Racismo estrutural na universidade foi tema do Programa do NADi/APUBH
O Programa do Núcleo de Acolhimento e Diálogo foi ao ar, no dia 05/10, no Canal do APUBH UFMG+ no Youtube.
A professora titular da Escola de Ciência da Informação (ECI/UFMG) e coordenadora do Museu Virtual – Saberes Plurais e do Laboratório de Culturas e Humanidades Digitais (LabCult/PPGCI/UFMG), Maria Aparecida Moura, foi a convidada desta semana do Programa do Núcleo de Acolhimento e Diálogo (NADi) do APUBH. A entrevista foi ao ar nesta segunda-feira (05/10), com o tema “Racismo estrutural e adoecimento docente em contexto acadêmico”. A conversa foi conduzida por Laís Di Bella Castro Rabelo, psicóloga social especializada na área de saúde no trabalho e responsável pelo NADi/APUBH.
Assista à entrevista na íntegra: https://youtu.be/tQZl-bfFyNA
Semanalmente, o Programa do NADi/APUBH recebe especialistas da UFMG para conversar sobre a saúde da mente e do corpo da comunidade acadêmica, durante o período de ensino remoto emergencial. A série de vídeos conta com um formato dinâmico, com duração média de 30 minutos. Acompanhe as transmissões ao vivo, às segundas-feiras, através do canal do sindicato no Youtube: https://tinyurl.com/canaldoapubh
O APUBH UFMG+ está aberto à categoria para a construção de saídas coletivas. Contribua,compartilhando a sua experiência!Preencha o questionário sobre o trabalho docente no ERE, disponível no hotsite do Núcleo de Acolhimento e Diálogo (NADi/APUBH): https://apubh.org.br/acolhimento/
As denúncias e queixas também podem ser encaminhadas diretamente através do nosso e-mail acolhimento@apubh.org.br
O sofrimento de negras e negros na universidade
A professora Maria Aparecida Moura agradeceu a oportunidade de abordar o tema, reforçando a necessidade de tirar essa discussão da invisibilidade, nos contextos acadêmicos. “A Universidade, sobretudo as universidades públicas, tem como dever de ofício a necessidade de criar programas e projetos que visem desencorajar o racismo e as práticas racistas e que visem também, de certo modo, mitigar os seus danos”, avaliou.
A professora Cida analisou que, embora seja compreendida como simbólica, a violência contra negras e negros na universidade é enraizada concretamente em práticas diárias. Ela explica uma das formas pelas quais essa violência se manifesta, por exemplo, na falta de acesso dessas pessoas a recursos, devido aos critérios adotados pela instituição. Na avaliação dela, criou-se uma hierarquização que tende a não reconhecer o valor dos projetos de pessoas negras. E, ainda segundo a docente, isso se constitui como uma das formas de violência, uma vez que o espaço acadêmico é um espaço de competição, onde não há recursos suficientes para todos os projetos.
Os grupos políticos dentro das instituições – e a UFMG não foge à regra – vão reproduzir as estruturas políticas que existem na sociedade, no sentido de garantir os privilégios e tentar coletivamente coibir ou reduzir a potência do gesto daquele que chega
Maria Aparecida Moura, professora titular da ECI/UFMG
Ela avalia que a garantia de acesso de estudantes e professores negros na universidade não é o bastante para redimir as discriminações e dificuldades de percurso, que estas pessoas sofreram anteriormente e que ainda sentirão na própria academia. “Essa violência é difusa e, por isso mesmo, é tão forte. A cada momento, encontramos colegas e membros da sociedade que vão questionar, com olhares, práticas, piadas e enquadramentos, que nós não estamos no nosso lugar”, observou. “O ‘conforto ontológico’ que é dado ao segmento branco, não chega para o segmento não-branco”, ponderou.
O racismo estrutural não se restringe ao ambiente acadêmico, pelo contrário, como explica a professora Maria Aparecida Moura, esse é um reflexo da dinâmica da própria sociedade. “Os grupos políticos dentro das instituições – e a UFMG não foge à regra – vão reproduzir as estruturas políticas que existem na sociedade, no sentido de garantir os privilégios e tentar coletivamente coibir ou reduzir a potência do gesto daquele que chega”, analisou.
Adoecimento da categoria docente
A vivência diária dessa situação, na opinião da professora, pode levar ao adoecimento dos atingidos. Ela relembra que, no período em que foi ouvidora na UFMG, a procura era realizada, em sua maioria, a estudantes e técnico-administrativo e pouco por docentes. Na avaliação dela, esse é um reflexo da realidade a que a categoria está exposta na universidade.
Dentro da estrutura de valores acadêmicos, adoecer ou questionar o assédio moral é tido como ‘mimimi’. Muita gente aguenta calada, sofre, adoece e adoece a própria família, para poder caber no modelo da excelência acadêmica
Maria Aparecida Moura, professora titular da ECI/UFMG
“Ser deprimido na instituição é como se você fosse um fracassado, não deu conta, não é suficientemente forte para fazer face aos desafios da sociedade. E não é isso”, comentou. “Dentro da estrutura de valores acadêmicos, adoecer ou questionar o assédio moral é tido como ‘mimimi’. Muita gente aguenta calada, sofre, adoece e adoece a própria família, para poder caber no modelo da excelência acadêmica”, ponderou.
Construção de saídas coletivas
Como forma de resistência a essa realidade, a professora aponta a importância dos cuidados com a saúde psíquica e de uma militância contínua, por meio da participação de movimentos políticos e sociais. A professora Cida aponta que essa resistência coletiva também deve ser contínua no Ensino Superior, tendo em vista aqueles que já ocupam esse espaço, bem como para que outros também tenham essa oportunidade.
“Se nós começássemos a reiterar uma outra agenda que não tencionasse o plural, significaria que esses ganhos que nós temos hoje na universidade não existiriam, porque pensaríamos que a questão era só mérito. E gente sabe que não é”, refletiu. “O racismo individual, o institucional e o estrutural, nós convivemos com estas três dimensões do racismo em simultaneidade, nos diversos ambientes acadêmicos”, definiu.
Ela exemplifica essa situação ao abordar a questão das cotas destinadas a pessoas negras, nos concursos para professores universitários. “Eu acho que é uma vitória institucional, mas é um peso muito grande para quem entra. A professora e o professor que entram por cota viram, momentaneamente, um emblema institucional de que a instituição não é racista”, observou. Ainda assim, a docente lembra que é preciso fazer face ao racismo presente no quotidiano, pois “o fato de agente entrar não significa que a instituição tenha um arcabouço de proteções que seriam necessárias pra que a gente possa fazer bem o nosso trabalho”.
“Passar por cotas é um compromisso eterno com a temática da discussão racial. Eu acho isso positivo, mas ao mesmo tempo vira uma responsabilidade nossa. A mudança da instituição vai requerer uma responsabilidade nossa”, refletiu. “Uma universidade plural, diversa e não-racista é um compromisso institucional, é um compromisso de toda a comunidade”, definiu.