SUICÍDIO é amarelo?
SUICÍDIO é amarelo?
Este é um assunto importante e um TABU. Tanto pior quando nos referimos a uma categoria de trabalhadores que não se permite sofrer e não vê limites em sua entrega profissional: desafios permanentes de superação se impõem de forma muitas vezes acrítica.
Talvez fosse melhor primeiro lembrar o que significa a vida, em sua plenitude, para compreendermos o que significa abrir mão dela. Evitar o assunto não é uma forma de prevenção. Precisamos conversar sobre esse problema de saúde pública para poder salvar muitas vidas. Sendo assim, Setembro Amarelo traduz um movimento nacional e mundial para prevenção dos suicídios, ou mortes por desespero.
Setembro é o mês que sinaliza a entrada na primavera. É hora de celebrar a vida, florescer. No entanto, nos sintonizamos com a necessária reflexão sobre os limites e o fim da própria existência. A data de 10 de setembro foi escolhida para isso pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
Qual seria o significado deste ato extremo? E quando alguém não suporta mais? Tem direito? É um crime? Pecado? Alívio?
A ideia de autoextermínio soa como se alguém “apagasse as luzes” e faz pensar nas metáforas possíveis do burnout: “autocombustão”. Certamente não se trata de um ato solitário e sem sentido: é uma construção social e a vida profissional é da maior relevância nesta situação.
Não faremos coro, aqui, aos que associam o suicídio com um ato solitário e que remete à pressuposição de um adoecimento mental: uma depressão grave, por exemplo. Claro que é relevante. Porém, não esgota o assunto e arrisca uma psicologização ou patologização de questões sociais, políticas, culturais e econômicas importantes que incidem especialmente entre jovens e idosos, mas que exige uma análise fortemente contextualizada. Uma análise cuidadosa será necessariamente complexa.
Muitos modos de suicídios sugerem que ele seja uma forma de expressão, com conotações diversas. O fato é que é infinita a tristeza que dá contornos a uma tentativa ou ao macabro “sucesso” do autoextermínio, lançando sombras entre aqueles que temos chamado de sobreviventes: a família, as amizades, os amores, colegas de trabalho, pessoas próximas e até distantes.
Quando pensamos no suicídio que ocorre crescentemente entre jovens, crianças, adultos, aposentados, especialmente em povos indígenas, imediatamente pensamos no sofrimento que a vida pode ensejar ou impor. Por que, de repente, as opções se reduzem ao modo binário e radical de continuar vivendo ou não?
Além disso, quando vemos pessoas que não se protegem da pandemia, recusando o uso de máscaras e negando a gravidade da situação, poderíamos operar com o conceito de “suicídio”? Há uma insuficiente adesão ao significado da vida? Ocorre uma intenção de se expor à morte? E se pensamos nos números alarmantes de mortes no trânsito, nos motoboys, ou na opção pelo tráfico de drogas e sua extrema violência, haveria sentido na ideia de que se trata de pessoas que procuram ou brincam com a própria vida, subestimando o futuro?
Com a pandemia do novo coronavírus, mais um sinal amarelo, talvez vermelho, se acendeu, alertando para a necessidade de evitar os diversos problemas existenciais que a crise sanitária pode trazer decorrentes das questões socioeconômicas, desemprego e estresse social, bem como as medidas de isolamento que acabam por colocar a população mais fragilizada em risco. Muitos e muitas sofrem com o distanciamento das pessoas queridas ou são atormentadas na convivência com parentes abusivos e violentos.
Nós, docentes, não sabemos daquilo que nos confronta com a morte. Não sabemos se nossos ou nossas colegas têm ideias de autoextermínio ou se estão queimando no burnout. Não temos dados sobre isso na UFMG! O silêncio recobre os episódios de contato ativo com a morte. O tabu ainda se impoe mesmo em uma instituição de excelência. Quantos já se foram? Quem de nós perdeu alguém pela via do suicídio? Quando tentaram e correm o risco de reincidir? Podemos nos perguntar pela nossa qualidade de vida no contexto político e social atuais, alertando para o fato de que há um grande risco de exaurimento entre nós e que os auto insulamentos, o autoisolamento de colegas, as exclusões produzidas pela dinâmica do produtivismo e da concorrência descabida entre docentes podem cultivar diversos modos de “apagar a nossa luz”: afastamentos prolongados do trabalho e aposentadorias precoces são, por exemplo, indicadores importantes do “risco” de morrer.
Neste momento de medo e de incertezas, a saúde mental de todas e todos deve ser preservada: um patrimônio intersubjetivo fundamental. Temos que ter serviços e projetos de saúde mental que apoiem nossa comunidade, não só para passar por esta crise sanitária, mas também que colaborem a curto, médio e longo prazo na reconstrução da tão desejada fase pós- pandêmica. A saúde mental docente não pode esperar.
Mais investimentos e acompanhamentos são imprescindíveis para as pessoas, sendo um compromisso com a transparência e a entrega de informações verdadeiras que podem amenizar a sensação de incerteza, diminuindo o desespero e a falta de perspectiva trazida pela mudança de rotina e todos os riscos que sofremos.
O “setembro amarelo” acusa um sinal de alerta, na primavera que contempla tantas e todas as cores da vida que devemos cultivar. O APUBH inaugurou seu NÚCLEO DE ACOLHIMENTO E DIÁLOGO ainda nas tonalidades do agosto e quer saber: está tudo bem?
Neste momento, precisamos estar mais atentos a nós mesmos e às pessoas ao nosso redor, mesmo que remotamente. O afeto, a escuta e o diálogo podem salvar e preservar vidas.
Convidamos todas e todos a romper este sólido tabu e deixar circular o desconforto, o mal-estar e o sofrimento que pode nos silenciar, hoje ou para sempre.
Façamos, agora mesmo, os votos de uma vida boa e do trabalho que a enriqueça!
Participem de nossa campanha: https://apubh.org.br/acolhimento/
Profª Maria Stella Brandão Goulart
Profª Solange Cervinho Bicalho Godoy
Comissão de Estruturação do Núcleo de Acolhimento e Diálogo do APUBH