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ENTREVISTA | Sirleine Brandão: a importância e os desafios da inclusão de estudantes com deficiência

“A declaração do ministro da educação só demonstra o posicionamento deste governo, que desde a campanha presidencial anuncia uma política segregacionista, excludente, discriminatória, de negação de conhecimentos científicos e de repulsa à classe trabalhadora”, definiu a professora da FAE/UFMG, em conversa com o APUBH UFMG+.

No dia 09 de agosto de 2021, o Ministro da Educação do Governo Bolsonaro, Milton Ribeiro foi o entrevistado do programa “Novo Sem Censura” da TV Brasil. Convidado para falar sobre o retorno das aulas presenciais, Ribeiro fez uma fala polêmica e preconceituosa sobre a presença de crianças com necessidades especiais em sala de aula. De acordo com ele, alunos com necessidades especiais atrapalham o aprendizado de alunos sem a mesma condição. “No passado, primeiro, não se falava em atenção ao deficiente. Simples assim. Eles fiquem aí e nós vamos viver a nossa vida aqui. Aí depois esse foi um programa que caiu para um outro extremo, o inclusivismo. O que é o inclusivismo? A criança com deficiência era colocada dentro de uma sala de alunos sem deficiência. Ela não aprendia. Ela atrapalhava, entre aspas, essa palavra falo com muito cuidado, ela atrapalhava o aprendizado dos outros porque a professora não tinha equipe, não tinha conhecimento para dar a ela atenção especial”, disse.

Na esteira de disparates, o ministro ainda defendeu a criação de turmas especiais para crianças com deficiência. Cabe lembrar que uma das primeiras providências do Governo Bolsonaro na área da educação foi publicar o decreto nº 10.502 de 30/09/2020 instituindo a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Considerado retrógrado, preconceituoso, segregacionista e um retrocesso na luta pela inclusão social das crianças e jovens com deficiência, o decreto foi derrubado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em junho de 2021.

Na esteira destes acontecimentos, entrevistamos a professora Sirleine Brandão de Souza sobre esta temática. Sirleine Brandão é professora da Faculdade de Educação (FAE/UFMG), com experiência na área de Educação e Formação de Professores, com ênfase nos seguintes temas: Políticas Públicas de Educação; Educação Especial; Inclusão/Exclusão Escolar; Escolarização, Diversidade e Desigualdade Social; Fracasso Escolar. Atualmente, a professora integra a Diretoria Setorial de Mobilização e Articulação Política do APUBHUFMG+.

 

APUBH UFMG+: Em fala recente, o Ministro da Educação do Governo Bolsonaro, Milton Ribeiro, comentou como, na opinião dele, incluir crianças com deficiência em sala de aula “atrapalhava” o aprendizado dos demais estudantes. Qual a sua opinião sobre essa declaração?

Sirleine Brandão de Souza: A declaração do ministro da educação só demonstra o posicionamento deste governo, que desde a campanha presidencial anuncia uma política segregacionista, excludente, discriminatória, de negação de conhecimentos científicos e de repulsa à classe trabalhadora.

Sua opinião não tem nenhuma comprovação que a embase. Muito pelo contrário, há muito tempo sabemos que os estudantes com deficiência devem compartilhar os ambientes das escolas regulares e classes comuns junto aos demais estudantes. Sabe-se que o desenvolvimento se dá, justamente, por meio da interação com o outro e com os objetos de conhecimento construídos historicamente pela sociedade. Portanto, é por meio da cultura que ocorre o desenvolvimento do ser humano, então o ambiente propício para o desenvolvimento de todas as crianças é a sala de aula comum com todas as demais crianças e adultos que compõem este espaço riquíssimo em aprendizagens, situações desafiadoras com toda sua diversidade e possibilidade, e que requer a intervenção sistemática e planejada dos professores. Além disso, todas as crianças têm o direito de aprender os conteúdos escolares construídos historicamente e transmitidos e reconstruídos na/pela escola.

 

Na sua avaliação, qual a importância da inclusão de crianças com deficiência nas escolas? Quais efeitos positivos que a inclusão pode ser gerada para os estudantes com deficiência e para os outros estudantes e da comunidade escolar?

