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Escritores e artistas urbanos contra a “PL 230/2017”. Informe-se e assine a petição.

Fonte: Escritores e artistas urbanos

Nós, artistas urbanos, coletivos e organizações e seus apoiadores abaixo assinados, viemos através desta manifestar nossa discordância quanto ao Projeto de Lei 230/2017 aprovado pelo plenário da Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte no dia 13 de Julho de 2021, e que segue agora para a sanção ou veto do prefeito Alexandre Kalil. O PL em questão falha, já de início, ao não ter feito a escuta das partes envolvidas, cometendo erros básicos de conceituação e mostrando total desconhecimento dos objetos de que trata – a saber, as artes urbanas, sobretudo o graffiti e a pixação. Não reconhecemos portanto a validade do texto para a regulação das atividades por nós desenvolvidas e não acreditamos que ele resolva problema social algum, ao insistir no punitivismo e se afastar do diálogo. Por isto pedimos o veto integral do mesmo pelo prefeito Kalil.

Antes de mais nada é importante lembrar que o tema já é objeto da Lei Federal Nº 12.408, de 25 de Maio de 2011, que estabelece penalidades bastantes para a prática da pixação, bem como reconhece a prática do graffiti. Apesar dos equívocos também expostos no texto da Lei Federal, é patente a redundância do PL 230, ao repetir dispositivos já previstos em instância superior. Desta perspectiva o PL parece bastante oportunista ao propor uma solução já existente, em véspera de ano eleitoral.

Destacamos também que as punições previstas pelo PL em nada contribuem com a solução do conflito entre sociedade e pixação, pois o acúmulo de multas nunca funcionou, e nem parece que funcionará, no estancamento desta ferida. A pixação se define como um movimento de protesto contra as mazelas sociais vividas por seus praticantes, que são inúmeras, e o caráter transgressivo é a tônica do movimento. Desta forma as multas e punições sofridas parecem, ao invés de inibir, incentivar que os pixadores prossigam com o seu protesto. 

Importante lembrar que a pixação em Belo Horizonte, longe de ser uma prática impune, se destaca no país como uma das mais reprimidas, tendo em seu histórico inúmeros casos de pixadores punidos com multas severas e privados de liberdade em vários níveis. Destacamos aqui o uso da tipificação por formação de quadrilha, usada para aumentar a pena de pixadores investigados na capital. Bastante atípica na jurisprudência mas já utilizada algumas vezes por aqui, gera punições pouco razoáveis para quem está apenas escrevendo nos muros. Nem por isto a pixação em Belo Horizonte diminuiu ou deixou de acontecer. Ao contrário, parece ter crescido e se tornado cada vez mais ousada nos últimos anos.

Jovens acumulam multas que nunca terão capacidade de pagar, outros amargam períodos custosos em privação de liberdade. Tudo isto, num contexto de vulnerabilidade social, alimenta sua compreensão de que não existe diálogo possível com uma sociedade que só sabe lhes punir. A pixação, embora muito pouco compreendida pela população em geral, é uma prática cultural cuja origem em nada diverge da do graffiti, celebrado de maneira errônea no PL como antídoto para a primeira. Este equívoco, expresso por parlamentares pouco interessados em uma discussão aprofundada sobre o tema, acaba por reforçar o encarceramento em massa das juventudes periféricas – tema que foi objeto de lei recente que instituiu o 20 de Junho como Dia Municipal de Luta Contra o Encarceramento da Juventude Negra. É justamente desta juventude que estamos falando, e que se encontra, mais uma vez, criminalizada.

Ao cometer o erro conceitual de tratar uma prática como antídoto da outra, o PL gera um conflito nas ruas e uma situação bastante embaraçosa dentro da arte urbana. Os atores deste meio se reconhecem e se respeitam, há uma ética que regula sua interação no ambiente urbano – uma lei não escrita que nunca dependeu do poder público. Ao tratar destes grupos numa mesma lei, antagonizando-os, o PL perturba profundamente esta harmonia. O poder público não pode chancelar esta guerra em potencial, um conflito inventado por terceiros!

Ademais, além de criar uma zona de tensão inexistente, o PL não traz nenhum benefício concreto às artes urbanas na cidade. Os ditos incentivos previstos no texto, como campanhas, concursos públicos e parcerias com órgãos públicos e iniciativa privada, já existem e não dependem do PL para continuar existindo. Iniciativas como a Bienal Internacional de Graffiti, CURA, Território Arte Urbana, Encontro Delas, Semana Hip Hop, Macro Mural do Alto Vera Cruz, além de inúmeras outras de incentivo e fomento à produção de arte urbana feitas em programas governamentais como Escola Integrada, Fica Vivo, Arena da Cultura, Virada Cultural, Programa Guernica e Projeto Gentileza são anteriores ao PL e servem para ilustrar a boa aceitação das práticas de intervenção pela cidade, independente de lei que as incentive. BH é referência internacional no assunto e podemos notar, em episódios recentes – como na tentativa de apagamento de murais na cidade -, que a população, incluindo o prefeito, saíram em sua defesa e deixaram claro seu apreço por estas práticas.           

Acrescentamos que o PL não dá nenhuma solução ao delito da pixação além da punição através de multa. Não há programas sociais, nem propostas educativas e/ou integrativas. Ou seja, na prática celebra a arte urbana, sem nada lhe oferecer, cria uma zona de conflito e aumenta punições já existentes, sendo um dispositivo exclusivamente punitivista. O lugar da pixação, embora polêmico, é de um sutil equilíbrio entre a arte e a transgressão, e é uma infelicidade constatar que o PL que se dedica sobre o tema na capital encaminhe-o para o campo penal, se distanciando de soluções construtivas e baseadas no diálogo.

Acreditamos no poder de transformação da arte e entendemos que esta transformação muitas vezes é mal compreendida, gerando conflitos. A pixação, embora assumidamente transgressiva, traz em seu conteúdo algo mais, mesmo que difícil de ser lido pela sociedade. Não viemos advogar a liberação ou a autorização desta prática. Defendemos porém que o caminho não é de um acúmulo de punições, mas de diálogo, integração, respeito e cuidado social.

Assine esta carta pelo link: https://abre.ai/escritoreseartistasurbanos