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Janeiro Branco: uma oportunidade para refletir

Autoria: NADi

 

Ano novo, novas reflexões! Aproveitando-se desse clima, o Psicólogo Leonardo Abrahão deu início à campanha Janeiro Branco. Sua intenção era aproveitar-se do momento em que as pessoas estão fazendo o balanço do ano que se passou e traçando novas metas para o ano que se inicia para fazer emergir a reflexão sobre sua saúde mental[1].

Devido à sua importância a campanha acabou por atingir níveis nacionais e até internacionais, o que mostra a necessidade de colocarmos essa pauta em evidência. No entanto, o Janeiro Branco pode trazer consigo o risco da individualização do sofrimento mental. É preciso lembrar que nós, como seres imbricados em um contexto social, somos atravessados por esses determinantes, que nos levam a sofrer. Além disso, saúde mental não significa o esvaziamento de quaisquer tipos de sofrimento humano. Ao contrário disso, como pontua o filósofo George Canguilhem: estar saudável é ser normativo, é ter capacidade de lidar e adaptar-se diante dos imprevistos e eventualidades da vida. É tolerar infrações às normas do cotidiano e criar novas formas de existência[2].

No contexto da sociedade neoliberal do rendimento, as possibilidades de expressar criatividade, explorar desejos e capacidades são tolhidas pela pressão imensa para que estejamos adaptados às normas, aos mecanismos de controle e que, por consequência, controlemos nossas emoções e nossos sentimentos. O sujeito ideal é neutro, produtivo, positivo, obediente e desumanizado. Somos coagidos a viver sob o imperativo do alto desempenho, correndo contra um relógio e nos sentindo sempre atrasados e ansiosos. No contexto acadêmico, essa realidade se reproduz de maneira muito explícita nos sistemas de avaliação que impõe uma constante e cruel pressão por produção. Não somos permitidos ao cansaço, ao ócio, à criatividade e autonomia plenas. E quando nos sentimos cansados, esgotados com tantas exigências somos ainda impelidos à culpa.

É preciso, portanto, compreender, ainda que esse não é um problema relativo, por exemplo, à uma má administração do tempo, de fatores ou fragilidades individuais, mas de uma condição coletiva que assim deve ser tratada. As estratégias individuais de controle de tempo, práticas de autocuidado de atividades extras ao trabalho que dão prazer são de suma importância, no entanto, é também necessário refletirmos sobre os contextos em que estamos inseridos, pensar e agir criticamente diante deles. Afinal somos produzidos socialmente a partir deles e os reproduzimos nas nossas vivências cotidianas. Saúde mental requer coletividade, senso de pertencimento, identidade e sensação de acolhimento. No contexto acadêmico é de suma importância acolher colegas professores e professoras que apresentem queixas ou sinais de que sua saúde mental não vai bem. É preciso constituir espaços de discussão coletiva sobre esses fatores que são potencialmente adoecedores, é fundamental participar de deliberações e reflexões acerca dos sistemas de avaliações e critérios de produtividade e lutar pela modificação das condições de trabalho injustas e desumanas.

Pensar em saúde mental, portanto, requer repensar nossos modos de vida, nossos modos de produção e reprodução da vida nada saudáveis. Pensar em promoção de saúde mental não deve ser um movimento individual e de assujeitamento via educação e saúde. É preciso fortalecer os movimentos coletivos de luta por condições de vida e trabalho mais dignas, justas e saudáveis. Afinal, saúde mental requer condições para que ela aconteça!

 

 

 

[1] https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2020/01/criador-do-janeiro-branco-campanha-pela-saude-mental-critica-ditadura-da-eficiencia-e-burocratizacao-da-vida-ck6107dkl0et501qdd34c8bei.html

[2] CANGUILHEM, Georges et al. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.