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Onde estão os negros no ENEM?

Entre 2010 e 2016, o número de pretos e pardos (grupos que juntos formam a população negra brasileira) entre os candidatos do ENEM saltou de 51% para 60%, enquanto a parcela de brancos diminuiu de 43% para 35% e há várias respostas para essa mudança de perfil, conforme apontou o pesquisador Adriano Senkevics em artigo publicado neste mês pela Dados Revista de Ciências Sociais.

Em entrevista à BBC News Brasil, Senkevics apresentou um pouco do primeiro estudo a investigar o fenômeno da “reclassificação racial” — isto é, das pessoas que mudam sua autodefinição de raça ou cor — no ENEM. Ele encontrou três possíveis fatores que influenciaram essa mudança nesse período.

Novos Inscritos – Entre os estudantes que se inscreveram pela primeira vez o percentual de negros passou de 51,5% para 57% nos seis anos analisados. Para o autor, houveram alterações no cenário educacional brasileiro que ajudaram a aumentar esses números. A primeira dessas mudanças é o aumento na proporção de jovens que concluem o ensino médio, com redução da repetência e da evasão escolar nessa fase do ensino. Como resultado desse processo, mais jovens de baixa renda, negros e estudantes vindos de famílias menos privilegiadas se tornaram aptos a tentar uma vaga no ensino superior

Reincidentes – Em 2016 os alunos reincidentes, ou seja, que repetiram a prova do ENEM mais de uma vez, já representavam mais de 65%. A partir da terceira tentativa, a parcela de pardos passa a superar a de brancos, chegando a 48% de pardos para 30% de brancos entre aqueles que se inscreveram sete vezes, uma diferença significativa, de 18 pontos percentuais. O pesquisador destaca alguns indicadores que mostram as dificuldades dos candidatos negros no ENEM: pretos e pardos têm taxas de abstenção maiores nos dias de provas e médias de desempenho menores, em relação aos brancos. Essas dificuldades podem levar um candidato a se inscrever novamente na prova.

Reclassificação Racial – Senkevics identificou que, em vários casos de reincidentes, havia uma mudança na classificação racial dos candidatos e o que ele encontra é que, apesar de as alterações acontecerem em todas as direções, o saldo líquido das mudanças resulta em uma redução de 5% no número de brancos, aumento de 1% no de pardos e ganho de 13,7% na quantidade de pretos. Mas o pesquisador afirma que há pouca relação entre as reclassificações e possíveis tentativas de fraude, “a pessoa que é parda já é beneficiária da política afirmativa racial”, observou Senkevics ao portal Uol.

O especialista destaca ainda estudos do pesquisador David De Micheli que mostram que a autoidentificação como preto é maior entre os mais escolarizados, o que estaria ligado à maior exposição dessa parcela da população ao debate antirracista, ao resgate da história afro-brasileira e de seus elementos culturais e à militância negra por direitos.

O ENEM em 2021

Em 2021 tivemos o Enem com a menor participação de estudantes pretos, pardos e indígenas da história. Uma prova tão branca e elitizada traz sérios prejuízos para a diversidade e qualidade do ensino superior. Se durante o estudo de Adriano Senkevics o número de estudantes negros crescia ano após ano, recentemente temos visto um retrocesso gigantesco quanto à pauta racial no Enem. Desde 2016, o número de inscritos na prova recuou de 8,6 milhões naquele ano, para apenas 3,4 milhões em 2021. A proporção de pessoas pretas, pardas e indígenas também diminuiu no ano passado, de 62,3% em 2020, para 55,7% em 2021.

Para 2022 está prevista a revisão da Lei de Cotas, fator que impulsionou diretamente a entrada e permanência nas universidades de estudantes negros, indígenas e pessoas com deficiência. Com esta revisão a lei corre um sério risco, uma vez que pode ser feita por um governo autoritário e inimigo da educação.

O APUBHUFMG+ reforça seu compromisso com a Educação e a luta por uma Educação Antirracista de qualidade com e para as populações negras. Estaremos juntos e juntas nas ruas para garantir o acesso e a dignidade da Universidade Pública!