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Combater desinformação e discursos de ódio não é censura

Nesta semana, a empresa de tecnologia Meta, dona do Instagram e do Facebook, comunicou o encerramento do programa de verificação de fatos aplicado, até então, em suas plataformas digitais. Para especialistas, as mudanças representam um evidente retrocesso, que abre espaço para a circulação de fake news e discursos de ódio, dentre outros riscos graves. Algo que tende a agravar a realidade enfrentada por segmentos já marginalizados da sociedade, além de servir de ferramenta política para a extrema direita.

As plataformas da Meta passarão a adotar as “notas de comunidade”, assim como o sistema adotado pelo X (ex-Twitter), do bilionário Elon Musk. Ou seja, a checagem das informações veiculadas nessas plataformas deixará de ser feita por especialistas, passando a responsabilidade para os próprios usuários. O anúncio foi realizado pelo próprio presidente da empresa, Mark Zuckerberg, usando o discurso de defesa da “liberdade de expressão” e de combate à “censura”.

A declaração de Zuckerberg é preocupante, porém não surpreende, como avalia o coordenador do grupo de pesquisa Sociedade da Informação e Governo Algorítmico (SIGA) da UFMG e 2º Vice-Presidente do APUBHUFMG+, o professor da Faculdade de Direito da UFMG, Marco Antônio Sousa Alves. “Zuckerberg, parece, abandonou um discurso que era de mais neutralidade, respeito às minorias e a outras políticas, para se alinhar muito rapidamente ao Trump”, observou o docente.

Marco Antônio Sousa Alves, 2º Vice-Presidente do APUBHUFMG+, professor da Faculdade de Direito da UFMG e coordenador do grupo de pesquisa Sociedade da Informação e Governo Algorítmico (SIGA) da UFMG | Foto: Acervo APUBHUFMG+.

Marco Antônio alerta, ainda, para o fato de que as grandes plataformas de comunicação, como a Meta, “não são aliadas das democracias no que diz respeito ao controle e à luta contra a desinformação e ao discurso de ódio online”. E completa: “pelo contrário, essas plataformas lucram muito com a circulação desse tipo de conteúdo. Esses conteúdos, muitas vezes, geram muita monetização – muito dinheiro é utilizado para impulsionar esses conteúdos  e geram muito engajamento. E tudo isso é dinheiro para essas plataformas. Então, para eles, fake news é um grande negócio, a gente sabe disso”.

As mudanças começarão pelos EUA e, posteriormente, passarão a ser implementadas em outros países. Contudo já tivemos uma prévia do que está por vir. Ainda esta semana, a Meta publicou uma nova versão de sua política de “Conduta de ódio”. De acordo com a atualização – também publicada em português – questões de “gênero ou orientação sexual” poderão ser relacionadas a termos referentes a “doença mental ou anormalidade”. Trata-se, portanto, de uma involução e grave retrocesso em relação ao que vem sendo debatido cientificamente sobre o tema, assim como as conquistas das pessoas LGBTQIA+. Ainda por cima, expõe esse segmento da população a manifestações preconceituosas públicas nas plataformas da Meta.

Esse cenário reacendeu a discussão sobre a necessidade de implementação de legislações específicas sobre as redes sociais. A despeito do discurso de que seria uma forma de “censura” para cercear a “liberdade de expressão”, a regulação das mídias é pensada no sentido de resguardar os direitos da população, assim como a defesa da própria Democracia. O ambiente virtual não pode ser entendido como uma “terra de ninguém”, onde as leis não se aplicam.

Interesses políticos e financeiros

A fala de Zuckerberg tem sido interpretada como um aceno político ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump. Até porque, o CEO também aproveitou a oportunidade para fazer acusações infundadas, em uma nítida indireta ao Poder Judiciário Brasileiro. De acordo com ele, os países latino-americanos possuem “tribunais secretos”, que podem retirar posts das mídias sociais “silenciosamente”. Outra semelhança do CEO com o dono do X, que se envolveu em um embate com o STF, ao tentar colocar os seus interesses políticos e empresariais acima da legislação brasileira. 

Cabe lembrar, nesse sentido, a proximidade de Musk com Trump. Ele, inclusive, é cotado para assumir o Departamento de Eficiência Governamental no próximo mandato do político. Mais do que isso, naquele país e no resto do mundo, o bilionário tem atuado fortemente para o avanço da extrema direita.

“Nós sabemos claramente de que lado que as grandes plataformas estão. Num certo sentido, isso só deixa mais clara a necessidade da gente se organizar e fazer frente a isso”

Marco Antônio Sousa Alves, 2º Vice-Presidente do APUBHUFMG+

No Brasil e no mundo, a extrema direita usa a veiculação de desinformação e a disseminação de discursos de ódio como ferramenta política. Algo que ocorre de maneira particularmente explícita nas redes sociais. Basta pensar no papel que as fake news têm desempenhado, recentemente, nos pleitos eleitorais. Diante desse cenário, seria um ledo engano acreditar que esse processo se dá em um ambiente com alguma neutralidade. Até porque, os algoritmos, que filtram a distribuição e o alcance das postagens, servem antes de tudo aos interesses financeiros dos bilionários a quem pertencem essas plataformas.

“Sempre que algum tipo de política mais robusta, no sentido de regular as redes sociais e gerar um ambiente informacional mais saudável, menos poluído, as plataformas são frontalmente contra. Ou, pelo menos, reticentes, elas têm sempre uma postura de resistência. Isso mundo afora”, explicou o professor Marco Antônio. Nesse sentido, o docente lembrou das discussões em curso, no Brasil, sobre a necessidade de regulação das mídias digitais. “Acho que as pessoas devem se lembrar da manifestação do Google, por exemplo, na véspera da votação no plenário da Câmara, que era o PL das fake news”, apontou.

O 2º Vice-Presidente do APUBHUFMG+ ressalta que, em meio a essa conjuntura, enfrentamos uma disputa. Para o professor, as democracias na Europa e na América Latina devem se posicionar a respeito. Ele acredita que devemos “nos unir contra essas plataformas, no sentido de regulá-las adequadamente em nome da integridade informacional, que é um dos princípios, um dos direitos que estão sendo defendidos agora, mais recentemente, contra as fake news e o discurso de ódio”.

“Nós sabemos claramente de que lado que as grandes plataformas estão. Num certo sentido, isso só deixa mais clara a necessidade da gente se organizar e fazer frente a isso”, definiu o professor Marco Antônio.