a pesquisa para a vacina, dentre várias outras medidas.
É necessário reafirmar, neste momento, a importância de ter um Estado com políticas e metas públicas, de fortalecer o Sistema único de saúde (SUS), de ter uma indústria independente no Brasil para a produção de equipamentos médicos e hospitalares, de fármacos, insumos médicos e vacinas, bem como de manter o investimento constante em Instituições Públicas de ensino e pesquisa, responsáveis pelos recentes avanços biomédicos e pela manutenção de uma estrutura de atendimentos nos hospitais-escolas. É necessário revogar imediatamente a Emenda Constitucional 95/2016 que, somente do SUS, retirou R$ 22 bilhões, segundo o Conselho Nacional de Saúde.
Os servidores públicos se encontram neste momento ou na frente de combate à pandemia ou em isolamento social. Portanto, estão limitados para se manifestar e se contrapor às informações falsas e caluniosas vindas de parte da imprensa e de nossos representantes eleitos. Consideramos que em uma situação gravíssima como a que vivemos é inaceitável que os poderes Executivo e Legislativo continuem a propor e aprovar medidas que cortam os direitos e salários dos servidores, o que constitui atitude inconstitucional, anti-democrática e covarde! Entraremos com uma ação jurídica e conclamamos os e as docentes a se juntarem a nós nesta luta, bem como criar formas diversas de manifestações e mobilização.
Diretoria do APUBH