“Bloqueio imposto pelo MEC a instituições de ensino é inconstitucional”, aponta Procuradoria dos Direitos do Cidadão (MP Federal)
Segundo o órgão do MPF, além de interferir em atribuição do Legislativo, corte de recursos foi feito de modo desigual e é maior do que o contingenciamento sofrido pela pasta
” O “bloqueio” de 30% dos recursos imposto pelo Ministério da Educação a instituições federais de ensino superior é inconstitucional, pois fere o princípio da separação de Poderes e a autonomia universitária na sua tríplice vertente: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.
Veja a integra do posicionamento do Ministério Público Federal:
O “bloqueio” de 30% dos recursos imposto pelo Ministério da Educação a instituições federais de ensino superior é inconstitucional, pois fere o princípio da separação de Poderes e a autonomia universitária na sua tríplice vertente: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.
O posicionamento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal, e foi encaminhado nesta quarta-feira (15) à Procuradoria-Geral da República como subsídio à manifestação que o órgão deverá apresentar nas várias ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal para questionar a validade da medida.
No documento, a PFDC destaca que o chamado “bloqueio” ou “corte” de recursos realizado pelo MEC recaiu sobre ações orçamentárias específicas, com ênfase nos grupos das despesas investimentos e custeio – gerando impactos diversos nas universidades.
A Procuradoria esclarece que o contingenciamento imposto pelo governo federal ao MEC em 2019 foi de 24,7%, enquanto a maior parte das instituições de ensino tiveram “bloqueio” de recursos superiores a 30% – chegando, em alguns casos, a índices superiores a 50%.
“Chama atenção o dado de que o desinvestimento realizado por meio desse bloqueio de recursos atinge de forma acentuada as instituições de educação que se encontram principalmente nas regiões Norte e Nordeste. A opção vai na contramão de inúmeras pesquisas que demonstram que a estratégia de descentralização das instituições federais de ensino foi fundamental para ampliar o acesso à educação superior e gerar mais inclusão e igualdade”, ressalta a PFDC.
O órgão do Ministério Público Federal classifica como desolador o retrato da situação orçamentária das instituições de ensino mais atingidas pela medida. Na Universidade Federal da Grande Dourados, por exemplo, a diminuição de recursos foi da ordem de 48,62%; na Federal do Mato Grosso do Sul, de 52,04%; enquanto na Universidade Federal do Sul da Bahia, o corte de recursos alcançou 53,96%. Os dados são da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
“O ato normativo que em princípio daria suporte ao contingenciamento de recursos implementado pelo Ministério da Educação não autoriza providência tão trágica”, afirma a PFDC.
A Procuradoria destaca que Constituição Federal brasileira dá à educação – assim como à seguridade social – salvaguardas orçamentárias importantes, exatamente pelo papel que lhe cabe na transformação da sociedade nacional.
“Uma Constituição vocacionada a ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ e a ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’ teria logicamente que dar prioridade, no orçamento público, aos direitos fundamentais e às políticas para realizá-los com a máxima efetividade possível. E assim está na Constituição”.
Distribuição do orçamento é papel do Legislativo
O órgão do Ministério Público Federal relembra que a própria Constituição reservou ao Legislativo a matéria orçamentária. Não por acaso, compete a essa esfera de poder editar os planos plurianuais, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária anual, além de supervisionar e orientar a execução na área.
“Pareceria muito pouco razoável que, uma vez definidas as alocações de recursos, o Executivo pudesse subvertê-las mediante expedientes diversos. Uma das interdições à execução orçamentária está, por exemplo, no inciso VI art. 167, pelo qual se veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa”, ressalta o texto.
No documento, a Procuradoria aponta que, diante do “bloqueio” de 30% de recursos imposto pelo MEC às instituições federais de ensino, deve-se presumir que esse percentual corresponda à frustração da expectativa de arrecadação de receitas nessa área – e que esse quadro tenha sido devidamente demonstrado pela pasta.
“Considerando que o Legislativo já definiu as alocações dos recursos, a manutenção dessas escolhas depende exatamente de que o percentual de limitação de empenho seja o mesmo no âmbito de todo o Ministério da Educação. Do contrário, o Executivo estará alterando as definições legislativas no que se refere à distribuição da receita então prevista”, alerta a PFDC.
Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ao distribuir de forma diferente entre as instituições de ensino o percentual de limite de empenho e de movimentação financeira, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, acabou por substituir, ainda que indiretamente, as escolhas legislativas – criando distorções significativas na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Impactos na autonomia universitária
No posicionamento encaminhado à procuradora-geral da República, a PFDC ressalta ainda que a Constituição Federal, em seu artigo 207, assegura às universidades autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, devendo obedecer ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Apesar dessa determinação constitucional, pouco se avançou na construção de uma efetiva autonomia universitária e uma das poucas medidas nesse sentido foi o Decreto nº 7.233/2010. Além de estabelecer uma série de procedimentos relacionados à matriz de distribuição para a alocação de recursos, a medida também instituiu uma comissão – integrada por representantes de reitores de universidades federais e do Ministério da Educação, e responsável por definir o orçamento anual das universidades e a sua distribuição.
“Ao impor um bloqueio a partir de determinadas ações orçamentárias, o ato do ministro da Educação desorganiza por completo a matriz de distribuição definida por esse colegiado”, aponta o texto.
Além de sugerir que o posicionamento apresentado pelo Ministério Público Federal nas ações que tramitam no Supremo seja pela inconstitucionalidade do referido corte de gastos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também defende que um novo ato de contingenciamento às instituições federais de ensino atenda a uma série de cinco requisitos, que tratam: do respeito à atribuição do Legislativo na elaboração, fiscalização e execução do orçamento; da não execução do orçamento como situação excepcional; da obrigação legal do Executivo no que se refere às metas fiscais; da impossibilidade de impor limitação de empenho e de movimentação financeira em patamar superior ao de decreto de contingenciamento; assim como do respeito à definição orçamentária e respectiva distribuição de recursos entre as universidades federais de ensino superior, conforme estabelece o Decreto 7.233/2010.
Fonte: Jornalistas Livres.