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Férias é mais que um direito! É um ato de resistência!

Por Julie Amaral*

Às vésperas da interrupção das aulas na Universidade, é preciso lembrar que as férias são, não só um direito conquistado, mas uma necessidade fundamental à manutenção da saúde e bem estar de cada trabalhadora e trabalhador e, consequentemente, à continuidade da capacidade de trabalho. O ócio e a desconexão, especialmente tratando-se de um trabalho majoritariamente intelectual, são fundamentais para a manutenção da força criativa e recarga das energias. O descanso efetivo é um mecanismo essencial para continuidade da própria capacidade produtiva.

Apesar de ser um direito garantido, as férias docentes nem sempre são vivenciadas com a devida desconexão e são invadidas pela alta demanda de atividades no trabalho que não se interrompem junto ao calendário oficial de aulas. Esses efeitos são colhidos desde a década de 90, quando aconteceu uma importante intensificação do trabalho docente aconteceu a partir de ampla reforma do Estado que instituiu um novo modelo de organização e gestão das Universidade Públicas. De maneira geral passou a ser exigido de cada trabalhadora e trabalhador mais flexibilidade e maior produtividade. 

A nova estrutura passa a caracterizar a ciência como força produtiva e geradora de inovação, submetida aos valores do mercado capitalista. Já no âmbito da organização e gestão, a Universidade Pública passa a ser gerenciada por contratos de gestão e por índices de produtividade. Nesse contexto, um problema central passa a se apresentar: a mudança no tempo e na forma do trabalho docente. Toda essa alta exigência e pressão para cumprir metas de produção culminam no destino inevitável da extrapolação do limite físico e temporal do trabalho dentro da própria Universidade. Ele passa a estar presente em casa, a noite (tempo teórico de descanso), nos fins de semana e também nas férias.

Pesquisas, relatórios, reuniões, preparação e execução de aulas, orientações, demandas administrativas, atualização de currículos, emissão de pareceres, elaboração de textos e artigos científicos, etc… tudo isso, em tese, deve ser cumprido no arrochado prazo de 20 ou 40 horas semanais. E, ainda, o acúmulo de atividades, somado a constante interrupção por demandas administrativas e burocráticas tornam o tempo ainda mais apertado. 

Boa parte das atividades são invisíveis aos olhos da própria comunidade acadêmica e, principalmente, fora dela. Elas são imateriais e preparatórias (aquelas dos bastidores, como a leitura de artigos, reuniões de orientações, etc) para as atividades fim e são elas que sustentam a materialidade do trabalho. O problema é que o produtivismo supervaloriza essa materialidade, os números e as métricas e subvaloriza o trabalho dos bastidores, que é cotidiano e intenso. Para alcançar as metas, em parte esse trabalho dos bastidores pode acontecer dentro da Universidade e fora dela, invadindo a vida pessoal de cada docente e o tempo que poderia ser de descanso. 

Nos períodos de interrupções do calendário acadêmico, em que os alunos estão de férias, em tese, poderia ser também um tempo profícuo as descanso de professores e professoras. Alguns conseguem conciliar, em certa medida, os períodos, uma vez que os calendários e prazos e, especialmente, as atividades dos bastidores não param. Os e-mails não param e chegar, os prazos de pareceres, submissões, defesas, relatórios e prestações de contas continuam rodando, quase que como uma máquina desgovernada que, por vezes, atropela muita gente!

Essa lógica incorporada acaba por gerar introjeções de necessidades de produção que passam a parecer pessoais. Provoca também sentimentos de culpa, dívida constante para com as atividades e, nesse cenário, tirar férias e se afastar efetivamente das atividades é quase um ato de resistência. No mundo em que, basta um celular ligado para “estarmos no trabalho” ou conectado a ele se desconectar exige esforço. Como nos coloca Rodrigues at al (2020, p. 1836):

“Nessa perspectiva, lutar contra o tempo invasivo do trabalho implica lutar contra a dominação e o controle da vida, resgatando o verdadeiro sentido do trabalho docente que deveria significar autonomia, criação, liberdade e emancipação humana e social.”

Férias é mais que um direito! É um ato de resistência!

 

*Julie Amaral é psicóloga do trabalho e integra o Núcleo de Acolhimento e Diálogo do APUBHUFMG+ (NADi/APUBH)

 

Docente, disponibilizamos uma arte para que você utilize nas suas redes sociais, sinalizando que está temporariamente indisponível, usufruindo de suas férias.