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Assessoria jurídica do APUBH emite nota sobre minuta do projeto de lei do Future-se

Apresentada nova minuta do projeto de lei que visa implementar o Future-se

 

O Ministério da Educação (MEC) divulgou, no início da semana, a proposta de reformulação do programa Future-se. A nova versão aparece como resposta às críticas pontuadas, principalmente sobre a falta de detalhamento da proposta e as ameaças à autonomia das instituições de ensino superior, preceito constitucionalmente previsto e garantido (art. 207 da CEFB/88).

Embora essa nova versão da proposta seja tecnicamente melhor redigida, vários são os problemas que ainda persistem no projeto do Governo Federal. Isso porque o próprio cerne do Future-se parte de uma mudança de paradigma da educação, buscando a “mercantilização” e a “empresarização” das instituições federais de ensino e suas pesquisas.

Uma das mudanças principais da nova proposta é a forma de adesão ao programa. Nessa versão, será firmado um “contrato de desempenho” entre a instituição de ensino e o MEC, de modo a estabelecer indicadores de desempenho que permitirão o acesso a benefícios pecuniários especiais, para além das  dotações orçamentárias regulares a que se referem o art. 212 da Constituição e o art. 55 da Lei no 9.394/1996, que, lembre-se, estão congeladas em decorrência da EC nº 95/2016 (Novo Regime Fiscal) e sujeitas a contingenciamentos.

Ademais, após celebração do contrato de desempenho, as IFEs poderão escolher uma ou mais Organizações Sociais e/ou Fundações de Apoio para realizar os objetivos dos planos de trabalho e atingir os resultados acordados. A inclusão das Fundações de apoio, aliás, é outra mudança – o projeto antigo previa apenas que as instituições de ensino superior pudessem firmar contratos de gestão com Organizações Sociais.

Porém, não está detalhado como esse contrato de desempenho será firmado com o MEC e, inclusive, quais serão exatamente os indicadores de desempenho e os benefícios especiais que dele decorrerão. Não fica expresso, também, se a celebração do contrato de desempenho com o MEC é ato privativo da reitoria ou se essa decisão deverá necessariamente passar pelo órgão colegiado das instituições de ensino. Percebe-se, portanto, que os objetivos reais do programa, bem como sua operacionalização, ainda não estão claros o suficiente, permanecendo como uma ameaça aos três eixos da autonomia universitária: científico-pedagógica, administrativa e financeira.

Foram criados também dois fundos principais para financiamento do programa: o Fundo Patrimonial do Future-se e o Fundo Soberano do Conhecimento –FSC.

O primeiro, o Fundo Patrimonial do Future-se, será gerido por associação privada sem fins lucrativos e instituído segundo as diretrizes da recente Lei de Fundos Patrimoniais (Lei Federal nº 13.800/2019), que inicialmente foi promulgada com a finalidade de captação de recursos oriundos de doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público. O diferencial é que, no Future-se, bens públicos também poderão integralizar esse fundo patrimonial, o que era vedado na lei até então vigente (art. 17 da Lei Federal nº 13.800/2019).

O segundo, chamado Fundo Soberano do Conhecimento -FSC, multimercado, será composto por diferentes classes de ativos, tais como ações, renda fixa, câmbio e demais ativos financeiros e imobiliários, inclusive públicos, nos termos da Lei Federal nº 13.240/2015. Importante notar, aqui, que o objetivo de atender ao mercado financeiro em detrimento de uma real preocupação com a autonomia e captação de verbas para as universidades fica mais evidente. Na Lei Federal nº 13.240/15, a contratação de serviços de constituição, estruturação, administração e gestão de fundos de investimentos somente poderia ser feita, sem processo licitatório, por instituições oficiais federais (a exemplo da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil). No Future-se, esse requisito é vulnerabilizado, na medida em que a escolha da instituição financeira poderá se dar sem licitação, mas apenas por meio de um processo simplificado de seleção. Ademais, o novo projeto propõe que a própria União possa arcar com os custos iniciais de operacionalização do fundo, sem qualquer ônus para a instituição financeira contratada, que serão amortizados por meio de recebimento de cotas. Isso significa que não será exigido nem mesmo um investimento de capital inicial das entidades financeiras privadas.

Outro mecanismo de captação de recursos que merece destaque refere-se à instituição de Sociedades de Propósitos Específicos – SPEs, que poderão ser formadas no âmbito de uma ou mais instituições federais de ensino, por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, que resolvam trabalhar em conjunto para atingir um determinado objetivo, podendo inclusive assumir a forma de sociedade limitada ou anônima. As SPEs constituirão seu patrimônio próprio, independente do patrimônio dos sócios, sendo assegurado às instituições de ensino percentual do lucro auferido, caso tenha como sócio agente público vinculado às referidas sociedades, sendo vedado, contudo, que servidor público seja o administrador da SPE.

Por fim, a proposta atual afirma que os institutos federais e universidades terão 12 meses para integrar ao programa. Segundo o cronograma disponibilizado pelo próprio MEC, o projeto irá à consulta pública já no dia 28 de outubro, sendo enviado ao Congresso para votação no dia 8 de novembro. Nesse sentido, é importante permanecer atento. Embora a redação do projeto tenha sido mais trabalhada, permanece ainda uma evidente lacuna normativa e um atrelamento muito considerável aos objetivos de mercantilização da educação, com a mesma ênfase em atender aos interesses corporativos e precarizando a construção de uma Universidade pública, gratuita e de qualidade.

Belo Horizonte, 18 de outubro de 2019.

Sarah Campos e Luísa Santos, assessoria jurídica do APUBH