Notícias

Reitores querem expor impacto positivo das federais para combater ‘fake news’

Foram destacadas as contribuições das universidades na formação de profissionais, na pesquisa, ciência e tecnologia, e em projetos de extensão

Reitores de três universidades federais da região Sul do Brasil se reuniram no início da noite desta quinta-feira (6), no auditório da Universidade Federal das Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSP), em um debate sobre o impacto das instituições públicas de ensino superior para a sociedade. O evento, que fez parte do ciclo de debates “Furando Bolhas”, promovido pela UFCSPA, destacou as contribuições das universidades na formação de profissionais, na pesquisa, ciência e tecnologia, e em projetos de extensão, um trabalho que muitas vezes acaba passando despercebido pela população, mas que precisa ser divulgado no contexto de cortes orçamentários e de difusão de informações falsas sobre as instituições nas redes sociais.

“Anfitriã” do evento, a reitora do UFCSPA, Lucia Pellanda, abriu o debate e destacou em sua fala o impacto positivo da pesquisa científica das universidades públicas. Citou, por exemplo, uma pesquisa desenvolvida na Universidade Nacional de Brasília  (UNB) que desenvolveu um método mais simples para combater focos no mosquito Aedes aegypt — responsável por transmitir doenças como dengue, zika e chicungunha –, ajudando a reduzir em 80% a quantidade de mosquitos na localidade de São Sebastião (DF). Outro exemplo usado pela reitora foi o de uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em que utilizou-se a pele da tilápia para o tratamento de queimaduras, que acabou ganhando destaque internacional ao ponto de ser citada na seriado médico da TV americana Grey’s Anatomy. “Isso jamais seria pesquisado pela iniciativa privada”, disse.

Pellanda destacou que os investimentos em pesquisa na área de saúde costumam trazer grandes benefícios para a sociedade, não só em termos de avanços de tratamentos, mas também em redução de custos do poder público, sendo que, em média, cada R$ 1 investido na área geraria um retorno entre R$ 12 e R$ 27. Além, é claro, das vidas salvas pelas pesquisas. Nesse sentido, destacou o trabalho do professor Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), que ao realizar estudos sobre amamentação e nutrição materno-infantil contribuiu para o desenvolvimento de metodologias de atuação na área médica que ajudaram a reduzir os índices de mortalidade infantil no mundo todo. Um trabalho diversas vezes premiado internacionalmente e cotado para vencer o Prêmio Nobel de Medicina.

Por outro lado, a reitora da UFCSPA criticou o posicionamento do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, ao defender a necessidade de contingenciamento de verbas das universidades federais, argumentou que os gastos do governo federal com cada aluno do ensino superior possibilitariam abrir 10 novas vagas em creches. Pellanda destacou que, de acordo com dados do Tribunal de Contas da União, cada aluno de universidade pública custa, mensalmente, R$ 1.872,10 à União. Pelos cálculos do MEC, que levam em conta o gasto com servidores já aposentados, esse montante sobe para R$ 3.129, ainda assim longe de possibilitar o pagamento de dez vagas de creche. Como efeito de comparação, a reitora destacou que o custo por aluno de uma creche no município de Novo Hamburgo é de R$ 1.429.

Reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca afirmou que existe um ataque coordenado contra a imagem das universidades e que há uma “profissionalização para a construção de mecanismos de desinformação”. Citou como exemplo um vídeo que circulou no WhatsApp durante o período eleitoral em que os reitores das federais são chamados de traficantes e organizadores de orgia. “Isso está circulando e a tia do WhatsApp está acreditando”, disse. No entanto, ele ponderou que o mais preocupante é que grande parte das fake news sobre as universidades têm origem no MEC e na presidência.

Destacou, por exemplo, a fala de Bolsonaro de que a maioria da pesquisa brasileira é feita pelas universidades brasileiras e que um expoente disso seria a Mackenzie, de São Paulo, pelo seu trabalho sobre o grafeno. Fonseca destacou que apenas dois professores da UFPR sozinhos tem mais produção sobre o grafeno do que a Mackenzie em toda suas história.

Ele criticou também o vídeo em que ministro e presidente aparecem explicando os cortes de verbas com “chocolatinhos”. O reitor destacou que, no caso da UFPR, o orçamento de custeio e investimentos para 2019 previa uma verba de R$ 161 milhões. Como previsto, R$ 50 milhões foram gastos no primeiro quadrimestre, mas outros R$ 50 foram bloqueados em maio, sobrando então um valor insuficiente para os próximos oito meses. “E aí o ministro vai nas redes sociais com os chocolatinhos e diz que foi só 3,5%, e vai lá alguém e ainda come um chocolatinho”.

Para Fonseca, o debate se o termo correto a ser usado é corte ou contingenciamento é irrelevante, pois a realidade é que as universidades não têm recursos para honrar todos seus compromissos até o final do ano. Referindo-se à UFCSPA, destacou que as ciências da saúde precisam de insumos, laboratórios e equipamentos para o ensino de graduandos. “Se não temos verba pra isso, como fica a formação?”

E se não existirem mais?

Ricardo Fonseca perguntou em sua fala o que aconteceria com a sociedade se as universidades forem inviabilizadas? Para ele, o cenário de inviabilização não só é real, como é iminente caso os cortes de 30% no orçamento de custeio das instituições não seja revertido.

“Nós somos o motor da produção do conhecimento nesse País. Segundo o censo da educação de 2014, 85% das instituições de ensino superior são privadas e 15% públicas, mas somos responsáveis por 95% da pesquisa. Nós carregamos nas costas o conhecimento brasileiro”, disse, ironizando o argumento de “eficiência” usado pelos defensores do sistema privado.