Quando falamos em inclusão, vale destacar que este é um termo utilizado de forma corrente, tomado muitas vezes como sinônimo de educação especial. A inclusão, tal qual proposta em documentos internacionais, como a Declaração de Salamanca e assumida nacionalmente, se refere à inclusão de todas as crianças, que por razões distintas não estão inseridas na escola ou nos processos de ensino e aprendizagem que lhes garantam aprendizagem de conteúdos escolares efetivos, portanto, podemos pensar a inclusão como um amplo espectro que comporta a educação especial – modalidade de ensino – voltada para se pensar políticas historicamente excludentes ou precárias do ponto de vista do direito à aprendizagem.

Nesse sentido, pensar em políticas de inclusão dos estudantes da educação especial faz todo sentido num contexto escolar excludente, não só dos estudantes com deficiência, mas de grande parte da população, principalmente dos filhos da classe trabalhadora que, muitíssimas vezes, têm seus direitos negados no que tange a uma educação de qualidade.

Os efeitos de políticas pensadas para assegurar aprendizagem significativa e de qualidade só podem ter efeitos positivos tanto para o desenvolvimento da pessoa com deficiência quanto para aqueles que participam do processo, uma vez que aprendemos na/com a diversidade, na resolução de situações problema, na interação com o desconhecido. As situações cotidianas de uma sala de aula não estão dadas a priori, são construídas e reconstruídas a cada momento, a cada nova interação, e é justamente nesta troca que avançamos em termos de conhecimento e prática.

 

Em sua experiência, o que é necessário para garantir que a inclusão ocorra de fato?

É necessário que tenhamos consciência de que a educação está inserida em um contexto de políticas mais amplas, decorrentes da própria organização social, portanto não basta a boa vontade das professoras e professores que estão na sala de aula, para que a inclusão escolar se efetive. Precisamos atentar ao Projeto de educação que está em disputa em nosso país, e entrar no jogo para ganhar, ou seja, reivindicar um Projeto que considere direito de todos aprender os conteúdos escolares e para isso é necessário pensar em uma escola para todos, em uma formação de professoras e professores que os habilitem a refletir e questionar acerca de determinadas situações postas como naturais. É necessário pautar as questões da desigualdade que assola grande parte de nossa população. Não é possível falar em uma educação inclusiva voltada para os estudantes da educação especial desconsiderando todo o quadro de educação precária vivenciada, também por aquelas e aqueles sem deficiência. Obviamente estou abordando o assunto de forma ampla, o que não significa que não tenhamos ótimas experiências desenvolvidas em escolas públicas de excelente qualidade.

 

Embora o ministro tenha se desculpado pela declaração, a exclusão tem se demonstrado como parte da política do Governo Bolsonaro. Milton Ribeiro já havia proposto a criação de turmas especiais para crianças com deficiência e o próprio presidente chegou a assinar um decreto, que recebeu duras críticas, por ser considerado um retrocesso na inclusão social de crianças e jovens com deficiência, sendo derrubado no STF. Qual a sua opinião sobre as políticas de inclusão do Governo Bolsonaro?

Como comentei no início, este posicionamento relacionado à política de educação das pessoas com deficiência não é uma surpresa, vinda deste governo, no entanto, é necessário resistir nos espaços que temos acesso, resistir por meio de nossas ações, de nossas produções, pois há uma disputa no campo da educação, e especificamente no campo da educação especial, assim como em qualquer outro campo social, pelo projeto que se torna/tornará hegemônico. Estamos envoltos nestas lutas e nossa função é disputar este Projeto e tornar hegemônico umoutro projeto que tenha por princípio uma educação emancipatória.

 

Qual a sua avaliação sobre as iniciativas de inclusão de pessoas com deficiência na universidade, como o Movimento Universitário de Inclusão (MUDI), na UFMG?

Pessoas com deficiência devem participar de todas as situações que compõem o meio social do qual ela faz parte. Para isso, em muitos casos é necessário que os espaços sejam acessíveis, que haja acessibilidade no tocante ao conhecimento e à informação. Assim é imprescindível que se pense em políticas que possibilitem esse estar e fazer. Há ótimas iniciativas na universidade que contribuem para que se dissemine conhecimento e prática acerca das deficiências, transtornos e altas habilidades/superdotação, com foco na produção de conhecimento, teórico e prático, no acompanhamento e apoio aos estudantes, na formação de futuras professoras e professores, nas participações em grupos de estudos e movimentos estudantis. São alguns aspectos que fazem com que a universidade, cada vez mais se torne uma universidade para todas e todos, independentemente de ser ou não pessoa com deficiência. Acredito que seja isso que esperançamos!