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Lei torna obrigatória a apresentação de certidão de Antecedentes Criminais para trabalho com crianças e adolescentes.

Desde a publicação da lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024, no Diário Oficial da União (DOU), todos os trabalhadores e trabalhadoras de instituições sociais públicas e privadas que atendam crianças e adolescentes deverão apresentar, a cada 6 meses, a certidão de antecedentes criminais.

A medida é prevista pelo artigo 9º da lei que alterou a redação do artigo 59-A do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 59-A: As instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses. Parágrafo único. Os estabelecimentos educacionais e similares, públicos ou privados, que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes, independentemente de recebimento de recursos públicos, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores.”

A lei nº 14.811 cria uma série de medidas de proteção à criança e ao adolescente a fim de coibir a prática da violência seja ela, física, sexual, psicológica, institucional, patrimonial, doméstica ou familiar, bullying e cyberbullying, “em estabelecimentos educacionais ou similares”.  Estabeleceu-se ainda a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente.

Diz o artigo 2º da Lei: “As medidas de prevenção e combate à violência contra a criança e ao adolescente em estabelecimentos educacionais ou similares, públicos ou privados, devem ser implementadas pelo Poder Executivo municipal e do Distrito Federal, em cooperação federativa com os Estados e a União”.  Nesse sentido, os protocolos criados para a proteção das crianças e adolescentes devem ser objeto de capacitação continuada do corpo docente e informados à comunidade escolar e “da vizinhança em torno do estabelecimento escolar”.

“Eu considero um absurdo a aprovação da lei 14811 e a alteração do artigo 59 do estatuto da criança e do adolescente. Porque se vê aí uma criminalização dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação. Está embutido nessa aprovação uma visão punitiva e criminalizante, com a narrativa de que com isso vai proteger as crianças e adolescentes.  O estado autoritário sempre usa essa narrativa: diz que vai proteger, punindo. Isso não cabe para os educadores e as educadoras e também para outros profissionais”, critica Walter Ude, professor aposentado/voluntário do Programa de Pós-graduação PROMESTRE-EJA da Faculdade de Educação da UFMG e Coordenador do Componente Educativo do Projeto PrEP 15 19 da Faculdade de Medicina UFMG.

Em artigo publicado no site da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE, José Geraldo de Santana Oliveira, consultor jurídico da entidade, destacou que, após a promulgação da lei, diversas instituições de ensino começaram a exigir a certidão de antecedentes criminais levando a questionamentos sobre a constitucionalidade da lei. Tal fato suscitou a necessidade urgente de realizar um debate jurídico acerca do tema.

“Por que só os profissionais da educação? Que suspeição é essa com os profissionais da educação? É uma imposição absurda, que não podemos aceitar. É uma visão criminalizante, que estigmatiza a nossa classe: a classe de trabalhadores. É um ataque vergonhoso à educação”, reforça o professor Walter Ude.

Ele ainda levantou uma importante reflexão sobre como as pessoas que passaram pela ressocialização ou tiveram algum tipo de condenação podem atuar positivamente na educação de jovens e crianças em cumprimento de medida socioeducativa. “É curioso que, por exemplo, quando se trata de crianças e adolescentes em medida socioeducativa, se vê, se observa muitos educadores e educadores que tiveram uma história semelhante: passaram pelo sistema penal, sofreram alguma condenação numa sociedade tão desigual e tão racista. Esses educadores e educadoras têm grande empatia com as crianças e adolescentes, porque há aí uma identificação, um propósito de prevenir ou de alterar esse percurso criminalizante e de reverter e resistir a isso”, lembrou o professor.

Para além disso, o consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira levanta um questionamento crucial ao final de sua reflexão: “Eventual certidão de antecedentes criminais positiva autoriza a rescisão do contrato por justa causa?” Essa lei enseja um amplo debate jurídico e nas entidades de educação a fim de garantir que a lei não se configure num mecanismo discriminatório no processo de seleção ou de demissão das instituições de ensino ou estabelecimentos que lidam com crianças e adolescentes. Em breve, o APUBH publicará uma nota jurídica sobre o assunto. Acompanhe!