Ele também questionou o que seria da população de Porto Alegre se, por acaso, não houvesse mais verbas para o funcionamento dos hospitais universitários? “Lá em Curitiba seria uma tragédia, porque o maior hospital público do Paraná é o Hospital de Clínicas da UFPR”.

Interesses do mercado financeiro

Reitor da Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA), Gustavo Oliveira Vieira fez em sua fala uma contextualização do cenário de ataque às universidades públicas citando duas referências culturais. Primeiro, ao falar de “pós-verdade”, citou um esquete do grupo humorístico Porta dos Fundos que, sob o nome de “polêmica da semana”, simula um debate entre um especialista em um determinado assunto e um leigo. Em um dos episódios, um blogueiro discute com uma médica, pesquisadora e professora sobre a validade da vacina, com o primeiro tendo mais tempo para falar e, ao final, uma “dona de casa” decide que é um assunto difícil de opinar. Na sequência, citou um trecho de Hamlet em que um personagem considerado como louco “comete uma atrocidade”, ao que outro responde que “havia método na sua loucura”.

Vieira explicou que usou esses exemplos para dizer que vivemos o caos da pós-verdade, mas que há um método por trás disso, que seria a cooptação do sistema político pelos capitalismo financeiro. Ele destacou que essa cooptação se percebe, por exemplo, quando mais da metade do orçamento da União é destinado para o pagamento de juros da dívida pública. Percebe-se também quando ministérios são ocupados por representantes de grandes setores da economia, e também quando um economista é nomeado para o MEC. Para o reitor, a financeirização da educação tem por objetivo entregar as vagas das universidades públicas para o setor privado, o que foi sinalizado durante o período eleitoral quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, a substituição da rede pública de educação por um sistema de compra de vagas por meio dos chamados vouchers. “O debate não é só conceitual, há interesses financeiros em jogo”, disse.

Para Vieira, esse é um movimento que vai na contramão da política do período anterior, em que as universidades federais foram utilizadas, por um lado, para a promoção da inclusão e da diversidade no ensino superior e, por outro, como ferramento de desenvolvimento regional ao serem criadas novas instituições e novos campi em locais empobrecidos do País. Fundada em 2010 na cidade de Foz do Iguaçu (PR), a Unila contra hoje com cerca de 6 mil alunos entre graduação e pós-graduação, sendo 28% deles não brasileiros — a universidade foi criada para ser um polo de integração internacional, com previsão de vagas para estrangeiros. Hoje, além das cotas, conta com reservas de vagas para refugiados

“Se nós olhássemos uma foto do público das universidades no passado e olhasse uma foto de agora, mudou profundamente”, diz Vieira, acrescentando que as instituições deixaram de servir apenas as elites para atuarem no preenchimento de lacunas da sociedade.

Nesse contexto, ele destacou que as universidades criadas recentemente sofrem ainda mais com o bloqueio de verbas, uma vez que ainda estão implementando novos programas, cursos e turmas e, em vez de redução, precisariam de aumento dos recursos correspondentes a essa ampliação.

O que fazer?

Apesar dos avanços registrados com essas políticas, o reitor da Unila avalia que as universidades não conseguiram desenvolver metodologias que conseguissem auferir o impacto delas na sociedade para além do que chamou de uma “visão míope” do custo por aluno. Vieira destacou que esse impacto vai além da formação de professores e dos trabalhos de pesquisa. Disse que, no caso da Unila, há, por exemplo, uma cooperação com a Polícia Federal para a perícia de drogas apreendidas. Há também um laboratório que conta um super computador capaz de auxiliar autoridades que necessitam quebrar senhas. No campo da Arquitetura, destacou que um projeto de extensão ajudou no desenvolvimento de projetos de loteamentos populares em Foz do Iguaçu. “São questões que não seriam possíveis numa lógica de subserviência econômica”, afirmou.

Fonseca, da UFPR, também destacou que é preciso mostrar para sociedade que mesmo o trabalho de pesquisa tem impacto direto na vida de todos os brasileiros, uma vez que é de vital importância para o desenvolvimento econômico. Destacou, por exemplo, que vem dos laboratórios universidades públicas 70% das espécies de cana de açúcar brasileiras. Ainda no setor do agronegócio, argumentou que foi graças à pesquisa, ciência e tecnologia que a produção de soja brasileira pode saltar de um produtividade de 800 quilos por hectare para os atuais mais de 3 mil. “O que é isso? Intervenção divina? Sorte? Acaso? Isso é ciência e tecnologia”.

O reitor defendeu que, ao contrário do que o governo está demonstrando nesse início, o que deveria ser feito é um pesado investimento público em ciência e tecnologia, o que, segundo ele, foi feito na Coreia do Sul. “Nos anos 1960, a Coreia ainda tinha tração humana na agricultura, não era nem animal. Depois de massivos investimentos em educação e pesquisa, hoje metade do auditório deve ter um celular coreano em casa, deve ter uma TV coreana, quem sabe até um automóvel”, disse.

Vieira defendeu que as universidades federais precisam organizar uma articulação conjunta para enfrentar um cenário em que, nos primeiros meses do governo Bolsonaro, não houve interlocução com o MEC para discutir uma proposta para o ensino superior. Para ele, é preciso fazer um trabalho de gerar dados e informações públicas sobre o trabalho das federais. “É na sociedade que a gente precisa ganhar o debate e recuperar a legitimidade”, disse.

 

Fonte: Sul21.