Roda de conversa “Vamos falar sobre o medo?”
No dia sete de dezembro o Núcleo de Acolhimento e Diálogo do APUBH UFMG+ (NADi) realizou mais uma roda de conversa com a categoria docente, trazendo como temática o “medo”. O NADi tem se dedicado a dialogar com a categoria sobre diversos assuntos que explicitam de alguma maneira o sofrimento e as vivências de docentes no seu cotidiano de trabalho.
Na ocasião várias questões foram colocadas, a primeira dela é que esse tema, tão complexo e amplo, ganhou diferentes e diversos contornos nos últimos anos. O cenário político, sanitário e as próprias condições de trabalho na Universidade configuram-se como condições de produção e reprodução do medo nas relações cotidianas, sejam elas de trabalho, sejam extra laborais. Não por acaso esse tema esteve intensamente presente nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, com o mote “Sem medo de ser feliz”, como destacado por uma docente participante da roda. Ao passo que, por outro lado, no governo Bolsonaro, houve a utilização do medo como ingrediente principal de disseminação e produção de notícias falaciosas.
É preciso lembrar que a Universidade é, por si só, um lugar de reflexões, resistências e, sobretudo criação. Porém, diante de um cenário de propagação do medo, medo de ser exposto no cenário político caótico, medo da retaliação de colegas, medo de um sistema de avaliações, por vezes opressor, entre tantos outros, professores e professoras são inibidos e, por conseguinte, impedidos em suas manifestações.
O imperativo da produção e da competitividade estabelece uma “ausência de confiança” e um processo de atomização do ser em todos os seus aspectos, cada um(a) no seu projeto, nas suas disciplinas individualizado(a)s e solitário(a)s. Há uma quebra dos vínculos solidários e de trocas, que poderiam atuar como importantes aliados na resistência, enfrentamento ao medo e busca de alternativas mais saudáveis de trabalho e convivência dentro da Universidade.
A necessidade de adaptação ao cenário por vezes adoecedor, é também uma tentativa de evitar o medo e a exclusão. Isso acaba levando as pessoas a suportarem situações de maior exploração, reduzindo o horizonte do viver ao sobreviver. Aos poucos, há uma naturalização do viver com medo, do adaptar-se constantemente a condições hostis. Há a instalação de uma lógica de “seleção natural dos mais adaptados”, como colocado na discussão.
Na Universidade, esse processo de naturalização e controle do medo, reproduzido pelas ferramentas de avaliação interna nos departamentos, por exemplo, gera uma espécie de “escravização subjetiva” que acaba conduzindo à uma paralisação e a redução do que é mais precioso e necessário à atividade docente: a criatividade em sua essência, carregada de liberdade efetiva. Professores e professoras sentem-se, em algumas ocasiões, constrangidos por ter que submeter projetos a avaliações diversas entre colegas. Destaca-se que as avaliações são essenciais à garantia da qualidade, no entanto, quando atravessadas pelo enrijecimento, provocam a redução da força criativa.
O controle atua como uma ferramenta fundamental do medo e à perpetuação dos valores capitalistas da meritocracia, do individualismo e da competitividade. Quem não se adapta é taxado(a) como fraco(a) e indigno(a) de ocupar esse lugar! Não é por acaso que os ataques à seguridade social, aos serviços e políticas públicas apareceram de forma tão veemente nos últimos anos. Ao capitalismo, é fundamental a precarização das condições de trabalho na Universidade e fora dela, e, portanto, o sucateamento desse serviço, que é voltado, em seu fim, para o bem social. O neoliberalismo vai tornando as condições de vida mais difíceis. Tudo isso funciona como desarticulador da força política dessa categoria e da classe trabalhadora, que luta cotidianamente pela sua própria sobrevivência e dos sentidos do seu trabalho. Cria-se um cenário de competitividade “extrema” de todos contra todos, pela sobrevivência em que, mesmo sem querer, ou de forma não consciente reproduzimos práticas hostis e depreciadoras das condições de trabalho e vida.
Estar em diálogo, debate e reflexão sobre todas essas condições e questões é fundamental para o resgate da coletividade, ao enfrentamento das condições hostis e precárias de vida e trabalho. É preciso desnaturalizar o sofrimento, a competividade exacerbada, as cobranças mútuas e auto cobranças. É preciso repensar práticas e no que se deseja construir como uma Universidade melhor e um país melhor. Leve sua voz e construa coletivamente. Esse é seu lugar!