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A atual crise do sistema capitalista: guerras, crises humanitárias e políticas de desmonte do Estado

Análise de conjuntura elaborada pela diretoria do APUBHUFMG+, com base em pesquisa, textos e dados enviados pelo Setor de Comunicação, apresentada na Assembleia do dia 16/03/2022.

 

Cenário Internacional

O sistema capitalista se encontra, mais uma vez, em crise. Uma crise que se arrasta desde 2008, a partir do estouro da bolha de superprodução de capital especulativo e com inúmeros desdobramentos. Discutiremos alguns destes desdobramentos nesta análise.

No último período, o principal desdobramento deste cenário de capital em crise é a guerra na Ucrânia. No último dia 24 de fevereiro, o presidente russo Vladmir Putin anunciou a invasão de terras ucranianas. Dentre os vários motivos apresentados, o Putin citou um genocídio contra ucranianos de origem étnica russa que vivem nas regiões separatistas de Donetsk e Luhansk; além de alegar que a invasão tenta “desmilitarizar e desnazificar” a Ucrânia. Putin negou o princípio da autonomia à Ucrânia mobilizando, inclusive, um pertencimento nacional em comum, entre Rússia e Ucrânia.

Por trás deste discurso, está a expansão da OTAN pelo Leste Europeu e a possibilidade de adesão da Ucrânia à aliança militar. A OTAN, que nada mais é que a representante militar dos interesses da oligarquia econômica que controla os Estados Unidos. A pressão dos EUA e da União Europeia para que a Ucrânia ingresse na OTAN, que historicamente atua para manter o cerco militar à Rússia, se intensificou desde a “Revolução Colorida de 2014”, que afastou do poder o então presidente Viktor Yanukovych. “Revolução Colorida” é um termo utilizado para um conjunto de revoluções que lucra com derrubada de governos não alinhados aos interesses econômicos dos Estados Unidos no mundo. Desde então, a Ucrânia se tornou cada vez mais próxima da União Europeia, da OTAN e dos Estados Unidos. O atual presidente ucraniano Volodymir Zelensky, de extrema-direita, atuou abertamente para realizar este alinhamento.

Putin, por sua vez, nunca negou sua aspiração em integrar a Rússia ao mercado capitalista mundial. Trata-se, sem sombras de dúvidas, de um governo de direita, que tem como “guru” Alexander Dugin, um tradicionalista, tal qual Steve Bannon e Olavo de Carvalho, cuja principal postulação teórica é o “neoeurasianismo”, doutrina que defende a recuperação territorial Russa dos antigos limites do Império Russo.

Trata-se, portanto, de uma guerra entre oligarquias imperialistas de extrema-direita. E que, como em todas guerras entre potências capitalistas, não diz respeito aos interesses da classe trabalhadora. Trata-se de salvaguardar interesses econômicos das poucas pessoas que controlam a produção em todo o mundo, sendo parte da briga pelo poder e pelo controle econômico, por diferentes setores da burguesia mundial.

Este tipo de guerra que ocorre em locais específicos do globo, mas que coloca em jogo interesses de oligarquias financeiras, não está ocorrendo apenas na Ucrânia. Guerras simultâneas estão ocorrendo na Etiópia, Iêmen, Mianmar, Haiti, Síria e Afeganistão. Em 2021, foram simplesmente seis tentativas de golpes de Estado no continente Africano. Os golpes foram bem-sucedidos no Sudão, Mali, Guiné-Conacri e Chade. Fracassaram no Níger e um outro golpe, no mesmo ano, no Sudão. É no mínimo elucidativo que as coberturas midiáticas destes conflitos tenham sido mínimas no mundo Ocidental, ainda mais em contraste à ampla cobertura realizada em relação ao atual conflito na Ucrânia. O mesmo vale para a forma que a Europa Ocidental tem se portado de braços abertos para receber imigrantes ucranianos e fechou suas portas à refugiados da África do Norte e do Oriente Médio em outros momentos. A indignação e a caridade agora são maiores porque as vítimas da guerra são brancas, europeizadas, ocidentais, o que escancara as camadas de opressão do sistema capitalista.

 

Cenário Nacional

Se a guerra e o golpe de Estados são formas do próprio sistema capitalista tentar contornar suas crises, outras formas são os políticos marionetes cujas funções passam por promover uma política de desmonte do Estado, ainda que na prestação de serviços mais básicos, de forma a criar mais áreas para entrada do capital privado em setores que eram eminentemente públicos, facilitando a privatização de empresas e de prestação de serviços que anteriormente eram públicos. Além disso, este tipo de governo acaba com os direitos dos trabalhadores.

Este vem sendo o papel que é cumprido pelo governo Bolsonaro. Baseado nos preceitos ultraneoliberais, foram tomadas uma série de medidas lesa-pátria e antipovo. O governo manteve a lei do teto de gastos, a Emenda Constitucional 95, promulgada ainda na gestão de Michel Temer, mesmo em momento de pandemia, em que os gastos com saúde e educação deveriam não ter um teto, e sim ser elevados para combater a calamidade sanitária. Além disso, o governo Bolsonaro aprovou a Reforma da Previdência em 2019, que aumentou e tornou impossível aposentar apenas por idade ou apenas por tempo de contribuição, diminuição do valor da aposentadoria para àqueles que não contribuem por, no mínimo, 40 anos, alterou regras de pensão por morte, dentre outros ataques. O governo Bolsonaro tratou de tentar aprofundar a Reforma Trabalhista, como na Medida Provisória 1.045/2021, reedição da MP 905/2019, que tentava emplacar a carteira de trabalho Verde e Amarela, que permitia, dentre outros fatores, a contratação de trabalhadores por menos da metade do salário mínimo, contratações sem vínculo empregatício, afrouxava as regras da fiscalização, colocando em risco a saúde e a proteção do trabalhador, dentre inúmeros outros ataques. Estas tentativas, por ora, foram barradas no legislativo.

