Acontece no APUBH

Stock Car em BH: o sucesso que ninguém viu

O rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho, a devastação da Serra do Curral, a exploração ilegal de madeira, as violações patrimoniais e assassinatos de indígenas. Não faltam exemplos de como iniciativas neoliberais, motivados pela sanha por lucros, causam impactos sociais e ambientais. E para se alavancar, esse avanço predatório, o neoliberalismo tende a passar por cima das evidências científicas, da vontade popular e da própria vida. As consequências dos eventos da primeira edição da Stock Car em Belo Horizonte, realizados entre os dias 15 a 18 de agosto, demonstram essa realidade na prática.

Técnicos da UFMG estimam que os níveis de ruído no Hospital Veterinário da universidade, durante a realização da corrida, chegaram a 100 decibéis (dB). Quer dizer, quase o dobro do limite de 55 dB para hospitais, estabelecido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Na tentativa de atenuar os impactos sobre os animais em tratamento no Hospital Veterinário, numerosos animais  precisaram ser transferidos do local – um processo delicado e oneroso à universidade. Todavia, nem todos os espécimes puderam ser deslocados.

Dessa maneira, durante os quatro dias de eventos, profissionais se empenharam no monitoramento dos animais presentes na universidade, incluindo as espécies silvestres que habitam o local. Ainda assim, o excesso de ruído e estresse causou morte a um conjunto de peixes do laboratório da Escola de Veterinária da UFMG. E por volta de 400 animais deixaram de ser atendidos durantes os dias de realização da corrida. Afinal, nesse período, o Hospital Veterinário, por força da situação criada, precisou ficar fechado para atendimento.

Além do impacto direto ao Hospital Veterinário e animais em tratamento ou para atendimento, apontam-se os danos ambientais que não se limitam à realização da corrida em si. Na verdade, os prejuízos têm sido evidenciados desde o início das obras de adequação da região para a implementação da prova. Algo que ficou notório com o corte de dezenas de árvores da Avenida Abrahão Caram e adjacências – uma agressão patente contra o meio ambiente. Em meio a mudanças drásticas no clima, que causam uma série de desastres humanitários e ambientais no Brasil e no mundo, fica evidente a necessidade de o avanço predatório de iniciativas privadas.

Por isso mesmo, desde o início, entidades ambientais, membros da comunidade acadêmica, lideranças políticas do campo progressista e democrático, contando com a participação ativa do APUBHUFMG+, têm se mobilizado contra a realização do empreendimento na região do Campus. Apesar disso, a organização e o poder público municipal preferiram ignorar os alertas. Não foram levadas em consideração nem mesmo as análises técnicas promovidas por cientistas da UFMG, uma universidade reconhecida nacional e internacionalmente pela excelência de seu trabalho científico. Do mesmo modo, a população não foi ouvida. Até mesmo os moradores da região Pampulha, embora sejam diretamente impactados, foram ignorados nesse processo.

Além do que, devemos ter em mente que gestores da UFMG foram alvo de tentativas de intimidação por parte dos organizadores do empreendimento Stock Car em Belo Horizonte. A falta de apreço à Democracia e à cidadania se torna recorrente na maneira como o empreendimento tem sido conduzido. Algo que é próprio de iniciativas neoliberais.

 

Durante os quatro dias de Stock Car em BH, as atividades também tiveram de ser interrompidas na Faculdade de Odontologia, que presta atendimento a pacientes do SUS, assim como o Centro Esportivo Universitário (CEU) e o Centro de Treinamento Esportivo (CTE), que atende estudantes de escolas públicas. Os prejuízos, portanto, não se limitaram à fauna e à flora.

Em relação aos danos para as pessoas, devemos lembrar, ainda, das agressões cometidas por fiscais de segurança do BH Stock Festival contra proprietários e funcionários do restaurante Farroupilha. A situação chegou a um nível tão absurdo e desumano que, como comprovam registros feitos no momento, uma das donas do estabelecimento chegou a ser segurada no chão por duas seguranças do evento. O estopim para a confusão teria sido o fechamento do acesso ao restaurante, que está situado no local há mais de quatro décadas. Assim, a violência teria sido empregada para garantir os interesses econômicos do empresariado em detrimento do comércio local.

