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Governo Bolsonaro destrói Política Nacional de Saúde Mental

Fonte: LPS

Com o mote ”Saúde não se vende, loucura não se prende, em defesa do SUS e do cuidado em liberdade”, será realizado no dia 16 de dezembro um ato virtual em defesa da Luta Antimanicomial, da Reforma Psiquiátrica, da Rede de Atenção Psicossocial Antimanicomial (RAPS), dos Direitos Humanos e do SUS. O protesto pretende ser uma resposta à proposta de alteração e destituição de diversos serviços e programas da RAPS, que atende as/os usuárias/os de saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS), apresentada no dia 03 de dezembro de 2020, na reunião do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). As ameaças do governo Bolsonaro colocam em risco os avanços obtidos nas últimas décadas por meio da Política Nacional de Saúde Mental do SUS, da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial

Entre as principais propostas de mudanças na política de saúde mental estão:

– Revogação dos mecanismos de fiscalização e estímulo a redução do tamanho dos hospitais psiquiátricos

– Extinção de equipes que apoiam a transferência de moradores de hospitais psiquiátricos para serviços comunitários

– Propõe que os Caps façam apenas reabilitação, possivelmente deixando o atendimento psiquiátrico para outro serviço

– Cogita extinção dos Caps voltados aos usuários de álcool e drogas

– Cogita transferência dos serviços residenciais terapêuticos e o Programa De Volta para Casa para assistência social

– Extinção de serviços para atendimento à saúde da população em situação de rua

– Afrouxamento do controle sobre internações involuntárias, revogando portaria que determina comunicação ao Ministério Público

– Dissolução da instância que reúne os principais gestores da política de saúde mental do país.

– Revogação de composição do Fórum Nacional sobre Saúde Mental de Crianças e Adolescentes.

– Revogação das diretrizes atuais sobre Saúde mental indígena

– Transferência de responsabilidades da política de drogas para o Ministério da Cidadania

– Define abstinência como objetivo principal e redução de danos como complementar

– Interrompe distribuição de insumos para evitar transmissão de doenças durante uso de drogas

– Retira a possibilidade de atendimento de pessoas com dependência química em Caps

– Defende a criação de serviços específicos para pessoas com diagnóstico de dependência e outro transtorno psiquiátrico

– Transferência do financiamento e regulação de unidade de acolhimento para o Ministério da Cidadania

De acordo com o Conselho federal de Enfermagem (Cofen), “para a Enfermagem brasileira, essa tentativa representa o retorno do modelo psiquiátrico hospitalocêntrico, asilar e centralizador que interfere na dignidade da pessoa humana ao cercear o cuidado em liberdade e restringir a oferta de cuidados e tratamentos em detrimento a um Sistema de Saúde Mental Nacional exitoso, norteado pelo processo de Reforma Psiquiátrica orientada pelos princípios da Desinstitucionalização e Reabilitação psicossocial.”

O documento que está servindo de base para várias dessas propostas de mudanças foi elaborado pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e abre um intenso debate entre a comunidade médica. A ABP refuta que as propostas signifiquem um desmonte da atual política, porém, para o psiquiatra Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, se aprovadas, as propostas vão desmontar todo o aparato construído para dar fim aos manicômios no país, pois vão no sentido de esvaziar o lugar da atenção psicossocial, da reabilitação e do trabalho comunitário e reforçar o trabalho da psiquiatria.

Obviamente que há interesses corporativos e econômicos que permeiam o apoio da ABP ao projeto bolsonarista, uma vez que as internações gerarão lucros para redes privadas que atuarão em parcerias com o Estado. Garcia denuncia que a discussão foi feita ouvindo só uma parte dos psiquiatras do Brasil. Ele explica que “a ABP não representa a totalidade dos psiquiatras brasileiros. Está tentando, com o governo que está aí, desmontar uma política de Estado via portaria. É uma esperteza, porque aí não precisa fazer uma discussão com a sociedade, com o Congresso.” A lei 10.216 (que estabelece a Política Nacional de Saúde Mental) e a Reforma Psiquiátrica foram lançadas no Brasil após 12 anos de debate no Congresso e na sociedade, e efetivados em milhares de serviços pelo Brasil. O que a ABP tenta fazer hoje é ajudar um governo antipopular e repressor a mudar o rumo dessa política unilateralmente.

 

Hospitalização em manicômio é centralidade do governo Bolsonaro

Logo no início do governo Bolsonaro, em 2019, uma nota técnica do Ministério da Saúde, reorientou as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental. Entre as alterações, constaram a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia — eletrochoques — para o Sistema Único de Saúde (SUS), internação de crianças em hospitais psiquiátricos e abstinência para o tratamento de pessoas dependentes de álcool e outras drogas.

Desde o golpe de 2016, que derrubou o governo eleito de Dilma Roussef, a Política Nacional de Saúde Mental vem sendo paulatinamente desmontada. Em 2018, houve a suspensão de centenas de contratos de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e serviços de residência terapêutica.

A meta do governo é ampliar as internações em clínicas e em comunidades terapêuticas, em sua maioria ligadas a instituições religiosas. Um Relatório do Conselho Federal de Psicologia, alertou, em 2017, sobre as violações encontradas em inspeções nas comunidades terapêuticas. Vinte e oito estabelecimentos das cinco regiões do Brasil foram vistoriados em outubro de 2017, em ação conjunta com o Ministério Público Federal (MPF) e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), onde foram registradas privação de liberdade, trabalhos forçados, internação de adolescentes e castigos físicos.

A Política de Saúde Mental brasileira, construída por meio da luta antimanicomial, representa uma das estruturas fundamentais de nosso sistema público de Saúde e sua destruição é parte do desmonte do SUS promovido pelo governo Bolsonaro, iniciada com a Emenda Constitucional nº 95, aprovada em 2016, que congelou os gastos com Saúde e Educação por 20 anos.

Quando saúde se transforma em mercadoria, vidas humanas transformam-se em fontes de lucro e há muitos setores da sociedade interessados nos fundos públicos para comercializar estruturas hospitalares e manicomiais de confinamento e controle dos corpos, principalmente dos corpos dos mais pobres, em sua maioria negros. Trata-se de uma fatia lucrativa da medicina, que nada tem a ver com a necessidade de reabilitação e de tratamento das pessoas. Associada à intenção de controle e repressão social, o retrocesso em relação à luta antimanicomial revela a perversidade que sustenta o sistema capitalista.