Outra tentativa de ataque foi a Reforma Administrativa, a PEC32, que, em seu texto original, acabaria com a estabilidade do serviço público, congelaria salários, criaria suspeitos sistemas de avaliação do servidor, retiraria uma série de direitos conquistados pelo funcionalismo público, como, por exemplo, adicionais de tempo de serviço, licença-prêmio, adicional ou indenização por substituição, progressão ou promoção baseada em tempo de serviço, além de permitir a criação de um milhão de cargos em comissão, de livre nomeação nas esferas federal, estadual e municipal em funções de confiança, permitindo, assim, o aparelhamento do serviço público à política de ocasião. Graças à luta do funcionalismo público, que se mobilizou em grandes manifestações ao longo do último ano, o texto original da Reforma Administrativa foi bastante desidratado e ainda não foi aprovado nada no sentido desta lei.

Junto a todas estas políticas de ataques aos trabalhadores, vieram privatizações de empresas e de prestação de serviços públicos; desde a entrega de subsidiárias da Petrobrás até o processo em andamento da privatização da Eletrobrás, o governo colocou em prática uma agenda entreguista e inconsequente.

O resultado de uma política que retira direitos dos trabalhadores, entrega as fontes de renda do Estado, realiza cortes criminosos nos investimentos em áreas fundamentais de prestação de serviços do Estado, além de perder ativos responsáveis por gerar renda estatal, não poderia ser outro além do que estamos vendo a olhos nus: aumento da carestia e da fome no Brasil, inflação galopante, preço exorbitantes dos itens básicos de consumo e desemprego em massa no país.

 

Educação e Funcionalismo Público

Trazendo a discussão para nosso campo, a educação, pesquisa e ciência, nos últimos anos remontam a um cenário de cortes e mais cortes no investimento na área. Para ficar nos últimos cortes, apenas naqueles aprovados na Lei Orçamentária Anual deste ano, o Ministério da Educação foi a segunda pasta com mais cortes, com tesourada de mais de R$ 800 milhões. Além disso, os cortes terão um impacto de mais R$ 400 milhões para a ciência produzida no Brasil. Haverá desinvestimento em várias instituições científicas públicas brasileiras: a CAPES perderá mais de R$ 33 milhões; a Embrapa mais de R$ 8 milhões; e a Fiocruz mais de R$ 7,5 milhões.

Acompanhando o cenário de desvalorização da educação, está também o descaso com os profissionais dos servidores das instituições públicas federais. Por tudo isso, as entidades vinculadas ao FONACATE e ao FONASEFE, como o ANDES-SN, estão se mobilizando, desde o fim do ano passado, para construir um movimento grevista de todo o funcionalismo público federal, como estamos veiculando e decidindo aqui nas últimas assembleias.

Conforme explicitado pelos meios de comunicação do APUBHUFMG+, os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público federal estão sem reajuste salarial desde 2017 e amargam perdas salariais desde 2011. A defasagem salarial chega a ao menos 49,28% ao longo da última década. Como os índices variam, dada a diversidade de carreiras dentro do funcionalismo, as entidades do FONACATE e FONASEFE chegaram ao consenso de lutar pelo reajuste de 19,99%, referente à inflação acumulada durante os três anos de governo de Jair Bolsonaro, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA/IBGE), sendo considerado apenas um índice único emergencial, com promessa de continuidade de luta para recuperar as perdas históricas.

Destas mobilizações, adveio o calendário de lutas unificado do funcionalismo público. Na última assembleia, dia 8 de março, discutimos e acatamos este calendário, começando pela participação no Dia de Luta Internacional das Mulheres; e acompanhando, a partir do dia 9 de março, o lançamento do comando nacional de construção e mobilização da greve, que foi virtual. Para hoje, dia 16, aprovamos realizar o Dia Nacional de Paralisação, Mobilização e Greve, e deliberaremos aqui, enquanto categoria, sobre a deflagração de greve dos professores da UFMG, pela luta nacional pela reposição salarial dos Servidores Públicos e outras pautas, a partir do dia 23/03 e/ou outras ações de mobilização. [Clique aqui para ler a notícia sobre as deliberações da Assembleia do dia 16/03/2022]

O cenário está propício para mobilizações do funcionalismo público, em geral. Estamos acompanhando um conjunto de lutas acontecendo em diferentes instâncias. Tanto o Sind-UTE (Sindicato dos Docentes da Rede Estadual em Minas Gerais), quanto o Sind-REDE (Sindicato dos Docentes da Rede Municipal de Belo Horizonte), estão em greve, cobrando dos governos estaduais e municipais o cumprimento da Constituição e que os governos estadual e municipal paguem o piso salarial da categoria.

Toda esta análise de conjuntura, que passou desde a guerra na Ucrânia, ao silêncio Ocidental sobre outras crises humanitárias simultâneas no mundo, a política de desmonte do Estado levada adiante pelo governo Bolsonaro, com incidência direta na educação e produção de ciência pública gratuita e de qualidade socialmente referenciada, tem como fato em comum a crise sistêmica que estamos vivendo. A carestia, a fome e o desmonte são motivos mais que fortes para nos mobilizarmos.

 

APUBHUFMG+ – Sindicato dos Professores da Universidade Federal de Minas Gerais e Campus Ouro Branco/UFSJ – Gestão Travessias na Luta – 2020/2022