Reforma da Previdência: como podemos brecá-la
Surge oportunidade para barrar contrarreforma: desgaste de Bolsonaro é crescente e pode comprometer apoio do Congresso. Senado, universo menor que o da Câmara, pode ser usado pelos movimentos sociais para aumentar pressão
Fonte: Outras Palavras.
A tramitação da Reforma da Previdência no Senado Federal segue avançando sem muito estardalhaço e pode comprometer o futuro do modelo de seguridade social ainda existente em nosso País. Depois de aprovada em duas votações no interior da Câmara dos Deputados, agora a matéria está em avaliação na chamada casa revisora do nosso sistema congressual.
Ao contrário do que ocorreu na Câmara, o rito processual imposto pelo presidente Davi Alcolumbre (DEM/AP) foi bastante acelerado, oferecendo apenas quatro dias destinados à realização de audiências públicas sobre o tema. Na verdade, esse espaço de tempo é muito insuficiente para que os senadores e senadoras tomem consciência a respeito das maldades ainda contidas no texto que lhes foi enviado.
É bem verdade que algumas das maiores atrocidades propostas inicialmente por Paulo Guedes & equipe foram retiradas do texto. Esse é o caso da intenção de substituir o regime solidário pelo regime individual da capitalização. É também o caso das sugestões de diminuir os valores e as condições de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que se destina a idosos e pessoas portadoras de deficiência em famílias de baixa renda. Além disso, caíram as propostas de redução do acesso dos trabalhadores rurais aos benefícios da previdência social.
R$ 1 trilhão retirado dos mais pobres!
No entanto, a proposta ainda mantém no seu interior um elevado grau de regressividade. Isso pelo fato de que a essência da medida se define por uma abordagem da questão previdenciária apenas pela ótica do corte de despesas. Assim, mais de 80% do suposto esforço da “economia do trilhão” se concentra na redução de despesas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Ora a absoluta maioria dos benefícios pagos pelo INSS estão na faixa de até 2 salários mínimos. Mais de 99% dos benefícios dos trabalhadores rurais são de até 1 salário mínimo. Portanto, convenhamos que não estão presentes aqui, nesse universo da base de nossa pirâmide da desigualdade, os supostos “privilegiados” que a PEC diz combater.
A proposta atualmente debatida ainda é regressiva, uma vez que retira de quem tem menos e não toca nos setores que recebem os verdadeiros privilégios em nossa sociedade. Aqueles que estão no topo da pirâmide seguem intocáveis, recebem todas as benesses da legislação. Seja pela abordagem dos 5%, 1% ou 0,5% dos mais ricos, nenhum deles recebe benefício algum do RGPS e nem são servidores públicos. Essa elite tem seus rendimentos assegurados com base nas aplicações de seu patrimônio no universo das alternativas oferecidas pelo financismo. Nada a ver com previdência social.
O relator da matéria, senador Tasso Jereissati, parece não ter se sensibilizado pelos depoimentos apresentados nas poucas audiências realizadas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça. A maior parte das manifestações exibiram as injustiças que podem ser cometidas contra os servidores públicos, as pensionistas e trabalhadores submetidos a condições especiais (insalubridade, periculosidade e similares) caso a medida seja aprovada nos termos em que está atualmente.
PEC é recessiva e regressiva
O governo insiste com a falácia de que a proposta servirá como uma verdadeira redenção para tirar o Brasil da crise da recessão. Não é verdade! A medida é recessiva, pois promete retirar R$ 1 trilhão de famílias que têm alta capacidade de consumo ao longo de 10 anos. Com isso, trata-se de uma clara sinalização ao empresariado de que não haverá esforço para reanimar a capacidade de demanda na sociedade. Quais seriam as razões, portanto, para que os investidores se animassem a aumentar a capacidade instalada de nossa economia? Com certeza não serão os belhos olhos do Superministro da Economia nem uma crença cega na necessidade de uma medida como essa. Os investidores sabem fazer seus cálculos e não se aventurarão por caminhos ainda inseguros.
Os grandes meios de comunicação seguem repetindo a ladainha construída pela área econômica do governo de que a previdência social seria a grande responsável pelos problemas existentes na área fiscal. Isso também não é verdade. Os sites das próprias instituições oficiais nos exibem informações a esse respeito, evidenciando que a conta da administração pública federal que se apresenta como a mais estruturalmente deficitária é aquela responsável pelo pagamento de juros da dívida pública. Apenas ao longo dos últimos 12 meses foram destinados R$ 357 bilhões do Orçamento da União para esse fim.
Mas para a tecnocracia encarregada de zelar pela “responsabilidade fiscal”, as despesas financeiras devem ter um tratamento especial, quase VIP. O governo deve fazer todo o esforço para cortar despesas na educação, na previdência social, na saúde, na assistência social, nos gatos com pessoal e nos investimentos. Mas as despesas financeiras são sagradas, elas não podem ser tocadas! Uma completa inversão de valores sob a ótica republicana e cidadã.
O privilegiado é o trabalhador rural, que trabalha de acordo com o calendário da safra e passa a vida cortando cana com a foice sob o sol causticante. O privilegiado é o trabalhador da construção civil que passa a vida em uma multiplicidade de canteiros de obra e raramente consegue comprovar todo o tempo de contribuição por falhas e sonegação das empresas por onde trabalhou. O privilegiado é o trabalhador nas minas de carvão, que passa parte de sua vida em condições também sub-humanas a centenas de metros de profundidade. A privilegiadas são as viúvas que insistem em receber a pensão no valor de um salário mínimo do marido falecido.
Já aqueles que recebem as centenas de bilhões de reais generosamente distribuídos sob a forma de lucros e dividendos das empresas em nosso País, bem esses não precisam oferecer nenhum centavo de sua cota de sacrifício para ajudar o País a superar esse momento de dificuldade econômica. Uma lei aprovada em 1995, ainda sob a gestão de FHC – e mantida inalterada ao longo desses 24 anos! – passou a considerar esse tipo de ganho como isento de tributos.
O universo de parlamentares que deverão votar a matéria é bem mais restrito no Senado do que na Câmara. Ao invés de 513 do momento anterior, agora são apenas 81 nessa etapa. A capacidade de pressão do movimento social sobre eles é mais fácil de ser organizada. Cabe às centrais sindicais, às associações de servidores públicos e demais entidades do campo democrático e progressista realizar o trabalho de pressão e convencimento. Em cada unidade da federação são três senadores a serem procurados para evitar que a desgraça seja aprovada.
A cada dia que passa aumenta o desgaste de Bolsonaro e sua equipe. Os índices de desaprovação crescem em proporção jamais vista para um governo que mal completou seu oitavo mês de vida. Esse é o momento para avançar sobre os parlamentares e demonstrar que a manifestação de simpatia pelo projeto do capitão pode comprometer sua avaliação junto à sua base eleitoral.
Vamos à luta! O jogo ainda não acabou!