A truculência da organização da corrida também se manifestou no tratamento dispensado ao site Grande Prêmio e, em especial, ao seu repórter Bernardo Castro. A equipe do veículo, especializado em automobilismo, foi barrada de cobrir o evento. Essa seria uma retaliação à reportagem “Por que a UFMG trava batalha contra corrida de rua da Stock Car em Belo Horizonte?”, escrita por Castro e veiculada pelo site.

Cabe chamar a atenção, ainda, para os prejuízos financeiros acarretados pela instalação da pista, assim como pela realização da corrida, no entorno do Campus Pampulha. A UFMG já gastou por volta de R$ 1 milhão em ações emergenciais para mitigar as consequências deste empreendimento. A cifra foi apresentada pela reitora da UFMG. Ela ponderou, ainda, que os prejuízos podem ser ainda maiores, uma vez que a apuração está no início e as medidas de contenção continuam. Além do que, o acordo para a realização do evento na cidade foi assinado para cinco anos.

De acordo com a reitora, os valores dizem respeito aos custos para blindar as portas do Biotério Central e para contratar equipes de profissionais para monitorar animais silvestres na Estação Ecológica e animais gestantes no Hospital Veterinário. Ademais, também foi preciso custear o transporte e a realocação de animais que vivem no hospital, entre tantas outras providências  necessárias.

E devemos ter em mente que os valores saíram do orçamento de manutenção da própria universidade. Ou seja, estamos falando de gastar dinheiro público para sanar problemas causados pela iniciativa privada. Lembrando que a falta de investimento de Estado nas instituições federais de ensino continua a ser um problema no país. As consequências do empreendimento Stock Car, contudo, não podem ser limitados ao aspecto financeiro.

A gestora trouxe à tona as informações sobre os custos e as ações emergenciais em meio à visita técnica na universidade, realizada no dia seguinte à realização da corrida da Stock Car em Belo Horizonte. A ação in loco foi uma iniciativa da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, que foi representada por sua presidenta, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), acompanhada pela deputada Bella Gonçalves (PSOL).

Além da reitora e das parlamentares, a ação também teve a presença do vice-reitor da UFMG,  e do diretor e da vice-diretora da Escola de Veterinária.. A visita técnica foi acompanhada por veículos de imprensa, assim como pela Assessoria de Comunicação do APUBHUFMG+. E a nossa mobilização coletiva continua. Inclusive,  o APUBHUFMG+ solicitou a participação como amigo da Corte em processo da UFMG contra a Stock Car.

Nesta semana, a PBH anunciou que planeja conversar com a UFMG para alinhar às questões referentes à Stock Car, tendo em vista que novas edições da prova estão previstas para serem realizadas na cidade. No entanto, essa postura, difere da falta de diálogo empregada pela prefeitura até então. Assim, não é de se admirar a nossa desconfiança para com essa aparente abertura ao diálogo. Basta lembrar que a gestão municipal não atendeu à proposta da reitoria da universidade, disposta a ajudar na definição de outro local para a realização da corrida, que não causasse os mesmos problemas à cidade e a universidade.

Seria um ledo engano, portanto, acreditar que o caos causado seria o suficiente para alterar os interesses políticos e privados que sustentam o empreendimento. Até porque, como vimos, os agentes envolvidos não se privam de quaisquer meios necessários, seja o lobby político, a pressão econômica, os meios jurídicos ou, até mesmo, a violência física.

Diante desse cenário, a nossa mobilização se mantém decisiva. Além do que, devemos manter o olhar crítico frente às matérias, que circulam na mídia burguesa, sobre o suposto sucesso econômico e de público do evento. Ainda que o empreendimento tenha atingido algumas das metas estabelecidas, o povo continua não sendo contemplado.