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Censura às ciências nos EUA: e os/as cientistas brasileiros/as com isso?

Por Luciano Mendes*

 

Depois que o Ogro Fascista assumiu a presidência da grande República do norte, não passa um dia sem que eu receba alguma notícia ou alguma nota sobre a deslavada censura e as perseguições sobre as pessoas que fazem ciências naquele país. E tal perseguição, muito mais do que de atingir aos/às cientistas, se dirige às “classes de pessoas” especificadas no ideário fascista alardeado no mundo todo: imigrantes, negras, indígenas, pobres, LGBTQAPN+…

As notícias, no entanto, davam conta do que acontecia “lá” no norte do hemisfério. Agora, como no caso do aço, a coisa já chegou às bandas de cá, atingindo também, e muito diretamente, às pessoas que fazem cooperação com os EUA e às suas “pautas” de pesquisa que, desnecessário dizer, se referem a pessoas e experiências que, das mais diversas maneiras, contrariam o ideário fascista alardeado no mundo todo.

Luciano Mendes, professor Aposentado da UFMG e membro da Setorial Aposentadoria e Memória do APUBHUFMG+ | Foto: Acervo APUBHUFMG+.

Hoje mesmo (12/02/2025), recebi a seguinte relato de “um docente na UFMG”: 

“Caros e caras colegas, devem ter visto que o presidente Trump está conduzindo uma  verdadeira varredura nas universidades e agências de fomento à pesquisa nos Estados Unidos. Pois lamento informar que essa cruzada censória do Trump acabou de nos atingir diretamente. Ano passado fomos contemplados com uma bolsa da Fulbright Specialist Program” (…) Mas a gerente da Fulbright Brasil acabou de entrar em contato conosco para informar que nosso projeto foi simplesmente CENSURADO. Isso mesmo. Claramente constrangida, ela disse que teremos de “retirar ou substituir algumas palavras”. Parece coisa de 1984… Enfim, triste e intolerável o que está acontecendo agora nos Estados Unidos. Colegas, retornando ao tema da censura imposta pelo governo Trump, decidi compartilhar com vocês o projeto com os trechos assinalados pela Fulbright, que devem ser retirados ou alterados. É uma situação bizarra… Me sinto negociando uma bolsa com um regime ditatorial. Devo retirar termos como “Human Rights”, “oppressions of gender, class, and race”, “crisis of democratic principles”, “social emancipation”, “systems of oppression”, “cross-cultural interactions”, “promotion of social justice”, “growth of the incarcerated population and its racist implications”, “growth of inequalities”, “ecological crisis”, “growth of surveillance and security practices that violate fundamental civil and political rights” etc.”

Claro que isto não é novidade na história, nem dos EUA nem do Brasil, e a história das ciências está aí para o demonstrar cabalmente. No caso do Brasil, a sanha fascista do bolsonarista, no executivo e nos vários poderes da República e da sociedade civil, lembra que nada nem ninguém está a salvo do obscurantismo e da violência, muito menos as pessoas que fazem as ciências.

Penso que o que vivemos aqui na última década foi mais do que suficiente para que parte dos/as “acadêmicos” e as “acadêmicas” do Brasil, que apoiaram o Golpe de 2016 imaginando que estariam a salvo das investidas das pessoas que praticam uma refinada necropolítica baseada em pura mentira e em meias verdades, tomasse consciência de seu erro. Por outro lado, sei também que muitos/as há que, com títulos de doutores e doutoras, cientistas ou não,  lucram com fake News e com o fascismo, fazendo-nos lembrar, sempre e  sempre, como nos EUA hoje, que “o inimigo pode estar bem ao seu lado”.

A menos de dois anos das eleições de 2026, e com a cadela do fascismo sempre no cio, para lembrar os ensinamento de Gramsci, o desafio que se coloca para nosotres, cientistas de todos os quadrantes que acreditam minimamente na importância da democracia, dos direitos humanos e que o Estado existe para contribuir para o bem estar de todes, é o de construir/propor formas de articulação entre nós e com o conjunto das forças democráticas da sociedade brasileira e mundial, para fazer frente à escalada do fascismo entre nós. Ou seja, é preciso que mobilizemos nossas energias e nossas organizações para evitar que o extermínio das pessoas indesejáveis seja estabelecido, novamente, como política de Estado em nosso país.

É preciso que façamos, coletivamente, um apelo às nossas instituições científicas que tirem um pouco das energias e dos recursos, físicos e financeiros, que jogam nas discussões “umbigadais” e entrem decididamente em campo para compor, com os demais movimentos democráticos da sociedade civil, frentes para o enfrentamento do fascismo.  Há contribuições que as pessoas das ciências e suas instituições podem, com mais facilidade e rapidez,  trazer; e estas não são poucas.

Um dos nossos grandes desafios é construir, coletivamente, modos práticos e eficazes de combate aos efeitos da disseminação de mentiras por meio das plataformas digitais. Sabemos que há pouco interesse de certos poderes da República, da iniciativa privada, das big-techs e de boa parte do mundo político em fazer este combate  e que controlar a disseminação de mentiras sem o apoio destes setores é praticamente impossível. Então, como vamos nos organizar para isso? Quais os instrumentos e as boas práticas já existem sobre isto? Como disseminar e capilarizar instrumentos simples e eficazes de controle dos efeitos das Fake News nos mais diversos seguimentos sociais e nos mais diversos territórios?

O tempo é urge!  A hora é agora! Não dá para esperar amanhã para organizar a resistência!

 

*Luciano Mendes, professor Aposentado da UFMG e membro da Setorial Aposentadoria e Memória do APUBH.