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Governo arma arapuca para gestores de universidades com base na regra de ouro, entenda

Fonte: Observatório do Conhecimento.

Manobra do governo na produção da peça orçamentária ataca o coração da Autonomia Universitária ao transferir responsabilidade e desgaste dos cortes para reitores

Depois de asfixiar as universidades federais com um corte de 30% nas despesas discricionárias no ano de 2019, o governo Bolsonaro preparou uma armadilha para os gestores na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2020.

De forma inédita, o projeto de lei enviado ao Congresso Nacional fatiou o orçamento das universidades em duas partes. A primeira passou a vigorar assim que houve a sanção presidencial da LOA. A segunda depende da aprovação de créditos suplementares pelos parlamentares.

Em 4 de fevereiro, a Subsecretaria de Planejamento e Gestão do MEC enviou ofício para todas as universidades e institutos federais “lembrando” da norma constitucional conhecida como “Regra de Ouro”, que poderia ser ferida pelos gestores caso houvesse novas contratações ou concessão de progressões e benefícios, acarretando a responsabilização dos agentes com base na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Esse conjunto de medidas mostra que o objetivo de Bolsonaro e Weintraub é reduzir as universidades a meras repartições do MEC, destinadas a somente obedecer portarias e ofícios mesmo que estes desrespeitem a Constituição.

O que é a Regra de Ouro?

A Regra de Ouro é o mecanismo fiscal que proíbe a emissão de títulos da dívida pública para pagamento de despesas correntes, como salários e aposentadorias. A regra é descumprida quando esses gastos excedem as despesas de capital, que são os investimentos públicos (obras, aquisição de equipamentos etc.).

Para evitar seu descumprimento é necessário que o Congresso Nacional aprove projeto de lei do executivo concedendo créditos suplementares.

Desde 2016, com a queda da arrecadação, em razão da crise econômica e da política de austeridade fiscal, o governo envia peças orçamentárias cortando investimentos públicos (as despesas discricionárias). Isso gera, como efeito colateral, a aproximação do limite imposto pela Regra de Ouro.

Até o ano passado, contudo, o orçamento relativo aos investimentos vinha em uma proporção que não feria a Regra de Ouro, mesmo projetando déficit.

O mecanismo pelo qual o executivo controla esses limites é o contingenciamento do orçamento. Com base na previsão de arrecadação, o Ministério da Economia emite um decreto em que deixa indisponíveis determinados valores do investimento e os libera no decorrer do ano.

Para evitar o descumprimento da regra e fechar as contas, envia ao Congresso Nacional projeto com o pedido de emissão de créditos suplementares. Foi o que aconteceu em 2019.

O processo de negociação entre o executivo e legislativo para aprovar tais créditos é sempre complexo, envolvendo múltiplos interesses. Desde que tomou posse, a relação do governo Bolsonaro com o Congresso não é nada boa. O que torna cada negociação ainda mais difícil.

No ano passado, só houve acordo para a aprovação do projeto que previa a abertura de R$ 248,9 bilhões em créditos suplementares quando o governo se comprometeu em descontingenciar R$ 1 bilhão para o MEC e R$ 330 milhões para bolsas de pesquisa, além de recursos para outras áreas, como o Minha Casa Minha Vida.

Quando realiza contingenciamento do orçamento, o governo pode escolher diversas áreas para fazê-lo. Em 2019, uma das opções foi cortar 30% do orçamento das universidades, alegando como justificativa que promoviam balbúrdia, o que gerou as grandes manifestações de maio.

Sempre há algum desgaste político quando se efetua o contingenciamento.

As manifestações contra os cortes no orçamento das universidades em maio de 2019 foram o principal foco de desgaste para o governo Bolsonaro | Foto: Divulgação.

Armadilha

Na LOA 2020, com a separação do orçamento das universidades em dois pedaços, a parte que está efetivamente em vigor fere, na tese do governo, o dispositivo da Regra de Ouro.

O governo, ao invés de realizar o contingenciamento como de costume, sugeriu, pelo ofício do MEC, que os gestores não realizem novas despesas, paralisando a contratação para reposição de pessoal e as progressões de carreira previstas em lei.

Ou seja, o governo evita seu próprio desgaste ao não realizar o contingenciamento e o transfere para os reitores, que ficam com a espada da Regra de Ouro sobre suas cabeças.

Na prática, mesmo sem a aprovação da PEC Emergencial (proposta do governo que permite reduzir jornada e salários dos servidores para cumprimento da Regra de Ouro), o governo impõe seus efeitos desde já.

Mas não pára por aí. Da forma como foi montado o orçamento, o governo central deixa de ser o maior interessado, e portanto o principal articulador no Congresso, na aprovação dos créditos suplementares. Essa responsabilidade é repassada para os reitores das universidades.

A manobra governista gerou apreensão entre os gestores, chegando ao ponto de alguns  emitirem comunicados informando a paralisação das contratações e da concessão de progressões e, até, do adicional de insalubridade.

Até mesmo a Andifes, a associação que reúne os reitores das universidades, diante do risco de punição aos gestores, se dividiu sobre o tema e solicitou um posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU).

Algumas instituições, como a UFRJ e a UFBA, decidiram manter as contratações como previsto em seus planejamentos, a fim de não prejudicar o ano letivo e não violar direitos dos servidores garantidos em lei.

A nota da UFRJ, destaca que “somente mudanças na legislação atual poderão ocasionar perda ou suspensão desses direitos [progressões e contratações]. O pagamento da folha de pessoal é responsabilidade do Ministério da Economia e seu descumprimento importará, entre outras consequências, a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal”.

O estratagema produzido pelo governo na LOA 2020 é mais um fato na série de ataques de que têm sido vítimas as universidades públicas. Cabe ao TCU e ao Congresso Nacional desfazer a armadilha e pôr freios nos atuais inquilinos do Planalto.

A greve nacional da educação, marcada para 18 de março, será um momento chave para protestar contra tais medidas. Será uma oportunidade de afirmar como a universidade é importante para o desenvolvimento do país e que a sua autonomia é elemento fundamental tornar o Brasil um país mais justo e solidário.