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Ciência e Educação agem vagarosamente

Fonte: Pensar a Educação – em Pauta

 

Neste momento em que a pandemia causada pela Convid-19 faz as sociedades humanas em todo o planeta viver uma crise sem precedentes na história recente da humanidade e traz implicações para todas as dimensões de nossas vidas, há uma expectativa generalizada de que as ciências encontrem rapidamente uma cura para os males causados pelo novo coronavirus e permita que nossas vidas voltem rapidamente ao normal. Do mesmo modo, há uma parte considerável da população e das autoridades públicas no mundo inteiro que não querem que as crianças e os adolescentes percam tempo em casa, e saem, de forma inconsequente, defendendo os benefícios da educação à distância e da educação em casa.

Muitos dos que desdenharam da importância estratégica das ciências para o enfrentamento de alguns dos grandes dramas humanos, entre eles a proteção á vida e à saúde, são, agora, os que mais pedem pressa das ciências na solução da crise pandêmica. No entanto, não podemos esquecer que as ciências, assim como a educação, agem de forma lenta e contínua, e não de forma abrupta e intempestiva. É por isso que em ambas as dimensões, a científica e a educativa, os investimentos financeiros e humanos devem ser contínuos e  pensados a longo prazo.

De um modo geral, quando uma descoberta científica chega a impactar positivamente a vida dos seres humanos, seja na forma de um novo remédio ou na proposição de  novos modos de agir da comunidade humana, por exemplo, muito tempo se passou entre o início daquela pesquisa e a disponibilização do novo produto ou processo para o uso seguro por um grande número de pessoas.  Do mesmo modo, quando temos cidadãos adultos bem formados do ponto de vista intelectual, ético e moral, e que venham a agir de forma respeitosa e construtiva junto aos demais membros da comunidade, isso se deve a um longo processo de formação, iniciado antes mesmo de seu nascimento e que jamais terá sido concluído definitivamente.

Diante disso, é preocupante quando as autoridades que deveriam zelar pela observância dos ritmos e tempos da ciência e da educação sejam os primeiros a alardear soluções quase mágicas para a crise generalizada em que vivemos.

Não é sem razão que o recente anúncio, feito pelo Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações,  de que cientistas brasileiros estão prestes a “inventar” um medicamento que seria eficaz contra a Covid-19, preocupa a comunidade científica. A busca por uma solução rápida não deveria fazer com que as autoridades da República responsáveis pelas políticas de ciência e tecnologia levassem a população a acreditar que pode haver atalhos promissores e seguros na atividade científica. Geralmente, dizem vários cientistas, entre um medicamento “dar certo no laboratório” e “dar certo para curar seres humanos” de alguma doença, pode transcorrer vários anos de  pesquisas e de testes.

No campo da educação, a ideia de que as crianças e adolescentes não podem ficar perdendo tempo em casa ou a noção de que não podemos “perder o ano letivo”, faz com que os gestores das escolas públicas e privadas saiam, freneticamente, pensando em formas de ocupar o tempo das crianças em casa, para que elas não percam o tempo e nem o ano letivo. Os sindicatos docentes e os professores denunciam que tais gestores parecem desconsiderar que estamos passando por uma experiência inusitada e cujas consequências nas relações humanas, inclusive familiares, e com tudo o que nos cerca foram impactadas. Não parecem considerar que não foram construídas as condições materiais e intelectuais tanto no que diz respeito às escolas e seus profissionais, quanto do ambiente doméstico e seus habitantes, para que o ensino e o aprendizado possam transcorrer de forma tranquila, eficiente e saudável como deve ser a boa educação.

A impressão que se tem é que, tanto no caso das ciências quanto da educação, os adultos estão agindo com a ansiedade infantil ou juvenil das novas gerações. Não parecem entender, tanto os gestores das ciências como os gestores da educação, que os impactos da crise que estamos passando durarão por longos anos e que temos que nos preparar, societariamente, para enfrenta-los. E um dos modos de fazer isso é, nesse momento, reavaliando criteriosamente os modos como entendemos os tempos e os investimentos em educação.

Se queremos mesmo que todas as  nossas crianças e jovens tenham maior bem estar no presente e no futuro, é preciso que a sociedade brasileira compreenda que não será por meio de governos obscurantistas e autoritários que vamos consegui-lo; se para alcançar esse bem estar para todos precisamos de qualidade na educação e nas ciências, jamais alcançaremos deixando de investir nestas áreas e transferindo nossos recursos e riquezas  para os bancos e para as empresas estrangeiras; não será precarizando a vida da população trabalhadora, como se vem fazendo no Brasil nos últimos anos, que construiremos um país mais rico e igualitário; não será destruindo o meio ambiente e as vidas que habitam os nossos diversos territórios que  construiremos uma Nação forte e soberana.

Não há atalhos para fazer a coisa certa, assim como não será de governos e gestores obscurantistas e autoritários que virão as soluções para os problemas que hoje nos afligem de forma tão vigorosa.  Nada nos garante que sairemos desta crise seres humanos melhores, e a ação do Presidente da República e de muitos de seus auxiliares e seguidores está aí para nos confirmar isso.  Se não agirmos coletivamente na direção contrária, podemos sair da crise com mais bolsonaristas do que democratas, mais empresas educacionais do que políticas públicas de educação, com mais educação à distância do que professores, com mais Weintraubs do que Paulos Freire, com mais receitas mágicas e miraculosas do que ciências. Este é o nosso momento, essas são as nossas opções.